18 março 2007

Fingers Holding Secrets
Joe Zazulak

Como dizia, acho interessante contextualizar a iniciativa Aldeias Vigilantes no processo atual de debate da legislação voltada para a biopirataria, as medidas e os posicionamentos do governo em relação ao tema.

Sabe-se do poder do mercado das biotecnologias, seu poder de influência especialmente sobre governos de países ameaçados por fuga de capitais estrangeiros, devendo, portanto, no âmbito do mercado global, submeter-se às mínimas exigências dos países investidores.

Estamos num momento em que o governo, por uma forte influência de mercados, principalmente da parte empresarial, mas também da parte indígena, procura tornar legais e amparados na lei os contratos de acesso a recursos genéticos.

Por se obedecer ao tempo do mercado, submete-se à lógica do mercado.

O mercado empresarial inclusive quer se aproveitar das indefinições do momento para estabelecer regras que o beneficiem.

Esses grupos empresariais se apressam em pressionar o governo, pois sabem que se os indígenas se organizam para regulamentar internamente (simplesmente obedecendo a diretriz liberal do governo brasileiro) o uso de seus recursos, como tem feito em relação a auto gestão de seu território, não será tão fácil dilapidar esses recursos.

Por isso, esses empresários investem numa legislação que promove a competição entre as etnias, ao investir numa corrida sobre esses recursos do tipo quem pegar, leva.

Como o assistencialismo estatal é eficiente em miserabilizar essas sociedades, não será difícil inseri-las nesse mercado, em poderão, terão o privilégio de vender o seus conhecimentos mais reservados aos estrangeiros, categoria mais elevada de seres humanos.

Na contramão desse assistencialismo que promove a miséria, temos processos endógenos de gestão de recursos.

Esses processos devem fazer parte das conquistas políticas de auto organização das sociedades.

Por isso não acredito na legislação, ainda que venha acompanhada de uma política pública de promoção dos conhecimentos tradicionais.

Acredito no que a Amazonlink vem, aos poucos, amadurecendo com o Aldeias Vigilantes. A promoção de políticas de produção e circulação, troca, encontro de conhecimentos tradicionais em que esses conhecimentos sejam debatidos, trocados e reconhecidos para que não sejam identificados com o valor de troca que o mercado lhes quer atribuir, valor esse que ameaça a política de colaboração, de ajuda mútua tradicional entre os povos indígenas de uma forma mais homogênea desde que tiveram que se organizar na luta contra o inimigo comum, o colonizador encarnado na figura do Estado, do Estado de Direito.

Hoje, num momento de cooperação entre esses povos no sentido de sua auto-organização a partir da relativa e parcial garantia de seus territórios, do fim da arbitrariedade com que seus territórios eram invadidos e dilapidados impunemente até poucos anos atrás, do momento em que esses povos organizam seus processos de educação e reivindicações políticas e, principalmente, por meio de categorias como os agentes florestais, se voltam para a gestão de seus recursos, o governo e as corporações internacionais tentam lançar essa isca perigosa que é transformar os conhecimentos que unem esses povos em culturas comuns, com mesmas origens lingüísticas etc, em objetos com valor de troca, objetos que poderão ser alvo de disputa entre povos colaboradores e até aldeias de uma mesma etnia.

Colocar esse problema para a sociedade, divulgar essa nova barbárie que vem como um atavismo colonialista submeter os povos indígenas a uma categoria de violência, deve ser o princípio de um projeto.

12 março 2007

o valor dos conhecimentos tradicionais; isaac pianko ashaninka

Em termos de encaminhamentos, vejo um momento como esse como estratégico politicamente para os grupos envolvidos serem ouvidos quanto ao seu posicionamento.

Para iniciar o debate sem muitos termos técnicos, gostaria de iniciar situando a questão das patentes que é um ponto de discussão importante, se levarmos em consideração o movimento na esfera pública.

Os grupos e instituições no Acre têm se posicionado de forma crítica em relação às patentes.

Têm mantido posições críticas, contrárias mesmo, à forma com que a patente tem sido estimulada pelo mercado global, através dos governos e seus mecanismos de garantias de direitos, ou seja, as leis e seus derivados.

É difícil falar quando o diálogo é assimétrico (de portas abertas conosco, com a sociedade, e de portas fechadas com os representantes do mercado de patentes).

Portanto, gostaria de não iniciar este debate partindo do pressuposto de que os processos de patenteamento já são pontos pacíficos, que já estariam discutidos e que estamos a debater como será agora a repartição dos recursos.

É aqui que emendo a imagem que essas sociedades e seu conhecimento assumem na legislação. Os próprios conceitos utilizados denotam claramente a assimetria com que se tratam as partes dos acordos.

Assim, além de se partir do pressuposto de que os índios, que para o Estado não tem sequer o direito à propriedade (e gestão) de seu território, podem começar a abrir o mercado dos conhecimentos tradicionais sem o devido tempo de experiências de gestão de territórios.

