25 julho 2008



ser indígena nos propõe não apenas um problema, mas uma matriz que resultará num complexo problemático;
esse complexo problemático arraiga ou está arraigado na própria concepção de subjetividade humana elaborada pelo homem e pelas instituições ocidentais;
ficamos então com a cristalização das essências como a verdade última e assim com uma configuração essencialista da verdade;
quando se pensa então o ser humano este é pensado em sua essência ou como essência, neutralizando da imagem do conhecimento os processos transformacionais que definem os sujeitos;
quando se pensa o sujeito como efeito de linguagem coloca-se o processo de essencialização não mais como verdade última e absoluta, este é relativizado por outros processos de construção (comparação) e por sua concepção construcionista liberada pelos estudos de linguagem e discurso;
percebe-se então uma aliança entre a essência como objeto de pensamento e a essencialização como prática discursiva;
dessa forma não há como se livrar de um, sem se livrar de outro;
isso porque o pensamento se revela processo mais que coisa em si, processo de linguagem e efeitos de linguagem;
a coisa em si visa cristalizar uma forma da verdade que não admite a transformação como processo do conhecimento: o devir;
desconstruindo-se essa matriz epistêmico-perceptiva, libera-se á construção do conhecimento como plano de imanência, em que se conhece uma dobra conhecimento-mundo-subjetividade distinta da projeção representacional do plano de transcendência;
essa concepção de conhecimento serve para operações com a subjetividade diversas do essencialismo transcendentalizante;
operações essas que acionam o dinamismo político da subjetividade e desembocam numa apropriação libertária do potencial político da subjetividade, em contraste com o uso conservador dado à identidade essencializante;

com isso o sujeito-índio pode ser mirado da perspectiva molecular que o libera para o tráfego em outros universos;
uma subjetividade não incompatibiliza as demais, o que possibilita uma indigenização das outras subjetividades, na contra-mão dos princípios essencialistas ocultos nas teorias da aculturação;

não se conhece [ou não se concebe uma imagem do conhecimento, ou não se pratica o conhecimento a partir de uma imagem do conhecimento] exclusivamente em função de uma determinada exterioridade referente a ser conhecida;
conhece-se em conexão imediata com uma rede rizomática de conexões infinitas em que a prática aciona diretamente o conhecimento enquanto intervenção imediata e efêmera, interessada em articular agenciamentos coletivos;
a verdade aqui se constitui menos pela imagem clássica do autor ou do mestre autores de uma obra ou de verdades ou de sistemas definitivos e imutáveis, e mais por coletivos em ação e intervenção de práticas de conhecimento que extravasam mesmo os saberes oficializados (escolares, pesquisados, disciplinares, profissionalizados) e se dissipam em práticas subjetivas marginais de conhecimento;

reconhecer aqui o processo de oficialização de saberes;

aqui se percebe a distinção entre a noção de subjetividades, ela própria, ainda que abstrata e desvinculada das individualidades e demais identidades, marcada pela modelização, e a noção de subjetivação que revela o caráter prático e construtivo, em suma, dinâmico das potências de subjetivação dos agenciamentos diversos;

11 julho 2008



o que está em questão, seja no domínio da religião ou no da ciência, é a imagem de futuro que elas criam, a imagem de futuro que acreditamos;
daí seu poder sobre o nosso medo ou nosso desejo;

produzir futuro a partir de fragmentos do passado, do inconsciente;
não se prender ao passado, a uma certa imagem do passado definida nos termos da tradição do pensamento ocidental;
voltar-se em valores do passado, valores perdidos, a isso conduz o culto moderno da razão;
não se trata de voltar ao passado, justamente um passado construído pela modernidade, por falta de opção;
não se trata de pessimismo, outra forma de escravidão, mas de liberdade;

interessante é a experiência de cultura e tradição vivida por esses povos, pelos povos indígenas;
o processo de revitalização com que essas culturas massacradas emergem na sociedade do capitalismo midiático coloca-as à prova;
à prova da história, à prova do passado projetado pelo progressismo moderno, passado como atraso, passado como selvageria, esses povos se reconstroem em seus artefatos, sua indumentária, suas práticas artesanais, seus cantos e suas danças, suas línguas,
reelaboram com suas mãos, diante de nossos olhos, processos de subjetivação, socialidades, conhecimentos tradicionais e, com isso, reformulam mutuamente as suas e as nossas concepções de subjetividade [corpo, pessoa, parentesco], tempo [história, passado, futuro, mito], sagrado [rituais, iniciações, nomes], conhecimento [verdade, pesquisa, poder];
diante desse processo de dessacralização dos dogmas de nosso senso comum [construído em bases tanto místicas como científicas], não há como manter intacta nossa imagem do conhecimento, da educação, da escola;



não se trata de copiar do vizinho;
quando falo que os indígenas possuem uma capacidade de desdobrar seu aprendizado estou pensando em outra coisa;
estou tomando a experiência da relação entre índios e brancos que deu origem à idéia ou ao conceito de extrativista [e de reserva extrativista por conseqüência];
falo da aliança dos povos da floresta como um processo de subjetivação que pode e deve ir muito além dos limites étnicos, muito além da associação entre revitalização da cultura tradicional e genética indígena;
falo de um processo reconhecido por poucos sábios como seu milton ou osmildo [mas mais que tudo, percebido em sua força pelo outro lado] que percebem que essa força pode ser apropriada como um instrumento político de resistência à laminação capitalista que nos pretende homogeneizar ou que pretende mesmo fazer das próprias subjetividades diferenciais um aparelho de captura e homogeneização ao se transformarem em mercadoria;
quando fiz meus estudos entre os indígenas, não houve pretensão que me ofuscasse o fato de a intervenção deles sobre mim ter sido incomparável em relação à minha sobre eles;

podemos nos voltar ao movimento sem terra, ao seu trabalho pela diversificação da produção contra a monocultura, nosso mesmo velho inimigo;
mas temos que reconhecer onde erramos, onde mistificamos nosso passado, senão vamos repetir a mesma história;

no entanto, não vejo saída por aí pois não se trata de uma questão de produção, mas de uma questão de desejo;
em termos de agroecologia temos uma promissora geração de agentes agroflorestais indígenas;
o que interessa nela é tanto as sementes que são plantadas na terra quanto aquelas que se plantam no coração das pessoas, no desejo das pessoas;
o capitalismo trabalha com o desejo das pessoas, por isso seu sucesso e seu poder: os seres humanos são máquinas desejantes mais que seres conscientes;
o desejo trabalha sobre a subjetivação com uma eficácia diversa da consciência;
a consciência dá a impressão de controle daquilo que escapa e fica restrita, circunscrita a um campo de ação limitado em termos de subjetivação;
a consciência tem uma associação estreita com o passado enquanto o desejo nos lança para o futuro e para processos de transformação compatíveis com as forças de subjetivação;

não acredito que a solução ou mesmo a parte mais interessante do processo seja a aprovação de áreas de conservação, pois penso que as mais importantes áreas de conservação a serem criadas são dentro das pessoas;
a parte mais interessante do processo é dar vazão aos processos criativos que oferecem alternativas ao capitalismo e sua relações intermediadas pelo dinheiro;

ainda acredito que não se trata de fazer distinções capitais entre política e cultura, ou política e arte;
podemos querer fazer política como arte e arte como política, afinal o que interessa são os agenciamentos de enunciação;


richard: você segue acreditando na imagem do intelectual como agente subversivo, capaz de turvar o discurso institucional do saber e do poder;
quais seriam então as novas estratégias para combater os sistemas de autoridade, quando as relações entre marginais e instituições tem sido reterritorializadas por manobras cada vez mais compexas e persuasivas de incorporação do alternativo ao traçado hegemônico;
guattari: em lugar do intelectual com letra maiúscula, penso no desenvolvimento de dispositivos intelectuais coletivos;
a intelectualidade e a sensibilidade se desenvolvem sempre mais no corpo social, são convocadas a ter um lugar cada vez mais importante;
o tempo do intelectual guia ou do intelectual orgânico já passou, e está muito bem que seja assim;
agora virá o tempo da intelectualidade experimental, criadora, que influencia por sua eficácia real;
não há que temer as recuperações, as revoluções moleculares são sempre recuperadoras , mas vão sempre mais adiante;
o alternativo, o menor, o dissidente se reencontram constantemente no interior do processos criativos;
os poderes recuperaram muito o desejo, mas o desejo está em condição de escapar sempre quando dispositivos maquínicos lhe permitam desdobrar suas dimensões ontológicas próprias;
richard: uma pergunta para contextos de transição democrática: como repensar o tema da relação intelectual-instituição, não mais no sentido oposicional da estrita negatividade [o intelectual necessariamente contra as instituições e esta sempre repressiva], senão das condições de inserção crítica do intelectual no manejo institucional;
como contribuir com novos gestos que flexibilizem a insttuição e a tornem mais audaz e criativa;
guattari: se dissociamos a função coletiva da intelectuaidade da individuação ou personificação do intelectual, é possivel, então que este veja seu impacto pragmático escalonar-se/distribuir-se em diferentes níveis;
o professor, o pesquisador, o escritor, o artista, estão sempre mais ou menos implicados em funcionamentos institucionais;
agora, mais que se implicar vergonhosamente, é preferível assumir essa implicação em um plano ético-político;
o intelectual não dispõe de nenhuma preeminência frente aos demais atores sociais ou microsociais;
as instituições são máquina autoconsistentes que possuem lógica própria;
como torna-las inteligentes e sensíveis;
como reirigir sua ação no sentido de uma ecologia social e mental liberada do laminado capitalístico;
estas são perguntas que se faz a 'análise institucional' à qual se poderá associar o 'intelectual analítico';