Caso não fosse tanta a veemência com que o mercado exige a regulamentação dos processos de repartição de benefícios, dado o alto preço dos processos judiciais que acusam as empresas de biopirataria, o que poderíamos estar debatendo talvez fossem processos que precederiam a este, mas não teriam tanta importância para o mercado, tais como :

1) Processos de gestão participativa dos territórios indígenas;

2) Processos de auto-demarcação de terras indígenas;

3) Processos de trocas de experiência e valorização do trabalho de agentes agroflorestais indígenas, nos quais as experiências do Acre pudessem ser levadas para outras regiões.

O que falo aqui não é novidade. Toma-se o remédio por que prevenir e tratar dá trabalho ou leva tempo. Ou como disse certa vez meu professor Isaac, o macaco salva a piaba da correnteza, para deixa-la morrer fora d’água.

Uma hipótese é que o procedimento adequado no combate à biopirataria, talvez começasse pela autonomia dos povos não-ocidentalizados (como chamo esses tradicionais) para a gestão de seus territórios, a gestão de seus recursos naturais.

Mas sabemos que isso equivale a reforçar sua resistência a esse processo de ocidentalização e ao mercado global.

Sabemos também que o mercado não pode esperar.

Comunidades tradicionais

A noção é problemática por diversos motivos, a começar por reduzir sociedades e mesmo povos, à condição de comunidades, um conceito bem mais restrito.

No entanto, de que vale ficar discutindo se eles vão ser chamados de sociedades, comunidades, ou povos. Há questões mais importantes para serem discutidas.

Importantes para quem?

Essa denominação é o ponto de partida de todo o discurso assimétrico sobre essas populações.

Essa condição de comunidades tradicionais foi definida no âmbito do mercado global contemporâneo, contexto do discurso da medida provisória, conforme vimos analisando.

Equivale à sociedades não-ocidentalizadas, visto que se contrapõe à sociedades não tradicionais, modernas, globalizadas.

Assim como os conhecimentos tradicionais não definem uma categoria intrínseca das sociedades não-ocidentalizadas, que resistem ao (que por suas próprias condições estão fora do) mercado global, o conhecimento coletivo (tema desta fala) só tem sentido quando contraposto ao nosso conhecimento de matriz racional, associado ao indivíduo, como construção individual, seguindo o modelo da consciência racional ocidental.

consulta pública sobre patenteamento dos saberes ancestrais (parte 2)

E se o direito fosse um saber...?

Acredito que o direito seja um saber. Gostaria de desenvolver e medir os efeitos dessa hipótese defendida por alguns pensadores do conhecimento.

Temos dificuldade em definir o direito como um saber, é o que constato com meus alunos em nossas aulas de ética, antropologia jurídica ou metodologia da pesquisa jurídica.

Se o direito é um saber, como todo saber está inserido e obedece às coordenadas da cultura que o criou.

Portanto, se o direito é um saber, não pode ser universal, valendo para todas as culturas. A menos que uma cultura pegue o seu saber, no caso o seu direito, e o imponha para outra. Essa imposição é o que temos visto no campo dos saberes há séculos.

Em alguns campos do saber ocidental, como a antropologia, já é claro que se deve garantir os saberes próprios das outras culturas, para que nossa sociedade não prossiga com seu processo de etnocídio sobre as poucas culturas ainda não ocidentalizadas.

Essas culturas não-ocidentalizadas, que são submetidas à categoria de minorias (não por sua quantidade, mas por seu poder de decisão no mercado global), são o que chamamos de culturas tradicionais.

Quero marcar com isso que essa abstração, que se tem chamado e proliferado no discurso jurídico sob o nome de culturas tradicionais, não se refere a nenhuma característica intrínseca a essas culturas.

O que define uma cultura como tradicional não é qualquer característica própria, qualquer propriedade interna dessa cultura.

O critério de tradicionalidade se refere sim ao seu grau de ocidentalização. Esse é o marcador.

Se o direito é um saber e, portanto, está restrito aos limites da cultura que o criou, tomar o direito de uma sociedade e aplica-lo a outra é uma prática que só se justifica pelo etnocentrismo, quando não pela imposição.

Algumas áreas como a antropologia e a educação já aderiram aos saberes não-ocidentais e procuram (com toda dificuldade que tal processo implica) exorcizar o etnocentrismo que as constitui.

No direito, essa imposição persiste mais. Um consistente padrão de moralidade funda o direito em concepções abstratas como justiça, certo, bem, verdade, liberdade.

Tais concepções, que no discurso moralista ganham caráter universal, são dos termos que mais carecem de especificidade contextual.

A concepção de saber que tomamos aqui é bastante restrita. Parece referir-se a um recorte desse saber, um recorte utilitário feito pelos ocidentais, um recorte utilitário feito, sobretudo pelo mercado dos ocidentais.