1991


perigos do passado

não só não constatamos nenhuma relação de causa e efeito entre o crescimento dos recursos técnico-científicos e o desenvolvimento dos progressos sociais e culturais, como parece evidente que assistimos a uma degradação irreversível dos operadores tradicionais de regulação social;
ainda que diante de tal fenômeno seja artificial apostar numa volta atrás, numa recomposição das maneiras de ser de nossos antepassados, é exatamente o que tentam fazer à sua maneira as formações capitalistas mais 'modernistas';

guattari, as três ecologias


os povos indígenas fornecem o mais interessante contraponto á moderna sociedade capitalista, com seu modernismo positivante e evolucionista, por meio do qual o ocidental se considera a forma acabada da criação;
no entanto, o rendimento desse contraponto depende de que ele não seja reduzido ao lugar de outro da sociedade moderna;
o passado, tempo de referência execrado pela modernidade, é o tempo que está associado aos povos indígenas;
seu contraponto valorizado é o futuro, tempo paradisíaco em que o trabalho e a doença serão superados pela tecnologia;

portanto, pensar esse contraponto a partir da imagem que a sociedade moderna faz do indígena pode ser perigoso, ou melhor, consiste propriamente num aparelho de captura para, num mesmo ato, coloca-los e tira-los, ou seja, coloca-los 'na história' como espécies extintas;
assim, a primeira atitude consiste na desconstrução desse procedimento;
consiste na crítica desse procedimento de captura pelo passado, pela associação ao passado;
a partir dessa desconstrução, procede-se a produção de outras imagens do tempo, bem como a circulação de outros valores sobre o tempo, a tecnologia, a natureza, a evolução;
pensar e valorizar o tradicional significa menos cultuar o passado e mais projetar-se no futuro;

o problema é que o moderno unificou uma imagem do futuro na qual todos devemos nos projetar, que se transforma numa palavra de ordem, num processo subjetivante obrigatório;
para se acessar educação e tecnologia, por exemplo, não se concebe que seja feito senão para o reforço das relações capitalistas, enfim, da ocidentalidade moderna;
cumpre assim pensar um tradicional mais relacional que propriamente associado ao passado;
relacional no sentido de não-moderno ou mesmo contra-moderno, o que significa suprimir [ou pelo menos suspender em determinados momentos] a associação desse tradicional com o passado que não seja um passado virtual, ou seja, um passado em função do futuro;
construir relações e processos de subjetivação indígena está longe de qualquer projeção em direção passado;
[não que não possa haver culto do passado, só não é disso que tratamos ou que nos interessa;]
cada vez mais, quando linhas de fuga se proliferam e a vontades de diferença se intensifica em meio aos processos capitalísticos de monocultura subjetiva;
mesmo com o alinhamento de discursos como a religião do ecologismo [cada vez mais apocalítica visando arrebatar consumidores fiéis em massa], o mercado do desenvolvimento sustentável ou das políticas públicas;

a educação que não serve senão para reificar valores ocidentalistas, reduz-se à tecnologia [computadores, marketing, ], tecnologia capitalística de socialidade [para não dizer cultura] para a produção e pelo lucro {administração, gestão, ], essa, na mesma esteira da educação, visceralmente impregnada dos valores e da imagem de futuro ocidental-capitalista;
desses processos, deduz-se a que referências subjetivantes se deve obedecer nesses espaços de treinamento técnico;
e assim, a imagem do futuro, que figura como a grande invenção da modernidade, revela sua potência em termos de configuração subjetiva;
imagem do futuro relaciona-se aqui com processos de submissão política que estão associados com as crises dos operadores de regulação social;
crise causada por um fenômeno dos processos subjetivantes que são determinados em direções opostas;
de um lado, subjetividades que se definem por uma moral globalista, que está para além dos símbolos mais generalizantes como nação ou mesmo planeta;
de outro, por uma afirmação proto-individual, que está aquém de todas as marcas sociais passíveis de vínculos de afeto não-capitalista;


não só não constatamos nenhuma relação de causa e efeito entre o crescimento dos recursos técnico-científicos e o desenvolvimento dos progressos sociais e culturais, como parece evidente que assistimos a uma degradação irreversível dos operadores tradicionais de regulação social;
ainda que diante de tal fenômeno seja artificial apostar numa volta atrás, numa recomposição das maneiras de ser de nossos antepassados, é exatamente o que tentam fazer à sua maneira as formações capitalistas mais 'modernistas';

guattari, três ecologias

quando inventamos
novas formas de colonizar
dissemos
vamos, agora, gozar
nossa independência

depois de inventarmos
novas relações de escravidão
dissemos
vamos, agora, gozar
nossa liberdade

ao criarmos
outros tipos de ditadura
dissemos
finalmente vamos gozar
a nossa democracia

assim que descobrimos
infalíveis processos de auto-censura
dissemos
agora sim
vamos gozar
a liberdade de expressão

quando inventamos
novas tecnologias de genocídio
dissemos
agora sim
vamos gozar
a vida

quando percebemos
formas mais sutis de repressão
dissemos
é agora
vamos gozar


inicialmente, o que chama a atenção são os termos com que o autor se refere ao perspectivismo numa síntese esclarecedora: economia da subjetivação associada à sociologia indígena da alteridade em sua deixis cosmológica, em seu duplo aspecto: epistêmico [perspectivismo] e ontológico [multinaturalismo];

outra coisa que chama a atenção é a expressão palavras de ordem sendo utilizada propositalmente de maneira ambígua visto que o termo se refere a um conceito central na filosofia deleziana apropriada pelo nuti;
as palavras de ordem estão associadas a uma concepção modernista da socialidade, sendo que por modernista o autor entende uma concepção da socialidade 'formalista, taxonomista e individualista', termos que me lembram o recorte epistemológico do conhecimento e da linguagem de foucault;
trata-se aqui do objetivo da pesquisa: usar a experiência acumulada [ou o referencial definido] para operar uma crítica [etnograficamente motivada] dessas palavras de ordem;
a experiência consiste nos conhecimentos da economia sociocósmica ou cosmopraxis em suas três dimensões básicas: as economias da preensão relacional, da subjetivação perspectivista e da metamorfose mitopoiética;


o sujeito não é evidente: não basta pensar para ser, como o proclamava descartes, já que inúmeras outras maneiras de existir se instauram fora de consciência, ao passo que o sujeito advém no momento em que o pensamento se obstina em apreender a si mesmo e se põe a girar como um pião enlouquecido , sem enganchar em nada dos territórios reais da existência , os quais por sua vez derivam uns em relação aos outros, como placas tectônicas sob a superfície dos continentes;
ao invés de sujeito, talvez fosse melhor falar em de subjetivação trabalhando, cada um, mais ou menos por conta própria;
isso conduziria necessariamente a reexaminar a relação entre o indivíduo e a subjetividade e, antes de mais nada, a separar nitidamente esses conceitos;
esses vetores de subjetivação não passam necessariamente pelo indivíduo, o qual, na realidade, se encontra em posição de 'terminal' respeito aos processos que implicam grupos humanos, conjuntos socioeconômicos, máquina informacionais etc;
assim, a interioridade se instaura no cruzamento de múltiplos componentes relativamente autônomos uns em relação aos outros e, se for o caso, francamente discordantes;
sei que um argumento desse tipo ainda permanece difícil de ser entendido, sobretudo em contextos onde continua a reinar uma suspeita, e mesmo uma rejeição de princípio, com relação a toda referência específica à subjetividade;
em nome do primado das infra-estruturas, das estruturas ou dos sistemas, a subjetividade não está bem cotada, e aqueles que dela se ocupam na prática ou na teoria em geral só a abordam usando luvas, tomando infinitas precauções, cuidando para nunca afastá-la demais dos paradigmas pseudocientíficos tomados de empréstimo, de preferência, às ciências duras: a termodinâmica, a topologia. a teoria da informação, a teoria dos sistemas, a lingüística etc;


nota-se que ao especificar aquilo que trata por ecologia mental e social, é de vital importância para guattari uma redefinição em relação à noção de subjetividade sustentada pelo senso comum e mesmo pela tradição acadêmica;
para tanto, guattari expõem a concepção que vêm construindo e com a qual milita desde os anos sessenta: uma subjetividade molecular;
percebe-se isso tanto no trecho em que define a subjetividade como no momento em que pauta as diferenças em relação à bateson;
na sua definição de subjetividade destaca a importância da dimensão inconsciente, visto que a noção de inconsciente a partir de freud será responsável por uma revolução fundamental na imagem do sujeito e, portanto, na concepção de subjetividade sustentada na tradição do pensamento ocidental;
no entanto, isso não significa qualquer unanimidade em relação ao conceito, visto que sua concepção de inconsciente renderá obras fundamentais como anti-édipo e mil platôs, assim como revolução molecular ou três ecologias;
sua concepção de subjetividade está estreitamente associada com o uso que fará do conceito de inconsciente;
se a subjetividade deixa de ser encarada como substância ou objeto fechado para se tornar uma multiplicidade que resulta de práticas ou processos de subjetivação, o inconsciente também deixa seu caráter de dimensão interior para ser encarado em sua dinâmica criativa, em seu trabalho na constituição dessas subjetividades;
em lugar de uma idéia de sujeito na qual nos espelhamos e que serve mais para nosso enquadramento na ordem social, um sujeito determinado pela racionalidade sustentada na tradição de conhecimento;
um conhecimento científico universal a afirmar um sujeito igualmente universal;
e a imagem projetada por esse superego cientista ainda persiste na determinação da imagem da subjetividade;

em relação a bateson, guattari se diferencia com sua noção de agenciamento de enunciação, definindo ainda melhor o que pretende com seu conceito de subjetividade, ao mesmo tempo que desdobra os usos de sua concepção de ecologia social-mental;
agenciamento de enunciação não se confunde com comunicação;
para guattari ação e enunciação não se dão como esferas às quais as subjetividades seriam externas, ele não considera subjetividades que não se dêem ou que preexistam aos [ou mesmo aquém dos] agenciamentos de enunciação e os agenciamento processuais, pois as subjetividades se constituem enquanto ação e enunciação e não apenas 'se manifestam' ou contextualizam tais subjetividades;
se para bateson ação e enunciação compõem o contexto, para guattari esses contextos se desdobram em territórios existenciais que se confundem às subjetividades;
portanto, não se pode aqui pensar numa distinção entre o que é utilizado por bateson como contexto e as construções subjetivas dos agenciamentos, pois esses agenciamentos liberam ou traçam linhas que vão das subjetividades ao contexto, tornando-os indissociáveis, linhas essas que criam uma continuidade entre essas dimensões;
nisso consiste um caráter definitivo das ecologias, da aliança radical da subjetividades e dos territórios existenciais com seus suportes contextuais, do caráter dinâmico da subjetividade que renuncia definitivamente à psicologia do padre ao acionar a subjetividade a partir dos esquemas da estética, livrando-a da sua imagem passiva que possibilita sua captura nos esquemas religiosos;
para guattari, os agenciamentos de enunciação consistem na própria via à subjetivação, não se confundem com a comunicação ou o esquema de ação que pressupõem um sujeito e uma consciência, não pressupõem uma consciência, um sujeito ou muito menos um contexto predeterminados;


um dos problemas-chave de análise que a ecologia social e a ecologia mental deveriam encarar é a introjeção do poder repressivo por parte dos oprimidos;

guattari


volubilidade e resistência em relação à nossa tolerância à liberdade e ao exercício do poder proporcionado em nossas práticas;
à medida que o meu medo de ser ameaçado e devorado, de precisar me transformar, abrir mão de minha zona de conforto, faz-me voltar atrás: aí coloco à prova meu grau de suportância à liberdade e à transformação pelo exercício da liberdade;
a medida que me deixo desistir e volto atrás, criticando ainda as práticas libertárias, demonstro a minha volubilidade e meu fraco poder de resistência, isso num campo em que estou avisado e bem avisado de antemão que não deixa lugar para a distribuição do poder e o exercício da liberdade que não sejam concedidos com os fins de captura do estado neoliberal;


imperceptíveis

aportar na realidade
a vaidade do ideal
dissipar-se na longa duração
até perceber
a olhos nus
um crepúsculo
uma mudança de estação
um secar de folhas
um formar de nuvens
um crico de bichos
o movimento da lua
a tensão do solstício
o sotaque de cada um
o olhar de cada um
a dor de cada um
até perceber
a presença da morte
sua estarrecedora
presença
na vida

10 julho 2008



da profundidade tridimensional do palco do teatro metafísico o sujeito se projeta na superficialitude da bidimensão ou nas mais diversas dimensões dos jogos e desdobramentos enunciativos;
a enuncialidade redefine a topologia da subjetividade, trocando o corpo das almas monolíticas pelos fluxos pós-subjetivos ou pós-humanos explorados pela literatura como dos campos férteis na elaboração de uma imaginação não-positiva da subjetividade;
isso sabendo-se que não se trata da polarização entre arte e ciência com que a positividade busca estender sua pretensa onipresença;
não se trata de uma arte, de uma arte imaginada na chave da linguagem representativista do positivismo, mas de agenciamentos de enunciação em incessante recursividade;
trata-se portanto de experimentar os desdobramentos políticos do construtivismo em oposição ao projeto de medicalização e normalização da subjetividade que serve ao controle social da sociedade moderna emergente;
essa imagem da subjetividade produzida pela normalização no sentido de uma subjetividade idealizada é que abrirá o campo para o controle do mercado de subjetividades;

tanto sujeito quanto objeto se constituem como efeitos de discurso, são manejados politicamente como construções discursivas;
a noção de verdade corresponde à profundidade da essência pretendida na definição tradicional do sujeito;
no entanto, a desmontagem da noção de verdade não se assenta na história, esta uma das mais transcendentais dentre as construções discursivas;
reconstituir uma história que não ultrapassa a superfície discursiva, que não confunde os jogos enunciativos que configuram a paisagem epistêmica, consiste aqui na alternativa à própria história;
o que dá sentido é o campo discursivo em que se articulam os enunciados e não qualquer contexto externo aos jogos de linguagem;
a própria realidade externa aos enunciados consiste numa construção discursiva;
o autor do texto científico que trata com desdém o personagem e seus jogos enunciativos se vê tornar em personagem ao ver ruir as fronteiras que separam narrador e personagem, em que o autor passa a ser apropriado como construção de linguagem [que definem realidades] assim como a história e a ciência;
a partir daí os desdobramentos enunciativos e seus dispositivos passam a ocupar um campo de estudo de importância estratégica para formas de imaginar subjetividades;
essas formas de imaginar subjetividades outras, subjetividades que venham a se contrapor a esse projeto moderno de homogeneização e normalização da subjetividade passa a ser um objetivo das vias do conhecimento que conseguem escapar e propor imagens não-positivistas do conhecimento;
a antropologia se destaca nesse deslocamento da abordagem da subjetividade por fornecer preciosos agenciamentos enunciativos que não se confundam com a arte ou a comunicação;
por mais singularizante que seja a arte o espírito moderno a encurralou e transformou em mercadoria ao identifica-la a sua forma e a seus contextos;
por mais política que seja a prática de comunicação, o capitalismo moderno a apropria com as palavras de ordem e os consensos que configuram seu horizonte;

não cabe, portanto, definir as novas forma da subjetividade como quer o velho espírito modernizante da novidade;
cumpre desenhar as máquinas de guerra que possam proliferar essas subjetividades outras, atentando para os aparelhos de captura e estudando seu funcionamento;
os agenciamentos de enunciação são os dispositivos para a constituição dessas subjetividades ou desses processos de subjetivação;
em que esses agenciamentos não se confundem com a arte, a comunicação ou outros meios de expressão: por que eles não são meios de expressão, por que eles escapam à redução representativista da linguagem para trabalhar com uma concepção construcionista e intervencionista;
trata-se de deslocar a atenção da representação para as práticas subjetivas;
as práticas se justificam por constituir subjetividades mais que por sua veiculação de valores que ressoam no senso comum;
a educação passa assim a se perceber funcionando como formadora de subjetividades, mas funcionando como aparelho de captura para o controle social do estado ou o controle do mercado pelos investidores;
o teor moral que está no cerne religioso ou dogmático do discurso educacional e que portanto se articula com a nossa imagem do conhecimento visa o velho sujeito sujeitado à normalização;
o mesmo teor dogmático é utilizado para justificar a pan-mercantilização da subjetividade na educação profissional;
o problema da educação profissional consiste em seu caráter conservador que visa submeter a apropriação do conhecimento e a constituição de subjetividades ao mercado e não na utilização da razão como exercício da liberdade ou da autonomia;
o cúmulo são os cursos de gestão que possuem uma dimensão política e subjetiva fundamental, mas são apropriados para reforçar os valores capitalistas, suas formas de relacionamento e suas subjetividades;
os cursos de gestão pressupõem como palavras de ordem as relações de mercado e sua reprodução nas subjetividades;
isso é colocado na velha chave da sujeição a realidades pré-definidas que marca o conhecimento ocidental;
e o que significará trabalhar numa chave que inverta essa relação de sujeição ao poder do mercado, de trabalhar na chave da resistência através do estudo e da análise dos dispositivos de sujeição, o que nos fornecerá um horizonte de ação para a construção de máquinas de guerra para a constituição de subjetividades outras que não aquelas do modelo determinado pelo mercado e suas tendências de consumo;

o construcionismo consiste na chave epistêmica para combater o dispositivo que coordena esse poder de sujeição do mercado e seu modelo administrativo voltado à perpetuação desse mercado através dessa concepção de uma realidade pré-definida;
chamamos de construcionista uma forma de abordar o conhecimento que tem origem na epistemologia do século vinte, na abordagem dada pelo estruturalismo à linguagem e seu impacto sobre as imagens do sujeito e do objeto imaginados na tradição positivista que caracteriza a ciência chamada moderna;


resisto e testemunho
o que vivo
o que vejo
com a vida
há palavras que se querem
mais ou menos sinceras
enquanto o tempo
é marca indelével
como a folha ou o vento


proporcionar relações não fascistas, intermediadas pela horizontalidade, pela relação generosa com os processos que envolvem decisão e poder, uma relação de participatividade generalizada;
a postura aqui não deve ser a da solução de problemas, postura do burocrata, do homem de estado;
a postura aqui não é nem a do professor, que trabalha com um tempo mais amplo, mas ainda assim tem como fim e objetivo a aprendizagem do estudante;
minha postura é a do humanista que e interessa pelos problemas do homem, por tudo o que diz respeito ao homem;
o humanista como um anti-moralista, ao qual não interessa o que as pessoas devem, deveriam ou deverão ser, mas se interessa por aquilo que elas são e fazem, buscando o que há de revolucionário e reacionário em suas prática espontâneas;
lidar com o poder desdobra mais sintomas que intencionalidades;
livremo-nos da obsessão por intenções;

enfim esse anti-moralismo nos leva a um anti-objetivismo que tem muito daquilo que conhecemo como zen;
dessa forma esse trabalho com a disseminação do poder se assemelha não a estratégias de captura mais sofisticadas, tal qual a da esquerda neoliberal que nos ensina performances de hipocrisia que fariam maquiavel se revoltar;
esse trabalho com a distribuição de poder, de vozes, de agenciamentos de enunciação, de veículos públicos de manifestação converge para uma postura lúdica que encara essa prática como um exercício sem fim a curto prazo, sem mesmo um fim que não seja o do fluxo da distribuição de poder, de agenciamentos processuais;
seja o lugar em que nos propomos a uma tal distribuição na sala de aula, na administração pública etc preparemos-nos para ver o poder manifesto, o poder liberado, práticas outras de exercício do poder;
seja onde nos propusermos a horizontalizar instâncias decisoras em lugar de centraliza-las, envolver outros agentes nas tomadas de decisão não devemos esperar uma postura agradecida, a qual só vem a reforçar nossa posição e denunciar que ainda somos nós que estamos na condução;
essa concepção fantasiosa do poder serve antes para proteger nossos olhos ofuscados diante do poder, diante de um poder abstrato e invisível que se torna visível nas práticas desses agentes, em suas disputas mesquinhas, em sua luta pelo poder pelo poder;
o que esperamos muitas vezes é que as pessoas possam se submeter por sua própria conta, legitimando o exercício opressivo do poder do agente de estado;esperamos que a máquina funcione direitinho, a servidão voluntária do contrato social funcionando em um órgão de opressão oficial: eis o mundo idealizado pelos sociólogos;
dessa forma, a luta de todos contra todos justifica a conduta do opressor de estado que tira da mão das crianças o brinquedo que ele lhes havia concedido;
justifica que eles não estão preparados para a participação ou o tipo de participação que ele idealizava para elas;
a distribuição do poder não foi uma boa solução para justificar seu exercício hierárquico e opressor de poder;
para ele, o exercício do poder não pode ser um processo de subjetivação, algo como uma estética da existência;
sua exigência de ordem não permite essa experimentação com o poder, ele se identifica ao poder e essa não é a imagem que ele quer de si;


não mais
passageiro
sem rumo
das palavras
desinteressei-me pelo ponto morto dos sentidos
reparar nos falares
afastou-me dos maus hábitos da
atenção
fiz da distração uma brincadeira

a língua de cada um
o próprio universo

04 julho 2008



a trama de conflitos e a rede de interesses nos possibilita enxergar melhor a função das palavras de ordem que falam de todo e nenhum lugar em nome de uma civilização da compaixão e do bem, da salvação e da verdade;
assessoramos os povos indígenas na construção de dispositivos híbridos que dêem conta de suas demandas de formação escolare técnica visando o respeito às tradições desses povos e uma convivência saudável e autônoma de resistência à sociedade capitalista;
trabalhamos com o direito à cultura indígena em contexto de educação escolar nas terras indígenas do acre e do juruá e lidando com as supostas forças que colocam em risco, das mais diversas maneiras, essas culturas procuramos uma postura neutra de estado que não se arrisque enfrentando problemas polêmicos ou arriscados;
inda mais em tempos de eleição...
enquanto isso nas mais diversas aldeias indígenas pelo brasil adentro, quem mais faz vítimas são os primeiros marketeiros da civilização, os missionários;

com sua velha retórica de palavras de ordem e moralidade universal, velhas e conhecidas facções evangélicas investem numa campanha articulada, autopromovendo-se porta-vozes de um problema da civilização brasileira;

que o diálogo seja aberto e que se coloque a nu e na lei o modo de ação desses supostos porta-vozes das crianças indígenas que foram por tantos séculos seu público-alvo de evangelização e civilização;
temos notícias de que nossos interlocutores em educação: lideranças, professores, coordenadores, agentes de saúde, agentes agroflorestais etc fazendo seu árduo trabalho de revitalização de seus povos nas mais diversas frentes: cultural, de conhecimentos, econômica, medicinal, mística etc como exercício de seu direito e dever constitucional ainda tem tido que conviver atônitos com as investidas estranhas desses intolerantes;
sua reação é de surpresa e confusão, haja vista conhecerem os direitos e deveres legais para com a manutenção de seu patrimônio cultural outorgados e trabalhados na forma de políticas públicas pelos próprios órgãos do estado: educação, saúde, produção, gestão ambiental;

como se não bastasse os esforços que esses ativistas culturais precisam fazer para chamar a atenção de seus povos para os preços ou conseqüências dos assédios da civilização capitalista, ainda tem que conviver com as mais diversas experiências de intolerância que tais missionários se pretendem no direito de fazer;

a sociedade brasileira que sabe do modo de ação dos missionários estrangeiros e brasileiros, numa atitude típica de país marcado pela ditadura militar, omite-se ao fazer um silêncio de apoio a essas atitudes que remontam aos tempos coloniais;

assim, a forma de atuação desses missionários e os juízos por eles emitidos em nome de suas instituições além de ferir os direitos constitucionais desses povos provoca conflitos cada vez maiores nas comunidades, visto que desde o fim da ditadura, com a nova constituição, as políticas públicas que atuam em parceria com os movimentos indígenas (de cada ti e por vezes de cada aldeia) possuem como uma de suas principais demandas a revitalização do patrimônio cultural entendido como práticas místicas que envolvem: nomeação de crianças, plantio, rituais fúnebres e grande numero de celebrações;

investindo seus missionários nativos do mesmo poder de intolerância que se auto-imputam, tais líderes ou pastores transferem as responsabilidades dos conflitos locais de intolerância religiosa aos próprios nativos, enquanto ganham campo de ação para exercerem sua caridade;

enfim, esses são alguns dos problemas com que temos convivido em nosso cotidiano de assessor em educação escolar indígena do estado do acre em cruzeiro do sul atuando aqui no juruá;


a antropologia conquistou um espaço a ser expandido: o estado não define quem é ou não é indígena;
esse espaço de ação e de intervenção política até o eduardo respeita, pelo menos até segunda ordem...
a questão é que baseado na força política desse quesito, qual seja, o dos próprios povos indígenas, definição etno-cultural [ou extrativistas, definição econômico-cultural];
essa concepção de definição étnica ou das fronteiras étnicas, que remete à barth, fez escola no brasil;
ela tem servido hoje como suporte teórico para trabalhos como os reconhecimentos de grupos em processo de ressurgimento étnico ou revitalização étnica;
esse referencial teórico também tem servido a trabalhos com grupos e movimentos sociais os mais diversos em trabalhos de garantia de direitos sobre territórios;
é o caso do projeto nova cartografia social, coordenado pelo antropólogo alfredo wagner;
o princípio é o de dar visibilidade, dar voz, criar um espaço ou agenciamentos de enunciação [que podem se desdobrar em agenciamentos processuais] para a expressão e a afirmação desse auto-reconhecimento;
esse auto-reconhecimento não se limita [apesar de se justificar e apoiar sobre esse ponto] a reafirmar os direitos constitucionais e infra-constitucionais dessas populações;
esse procedimento, esse agenciamento de enunciação antropológico visa definir fronteiras no interior de uma homogeneidade da qual o capitalismo se aproveita;
a homogeneidade que configurou o projeto de nação já trazia em seu germe os princípios do liberalismo, tais como o indivíduo-cidadão, a propriedade privada e seus direitos entre outros que geralmente se desdobram desses;
no entanto, é com o neoliberalismo, que os projeto do estado se fundem, ou melhor, se diluem [ou melhor ainda, assumem essa velha identidade] numa política voltada exclusivamente para a troca de privilégios com o mercado;
assim, as lutas de classe e metamorfoseiam na mobilização das minorias [ou diferenças, para forjar uma expressão diferente], de movimentos sociais, de grupos étnicos;
em lugar da questão da exploração capitalista e das relações de classe, que ficou fora de moda ou inviável teoricamente no campo do inimigo [globalização ou capitalismo mundial], assume a subjetividade travestida de etnia, cultura, conhecimentos tradicionais;
não se trata simplesmente de um vocabulário jurídico;
como tudo que diz respeito ao jurídico, trata-se da constituição de mercados, de velhos-novos mercados;
colocado nesses termos o problema se aprofunda ou fica mais delicado;
já era tempo, pois já debutou e alcançou a maioridade a crítica à apropriação dos movimentos sociais;
apropriação por partes tão diversas como a esquerda partidária, o ambientalismo não governamental, intimamente ligado ao ambientalismo de estado, todo o mercado do direito ambiental, que se desdobra no mercado dos direitos sobre os conhecimentos tradicionais, entre outros que instituem a hipocrisia de um neoliberalismo participativo;
não nos esqueçamos: afirmar direitos é afirmar o direito, pedir reconhecimento ao estado é reconhecer o estado e sua política;
essa é a lógica do 'quem não chora não mama', expressão que ouço com freqüência de meus interlocutores indígenas;
no entanto, essa lógica do assistencialismo é uma lógica do oportunismo, da vantagem imediata, do se dar bem em curto prazo;
parece, portanto, incompatível com um projeto de longo prazo que idealizo como possível alternativa ao assistencialismo e suas armadilhas;
voltando à questão, essa opção de mobilização guarda semelhança com processos anteriores que levaram a impasses e linhas de fuga conhecidos e desconhecidos;
impasses conhecidos são os que temos procurado identificar nos processos de desmobilização comunitária de reservas extrativista pelas práticas administrativas do estado que visam 'beneficiar e levar direitos';
práticas que caracterizam a gestão pública da população ao alcance de uma prefeitura como a de marechal taumaturgo [e do estado de forma geral];
faz-se sentir nessas práticas os impactos sobre a dinâmica comunitária dos 'direitos concedidos' pelo estado visando a 'melhoria da qualidade de vida' dessas populações;
são os programas de educação e saúde do estado, programas de assistência social, os benefícios, incentivo agropecuário e assistência técnica, a concorrência por cargos e remunerações, enfim, um conjunto de procedimentos políticos que articula a velha política assistencialista da colônia com a lógica neoliberal o capitalismo generalizado, colocando os processos subjetivantes a girar em função dos valores urbanos da administração pública e desse capitalismo;



quais possíveis saídas para operar no sentido de uma mínima autonomização que não seja legitimar ou reafirmar o poder de estado, o poder do jurídico;
como escapar a essas instâncias afirmando poderes que lhes escapem, construindo, montando, equipando máquinas de guerra;
a problematização se dá num limite difícil de superar: em que medida afirmar um direito diferenciado não é também propor novas apropriações, novos aparelhos de estado, formas da estrutura jurídica aprofundar seus tentáculos, ramificar-se na estrutura de poder indígena, a qual ela tem sistematicamente sedentarizado com a disseminação de sua lógica, de seus valores;


não se trata de preciosismo intelectual;
os limites políticos do relativismo, limites de sua possibilidade de construção de conhecimento são evidentes numa área dominada pelo conservadorismo político e científico como é a medicina ou a saúde;
essa área só raramente vem à tona como um problema político, como um debate referente à questão de paradigmas de conhecimento;

nosso relativismo cultural permite aos índios uma educação diferenciada, mas não uma saúde diferenciada;
é interessante que a educação seja uma área que a esquerda penetrou e a saúde continua na mão da direita;

não se trata apenas de dividir instâncias decisoras, de ser politicamente correto dividindo o cargos com os indígenas;
essa inclusive é uma estratégia que a saúde definiu para se tornar mais forte e para fortalecer seu modelo e sua concepção de saúde: dividir o poder para conserva-lo, para manter a natureza desse conhecimento;
trata-se de se concentrar sobre o ponto de articulação entre saber e política;

constata-se aí o limite do relativismo que nos possibilita conceber uma política de educação indígena, desde que ela não pretenda ser séria e não queira propor políticas em áreas científicas como a saúde;
o procedimento de mobilização em torno dessa questão deve evidenciar tais pontos de articulação;
essa questão levada para a escola e transformada em tribuna de debate sobre o reconhecimento dos trabalhos de parteiras e pajés;
daí para um debate sobre as concepções de saúde e doença, de corpo e alma, concepções que devem encaminhar novamente a questão ao modelo de sociedade e ao regime econômico capitalista;

a medicina não serve apenas para promover a saúde;
a medicina consiste numa prática de controle social do estado;


o problema da hermenêutica seria um ponto de partida interessante;
isso devido a esse problema estar no cerne do conhecimento mágico e religioso;
essa articulação entre linguagem e conhecimento e sua relação com a tradição religiosa cristã consiste num problema central do pensamento nietzscheano;

no livro central do pensamento foucaultiano, as palavras e as coisas, trata-se ou define-se uma idade clássica da representação, em que o pensamento ocidental assume ou define sua concepção de linguagem;
esse texto pautará todos os principais conceitos da obra do autor, tais como sua noção de epistéme, de disciplina, normalização, verdade, interpretação, enunciado, discurso entre outros até suas obras finais sobre o problema da subjetivação;
trata-se do caráter vicário do signo que consiste numa herança do pensamento cristão da idade média ao pensamento laico da era moderna;
a linguagem tomada numa relação de representação da realidade, do mundo;
a idéia de que o mundo organizaria a linguagem atribuindo-lhe sentido;
essa concepção de linguagem define o caráter explicativo de nossa ciência, o qua exclui completamente de sua dinâmica noções como criatividade ou imaginação;

essa ciência descritivista e explicativa formulou uma imagem do mundo e uma idéia de verdade que propõe neutros e universais;

em antropologia este consiste num problema capital;
até por que, devido ao fato da antropologia se constituir como disciplina da ciência régia colônia antes de ser apropriada como conhecimento que se pretende libertário e crítico de suas origens e pressupostos, a antropologia reconhece a partir de determinado o corpo estranho do positivismo;
como espaço privilegiado para o questionamento dos limites políticos o conhecimento, da natureza política de uma epistême universal como proclamou [e ainda hoje proclama] o iluminismo;
como espaço privilegiado do debate epistemológico, a antropologia foi um dos campos que forneceu um dos melhores observatórios para a reformulação da imagem do conhecimento, da linguagem e da subjetividade do próprio homem ocidental;
ela possibilitou ao homem ocidental que ele se libertasse de si mesmo, de sua presença ostensiva;
isso por que na antropologia essa concepção positivista do conhecimento conheceu seu limite, a alteridade;
por isso considerarmos a genealogia da moral como o primeiro livro de antropologia, não para demarcar as fronteiras da disciplina da ciência régia, mas para marcar a antropologia como anti-disciplina, como forma de questionar a possibilidade de uma coexistência de antropologia e positivismo, associando assim a antropologia não a um tema [como acredita com convicção obsessiva o senso comum e seus afins] mas a um procedimento do pensamento, com uma concepção de linguagem e uma concepção de conhecimento que não compartilha de uma tradição do pensamento ocidental, especialmente um pensamento de estado, um pensamento oficial;

por aí, o problema não seria exatamente o da prática da etnografia, mas dos pressupostos sustentados por ela;
a concepção de linguagem descritivista vai numa direção oposta à concepção estética dessa antropologia que passa a considerar a forma como estruturante em relação ao conteúdo, que passa a ver na relação entre forma e conteúdo mais do que a simplicidade representacional e descritivista;

se, de um lado, o que se tem é essa concepção de uma linguagem passiva diante de um mundo determinado e uma função explicativa do conhecimento objetivista, de outro, afirma-se um construcionismo que vai assumir o caráter político do conhecimento e a gênese dinâmica da verdade, ou seja, uma concepção de linguagem como instrumento de construção de um mundo de possibilidades;
em lugar da história, o que se tem é o devir;
diante dessa antropologia, não há como o método histórico não evidenciar seu caráter evolutivo e etnocêntrico, determinista e parcial;



esse problema da generalização da linguagem informativa e comunicativa na educação consiste num dos problemas interessantes para se pensar a libertação do conhecimento como um projeto fundamental na reformulação do valores que devem pautar as relações humanas às margens do capitalismo, onde pretendemos cultiva-las;
essas outras relações humanas dependem dessas outras relações com o conhecimento;
respeitar a alteridade consiste em respeitar o conhecimento outro, algo inconcebível ao homem ocidental, de formação judaico-cristã;
nossa idéia de repeito é garantir a educação e o conhecimento a todo os povos;
mas à nossa forma, não a partir da apropriação que esses povos venham a fazer do nosso conhecimento;
portanto, universalizamos esse conhecimento, desde que ele seja para a reprodução da ocidentalidade;

é essa concepção do conhecimento como informação, como acesso a conteúdos, a concepção que está impregnada em nossa pobre concepção bancária de conhecimento como mercadoria a circular num meio em que o mais sábios são aqueles que colecionam, ou seja, que podem comprar e acumular mais informação;
se conhecimento como processo, transformação e devir não equivale à essa sua concepção teórica e abstrata, tampouco equivalerá à concepção utilitarista do saber técnico das competências de mercado;

a concepção informativa ou comunicativa da linguagem estagna o mundo com seus pressupostos;
em lugar da passividade de uma aprendizagem do consumo de informações, propõe-se um pensar que problematiza os próprios pressuposto do pensamento ocidental, pressupostos mais claros aos povos indígenas que a nós próprios, por consistirem em nossa alteridade;
em lugar de tomar como ponto de partida um mundo pré-definido a ser conhecido, toma-se como ponto de partida a problematização dessa pré-definição, o que nos libera para práticas e intervenções sobre mundos possíveis;
elaborar práticas comunicacionais e gestão comunicacional não significa fazer uso de palavras de ordem;
além do alvo ser outro: em lugar de afirmar outras supostas verdades, o que se quer é desconstruir o consensos articulados, não se trata de operar o mesmo uso da linguagem, fazendo uso das mesmas palavras de ordem, trata-se de proliferar agenciamentos de enunciação;
agenciamentos de enunciação valem menos por seu caráter comunicacional que por sua dinâmica criativa, por seus desdobramentos estéticos, pela apropriação poética da linguagem;
valem pelos mundos possíveis que apontam, não por sua força de [convencimento] convergência a um universo pressuposto;

por isso, ao trabalhar com os media como web e áudio-visuais, não se trata de convergir em informação sobre o mundo consensual das [consensuado pelas] mass-media, as mídias de massa, trata-se de operar com os agenciamentos de enunciação, com o caráter criativo dessas linguagens, e não com a reafirmação ou reprodução da relação de poder a que se quer contrapor;


no princípio as mercadorias eram mercadorias;
a troca privilegiava o valor de uso;
o capitalismo mercantilizou as coisas, os processos, as relações;
tornou a mercantilização onipotente e onipresente;

há o dinheiro e o valor;
quando passaram a circular no comércio e serem trocadas por dinheiro, quando se projetaram em valores de troca, as mercadorias expandiram por outros territórios;
a exacerbação do valor de troca proporcionada pelo comércio proporcionou o fetiche da mercadoria;
a mercadoria passou então a caracterizar outros objetos, outros processos, outras relações;
o trabalho tornado mercadoria consiste num marco do capitalismo industrial;
a mais valia é categoria fundamental da economia capitalista;
o marco aqui consiste no homem passar a fazer parte da mercadoria, de seu valor de troca;
a medida que as máquinas tomam o lugar do homem, o capitalismo investe mais no processo de mercantilizar o homem, de subjetivar o homem em mercadoria;

esse processo de onipotência da mercadoria, de qualquer coisa pode ser remetida a um circuito de valores de troca, é problematizado durante o século vinte a partir da arte;
a arte consiste no processo de singularização por excelência, enquanto a mercantilização precisa remeter toda singularidade a um circuito que generalize o valor de qualquer coisa, que transforme qualquer coisa em dinheiro, em valor de troca;
enquanto a arte propõe um uso poético da linguagem, ou seja, a singularização a partir do emprego desterritorializador do significante, que subverte a convenção do contrato sociolingüístico, a mercantilização precisa de um sistema convencionado que generalize o sentido de qualquer coisa que for jogada no circuito;
a mercantilização pressupõe valores consensuais que visam a conservação do sistema de significação e recompõe sempre de forma conservadora qualquer ruptura com esse sistema de convenções;
por isso ele nunca se volta para si, ele se caracteriza por dar a perceber sem ser percebido, visto que essa dobra sobre seu próprio corpo [que ainda denominamos genealogia] denuncia suas convenções e seu caráter convencionado e consensual que sustenta valores determinados naturalizando-os;
em termo de mercados subjetivos, vimos o capitalismo se apropriar ao longo do século passado dos mais diversos movimentos de resistência subjetiva, começando pelo próprio proletariado que se por um lado se aburguesou, por outro radicalizou a marginalização dos despropriados numa queda nunca vista do valor da vida nas bolsas de valores do capitalismo mundializado;
muitos desses movimentos foram depois apropriados e recriados pela própria indústria das subjetividades;
suprimiu-se qualquer diversidade que ameaçasse as subjetividades capitalísticas em sua homogeneidade, tirando-as dos circuitos de sentido e marginalizando-as como possibilidades bizarras ou condenadas à extinção como no caso dos povos indígenas, e, de forma articulada com esse processo de marginalização, conheceu-se um processo inédito de apropriação e mercantilização de diferenças por meio do exotismo, do mercado do exótico que passa a colorir a vida monótona do homem ocidental;
esse exotismo se caracteriza por sua dose, por sua medida certa, para que o exotismo nunca se torne singularização e menos ainda processo de singularização, mas pelo contrário, para que se possa continuar colonizando a diferença, reduzindo-a ao mesmo;

consciência e subjetividade deixam sua [antiga] simplicidade quando se abandona a imagem do sujeito consumado, forjado pela máquina metafísica de produção de essencialidades;
quando os processos do devir podem tomar o lugar dessa auto-imagem de uma subjetividade organizada em organismo;
eis o ponto;
ponto em que a arte encontra o seu limite;
em que o trágico pontua o limite;

03 julho 2008



tudo nos observa, resta estancar essa profusão de vozes antes que enlouqueçamos...
que a televisão nos observa não resta dúvida;
ela foi inclusive criada para isso;
isso já virou artigo de ficção científica;
quando ela mesma parodiou [e banalizou] inúmeras vezes esse seu projeto;
a questão então é o como, 'como isso se dá';

ser observado consiste numa matriz perceptiva há muito explorada pela narrativa tradicional;
o xamanismo tem como princípio um certo perspectivismo;
foucault se inspira nessa matriz para tomar o panopticon como símbolo da política do moderno estado liberal;
daí saem conceitos[-processos] como disciplinarização [que se desdobra em ciência régia], normalidade, enunciado, discurso;
esses conceitos se desdobram de sua análise da matriz representacionista;
essa matriz perceptiva que organiza o conhecimento ocidental ganha definição na idade média;
a dinâmica política que ela aciona/formata será a herança que o proto-estado católico legará ao liberalismo do moderno estado dito laico;
trata-se de determinar uma relação entre palavra e objeto, discurso e mundo, homem e natureza;
sobre o poder vicário do signo, santo agostinho (de doctrina christiana, in le magistère chrétien):
toda ciência trata das coisas ou dos signos, mas as coisas se aprendem pelos signos (...) estas, com efeito, são coisas tais que são também signos das outras coisas (...) compreende-se então aquilo que chamo de signos: são as coisas que se empregam para significar algo...
um signo é, com efeito, uma coisa que, além da impressão que produz nos sentidos, faz vir, por si mesma, uma outra coisa ao pensamento...
(apud: kaspar hauser, blikstein)

o positivismo evolucionista consiste na face dessa tradição no contexto do liberalismo moderno;


não se trata de buscar informações;
por isso estão descartadas as etnografias que buscam informar, ou seja, vender, colocar informações no mercado, promover generalizações, enunciados generalizadores;
trata-se de entrar num corpo a corpo, de fazer rizoma em corpos-sem-órgãos;
por isso não dá para pactuar com o positivismo e a mercantilização informacional;
não dá para querer ser simples, pois o ponto de partida é genealógico, consiste em romper com o plano de transcendência que dá a ilusão de dar sentido a todo enunciado, enquanto o que faz é estabelecer pressupostos valorativos que assumimos sem perceber, como se fossem parte do próprio pensamento, matéria ou estrutura do pensamento, enquanto são corpos estranhos;
fazer rizoma consiste em operar a sutura do pensar-fazer;
por isso não dá para partir do consenso ou pretender informar ou convencer;
trata-se antes de desmistificar, de se reconhecer [e desconstruir] como processo discursivo, de genealogizar nossos pressupostos subjetivos;

relacionar essa estrutura, essa dinâmica, essa matriz perceptiva com a produção de subjetividades de um lado, e os processos de subjetivação de outro;
o uso informacional da linguagem consiste em toma-la por sua literalidade, numa imagem da linguagem pautada em seu uso direto, discurso direto;
essa concepção, essa imagem da linguagem sustenta uma matriz perceptiva na qual somos observados sem observar, somos percebidos sem perceber;
reproduzimos uma imagem do conhecimento forjado nessa matriz perceptiva;
por isso, a genealogia propõe o procedimento de desconstruir pressupostos para se poder elaborar conhecimento e proceder subjetivação;
só esse procedimento impede os desdobramentos daquele conhecimento que nos leva a confundir uma imagem de nós mesmos, concebendo a subjetividade como fato consumado, com uma imagem igualmente definitivamente do mundo domado em enunciados;
a partir daí já nos deixamos perceber e passamos a reproduzir esse modelo opressivo de percepção sem perceber;
sem ter liberdade [e em lugar de lutar por nossa liberdade] nos tornamos [e nos convencemos disso] a supressores da liberdade alheia;
esse é o uso que se pode fazer da noção de 'servidão voluntária', uso que nos possibilita questionar e mostrar os limites de uma concepção fechada de consciência e subjetividade;
problematizar a noção de vontade, que o liberalismo, fundado no indivíduo/consumidor, toma como princípio universal final;
a subjetividade e a subjetivação não se restringem aos limite da consciência e do sujeito;
outras percepções concebem mundos possíveis, fundamentais para nortear nosso universo auto-referenciado;

enquanto o xamanismo desdobra a nossa percepção através de outras percepções, utilizando-se para isso de outras perspectivas, de outras corporalidades, o que se tem aqui é um outro procedimento;
não se trata então de proliferar perspectivas, de proporcionar mundos possíveis, mas de suprimir a diversidade de possíveis, reduzi-la ao determinado, à monocultura;


o que dá sentido à hermenêutica não é a linguagem comunicacional, geralmente concentrada sobre o uso literal da expressão;
esse uso da linguagem conforma a realidade da grande maioria;
trata-se do uso da linguagem nos mantém presos à primeira atenção, permitindo poucos desdobramentos no plano simbólico e nos jogos do regime de enunciação;
portanto, não se trata de produzir textos a partir do real, como preconiza a síntese aristotélica da verossimilhança ou da mimesis;
o que dá sentido à hermenêutica tampouco será a composição de textos a partir de textos, a intertextualidade, como se fez crer nos contextos sacerdotais;
assim que o sentido da hermenêutica, ou seja, seu limite, poderá ser a construção de realidades a partir de certos usos da linguagem;
a discursividade se constitui num instrumental voltado à decomposição desse uso da linguagem;
no entanto, a disputa pelo conceito tem levado a inúmeros equívocos;

daí, portanto os perigos da educação e do agenciamentos de enunciação na articulação de novas realidades e na desmontagem das velhas;
pensar também nos perigos de buscar dar a consciente a idéias que incidem direto na realidade, tirar todas as conseqüências dos exercícios de conscientização de processos criativos;
por isso, mesmo a comunicação não deve servir para informar, mas para desdobrar agenciamentos de enunciação, articular agenciamentos processuais;


não há mistérios em descobrir
o que você tem e o que você gosta
não há mistérios em descobrir
o que é e o que você faz...
nação zumbi

operar na chave comunicativa em educação é trabalhar/articular palavras de ordem;

levar ao limite o princípio paulo freire de politizar o conhecimento pela ação de conhecimento, pela produção social de conhecimento, pela desmistificação de uma imagem transcendental do conhecimento assentada em pressupostos;
esse limite equivale a desmistificar radicalmente a idéia de aquisição de conhecimento;
essa 'aquisição' equivale à linguagem comunicativa;
a aprendizagem não é aprendizagem de conteúdo, ou melhor, a função da aprendizagem de conteúdo visa ocupar com práticas conservadoras de controle o espaço de possíveis práticas políticas de construção de conhecimento libertário, práticas de subjetivação voltadas contra os processos de homogeneização das subjetividades capitalísticas;
portanto, a imagem do conhecimento por aquisição de conteúdos cumpre a função de reproduzir valores, subjetividades, pressupostos;
fazer da definição/identificação de projetos o primeiro ponto a ser definido na produção do conhecimento;
o ponto de partida da construção do conhecimento não é um plano abstrato e neutro de valores para o exercício de práticas virtuais e abstratas;
o seu ponto de partida consiste uma intervenção no projeto político do coletivo envolvido na construção do conhecimento;
a imagem do conhecimento sustentada pelas disciplinas baseia-se numa noção de conhecimento abstrato, neutro, que parte de um construto abstrato da realidade, do mundo [o qual ela mesma visa re-afirmar em círculo vicioso];



não que vá reafirmar o que eu já sei ou o que eu já sou, o que eu vou construir ou operar com o conhecimento é desconstrução, a desmistificação de verdades ou de uma imagem da verdade sustentada por pressupostos que assumo ou que me arrasta na corrente do senso comum;
por isso a imagem da aquisição de conteúdos, que deverão invariavelmente levar-me a me dar bem, que povoa nosso senso comum com subjetividades capitalísticas, cumpre função central nessa economia de conhecimentos oficial;
por isso trabalhar com procedimentos genealógicos de desconstrução de valores e pressupostos visando combater os cacoetes ou miragens do positivismo;
em lugar e projetar uma imagem abstrata do conhecimento universal como herança universal, singularizar o conhecimento como processo aplicado, em ação;
suprimir seu caráter comunicativo e centrar fogo em seu caráter de agenciamento processual;
não trabalhar com a imagem do estudante como depósito abstrato de competências abstratas e a priori, modelo que funciona na chave da formação técnica para o mercado de trabalho;
os motivadores de um projeto político comunitário não são, nem podem ser os mesmos do mercado capitalista;
por isso se faz necessário de partida desconstruir o discurso educacional/pedagógico justificado em bases científicas, o discurso competente da pedagogia oficializada que visa definir uma imagem do conhecimento a partir de uma educação voltada para o abastecimento do mercado de trabalho e a reprodução e auto-afirmação do mesmo capitalismo que forja esse próprio discurso;
as competências deixam a cena, deixam de consistir num fim em si mesmas [ou mesmo num meio visando o abastecimento desse mercado e reprodução de sistema de produção] para servir de meio no processo de construção do conhecimento, que tem a direção política determinada em planejamento coletivo, parte fundamental do processo de conhecimento: por que e para quê aprender;
assim, inverte-se a importância dos processos e a tirania do discurso pedagógico universalizado se vê submetida ao projeto político comunitário, o qual passa a constituir dimensão fundamental do processo de conhecimento como prática de subjetivação;
o macrocosmo que define a socialidade no capitalismo integrado mundialmente contrasta com a integralidade e a a possibilidade de autonomia de socius que se contrapõem ao mundo ocidental, contraposição essa menos por uma afirmação de diferença anti-capitalista e mais pelo próprio mito de criação da modernidade ocidental que se vê evoluída e, portanto, distinta dos selvagens ameríndios;
esse microcosmo não precisa se voltar também ele para o centro de convergência que é o mercado capitalista, iludido pelo mito de origem ocidental que constrange os outros povos a evoluir para alcançar suas conquistas sobre a natureza e os homens ou restar em sua desprezível selvageria;
esse microcosmo, de saída, consiste num ponto de vista extraordinário sobre a sociedade hegemônica, numa perspectiva privilegiada para uma desconstrução dos seus aparelhos de manutenção;
esse olhar de fora, da superfície ou da margem possibilita circunscrever a auto-referencialidade da sociedade ocidental, especialmente em sua economia discursiva, na produção e manutenção de valores e sentido;



o conhecimento pensado abstratamente, conhecimento pelo conhecimento, consiste numa ferramenta forjada no seio da etnocêntrica cultura hegemônica;
essa concepção de conhecimento que aciona pressupostos e embasa um senso comum, consensos valorativos inqüestionáveis, tomados as maiorias silenciosas como pontos-pacíficos e não-problemáticos;
eis outra face ou um uso diverso daquilo que se denomina palavra de ordem;
nesse processo, a noção de consciência ou de sujeito consciente operam estancando desde a primeira instância a imagem do sujeito, o que se faz em harmonia com a epistême que constrói essa mesma imagem ou que se reproduz nessa imagem;
não me vejo na função de colocar para supostos sujeitos uma opção predeterminada de diferença ou de igualdade, ainda mais se estas noções já vierem sustentadas nos pressupostos do senso comum, este meio tão propício à cultura das mais diversas espécies de preconceito;
acredito que os novo mercados das subjetividades que marcam fundo o capitalismo mundializado tem se apropriado da diferença para o processo de complexicização do sua matriz mass, isto é, de produção em massa que caracteriza a era industrial;
dessa forma, faz-se uma apropriação da diferença em função de valores homogeneizantes, o que é diverso de se afirmar a diferença nesse campo homogêneo de valores;
enfim, não nos interessa a igualdade garantida pela ordem capitalista, em que a igualdade se define pelo direito ao consumo, uma igualdade pelo consumo;
essa tem sido a bandeira da promoção social dos neoliberais governos pseudo-socialistas que operaram uma apropriação do discurso dos movimentos sociais para enfeitar seus comícios com os cadáveres dos resistentes mortos em combate, que transforma em mártires históricos esses símbolos contra a própria história [esse velho intensificador de poder], que coloca hoje no mercado a própria alma dos indígenas que ajudou a dizimar outrora;
consumi e o consumo vos igualará;
num contexto nada neutro, visamos afirmar a diferença como resistência, contrapondo-a à dinâmica hegemônica que tende à homogeneização;
não guardemos ojeriza em relação aos processos de diferenciação, não é bandeira nossa militar contra as práticas guerreiras que são contrapostas e dão sentido ao nosso contrato social, à violência de estado, com suas guerras justificadas pela defesa da democracia;


uma estética da provocação;
que renuncie à aprovação do sujeito, à conservação da linguagem comum, cotidiana e utilitária;
que não vise o afago do ego, mas a pedrada e as cusparadas dos grupo de linchadores;
a renúncia a objetividades que não sejam a de entalhar as vaidades da autoimagem;
saber que a agressão só tem a ver com minha proposta estética, ou seja, que não propõe qualquer jogo erótico sadomasô;
tomar a violência em seu caráter afirmativo, com fim em si mesma, e não na dinâmica ressentida da justiça final;
meu exercício não de não ser eu, de contradizer minha autopiedade já arraigada nas reações imediatas do instinto;
não suplicar perdão e, assim, saber-se marginal, afirmar-se empecilho;
renunciar a toda normalidade e manter-se fora dos padrões e dos direitos de todos os que se consideram normais;
manter-se na berlinda da anormalidade sem se deixar capturar pelos aparelhos repressores;
quando capturado pelos aparelhos repressores, tratar de não indignar-se a não ser com claros objetivos estratégicos;
desde que não se corra o risco de renegar ao processo para se volte atrás;
de toda a poesia de vanguarda, talvez o que haja de mais significativo em seu processo de mercantilização sejam as vaias;
até as vaias consentem, aprovam a provocação;
daí o minimalismo, o imperceptível, o que não é feito para ser visto, para comunicar;
aquilo que consiste em corpos-sem-órgãos, em tocar intensidades;

***

o que significa suprimir [exercitar a supressão] ou renunciar à função comunicativa da linguagem;
significa experimentar o outrem, fazer a experiência do de robson crusoé, a experiência de suspender a relacionalidade;
não se trata de usar a linguagem em seu caráter referencial, ou melhor, trata-se de exercitar a supressão do caráter referencial e comunicativo da linguagem, para experimentá-la como um campo de intensidades que se dobra sobre si, como um plano de imanência;
é esse o uso poético da linguagem, ou seja, fazer coisas com a linguagem e não significar coisas;


quando as fronteiras da subjetividade, fronteiras estas bem definidas por um discurso científico igualmente bem definido cientificamente [na economia, no mercado e na moeda da cientificidade, de uma psicocientificidade ou de uma ficticientificidade] são fruto de aberrações da normalidade, é então que a magia selvagem, anti-ciência [ou seja, fantasia] e anti-religião [isto é, heresia] por excelência, desenreda as práticas discursivas de normalização subjetiva;
quando se testa os limites [frágeis limites] da normalidade subjetiva é que os vemos desaparecer sob os contrabandos cotidianos que nos trazem aquém e nos levam além das conformações rumo às deformações monstruosas, às misturas inaceitáveis, às heterogeneidades que redefinem as ordens estabelecidas com os critérios científicos;
é quando se dá o corpo a corpo com os consensos, com as unanimidades que regram as normalidades subjetivas;
é então que se percebe, pois que se lida com, essa dinâmica, com o movimento de atualização diferencial que se embusta na forma acabada de uma subjetividade objetificada ou objetualizada;

processos de cristalização, de coagulação versus processos de desobstrução, de sublimação;
a perspectiva histórica, evolutiva ou progressiva que toma forma na ciência com seus pressupostos pré-estabelecedores, no método histórico com seu procedimento de reiteração de valores, isto é, de afirmação de palavras de ordem;

02 julho 2008



correria
ouviu o estrondo e os gritos e começou a correr; ouvia de relance as palavras de sua mãe sobre a correria; o chão estrondava embaixo dos pés; a floresta tremia com os gritos; correr e correr; era isso que tinha que fazer; os paus quebravam; corria sem perceber seu corpo, seus pés; não parava pra olhar pra trás; escapava como escapara sua mãe viva; o sangue molhava seu corpo nu; em seus ouvidos continuava a ouvir tiros e gritos; não parava de correr; em seu corpo cabia só o terror, nem pensava no cansaço; cortava varadouros, atravessava igarapés; o estrondo e os gritos; as estranhas palavras dos inimigos; na correria, relance em seus olhos; o estrondo e os gritos; o sangue das crianças, o medo fazia acelerar ainda mais; o suor escorria pelo rosto, ardia os olhos; suor não, era sangue; era engolida a seco pela mata, descia pelas entranhas da mata; corria como a caça; as pancadas moíam suas pernas; o coração disparado; sua chance era correr, sua vida correr; pensava no vô, na mãe, nas crianças, em idya, nehe, topa, cortavam sua mente, rinihan, wase, rona, kaná, mame; torceu o pé e caiu, mas tudo continuou correndo a sua volta; passara horas correndo, dias; não esqueceria mais aquilo, tinha nascido ali, naquela correria; seu corpo estava marcado de cicatrizes profundas; ofegava, o coração pulava, todo o corpo doía; as lágrimas e o suor diluíam o sangue que continuava escorrendo; seu corpo febril; uma dor metálica cortava sua garganta; sempre esperara o inimigo, sabia que eles chegariam, mas aquilo era a morte diante de seus olhos e só os guerreiros conhecem a morte; a partir dali tinha o espírito guerreiro, já não sorriria o sorriso ingênuo da criança; deparara a morte; a morte que não se conhece até encara-la; tinha encarado a morte, conhecia o seu cheiro, o seu som, o efeito que sentia no corpo torpe pela dor e o cansaço;