Esse saber objetivo de processos e produtos da floresta, resultado de uma imagem que se constrói do índio em nossa sociedade.

Segundo essa imagem o que justifica o direito à vida e ao território dos indígenas seriam os recursos de que dispõem sobre supostos segredos da floresta.

Assim, que muito do que está vindo no pacote, no discurso desses debates sobre patentes e direito à propriedade intelectual (convenhamos um papo movido por grandes laboratórios, já que as ongs que viabilizam comércio de artesanato não teriam tal influência no mercado global) condizem com essa perspectiva utilitarista dos povos indígenas.

Acho intrigante e estranho que muitos indígenas concordem com essa visão. É uma visão que parece contradizer a autonomia desses povos, inclusive sua autonomia econômica, visto que esse discurso que se faz de que os índios dependem da tecnologia do branco é parecido com um velho discurso que o primeiro mundo tem usado para explorar países como o Brasil, de forma que esses ainda se sintam agradecidos.

Direito das comunidades X direito das comunidades

A partir da problemática desenvolvida anteriormente, quero derivar um desdobramento.

Há que diferenciar entre direito das comunidades e direito das comunidades.

Mas como assim, não é a mesma coisa? Vejamos.

O primeiro sentido de direito das comunidades se refere ao direito que essas comunidades podem vir a ter, garantidos por dispositivos jurídicos próprios do direito ocidental e pelo poder do estado de fazer cumprir tais determinações.

Nesse contexto, operam noções como propriedade privada, indivíduo, sociedade, leis, constituição, pessoa jurídica.

Um outro sentido para a expressão direito das comunidades seria a forma dessa sociedade resolver suas disputas internas, bem como suas transgressões. Nesse direito das comunidades, o das é um genitivo.

Análogo ao que se fez anteriormente gostaria de levantar alguns dos (ainda nossos) conceitos que sustentam esses processos, tais como direito coletivo, saberes coletivos, propriedade coletiva e individual, norma.

Na assimilação de um direito pelo outro, expressa pelo primeiro sentido da expressão direito das comunidades, oculta-se o etnocentrismo e a imposição do nosso direito ocidental.

Seus princípios são o indivíduo e sua propriedade, elementos estranhos a essas culturas não-ocidentais ou tradicionais.

O direito dessas comunidades então, quando pensado a partir dessa concepção, é assimilado pelo direito ocidental, por seus princípios e valores.

consulta pública sobre repartição de benefícios

Antropologia e direito

Penso que minha função, como especialista em antropologia e pesquisador da área de antropologia jurídica, aqui na abertura dessa consulta pública, seria de estabelecer um campo comum, em que todos trafeguem de maneira um pouco mais simétrica.

O que ocorre na maior parte das vezes e arrolarmos o debate tendo por referência exclusiva o universo de valores de nosso saber e de nossas leis ocidentais.

Dessa forma, o que procede na grande maioria dos debates, é trazermos esses povos para o nosso universo, os nossos pressupostos, as nossas instituições.

Minhas palavras, portanto, encaminham-se no sentido de iniciar problematizando o campo do direito, imaginando o contraponto de um direito propriamente indígena.

Portanto, ao invés de partirmos do pressuposto de que estamos em um campo homogêneo, quero colocar que nosso ponto de partida se define como um campo conflitivo.

Quem fala em nome de todos

Parte-se da premissa segundo a qual, só se chega ao discurso do direito contextualizando-o, estudando seu ponto de enunciação, suas fontes.

Ou seja, enquanto não se faz a crítica do discurso universalista que oculta seu lugar de enunciação, por trás de um discurso moralista e etnocêntrico, não se poderá chegar à análise da natureza do discurso jurídico.

É do conflito entre saber/poder ocidental e saber/poder indígena que parto.

O que se vê no discurso da lei é um antigo posicionamento, segundo o qual os povos indígenas não têm suas instituições consideradas, são sociedades sem Estado, sem fé, sem lei, sem rei, sem escrita, sem história etc.

Esse posicionamento serve, há séculos, para justificar o domínio político e cultural sobre as sociedades resistentes ao ocidentalismo.

O direito opera segundo tal referência projetando-se como instituição que ultrapassa as fronteiras da cultura ocidental e tanto pode como deve, legislar os costumes indígenas.

É assim que se lança um olhar por debaixo da batina dos juristas. Que se revela a manobra político-epistêmica que sustenta o ponto de onde é enunciado o discurso jurídico.

É quando se aproxima do marginal, quando se afasta do centro da sociedade ocidental que as saias s direito se mostram curtas para cobrir os seus pressupostos universais.

Para isso, temos que problematizar o direito que, por sua natureza política, tradicionalmente tende ao discurso universalista, excludente de outras perspectivas políticas, e, portanto, de outros saberes que a ele se equivalham.

Acredito que a contribuição da área em que atuo, a antropologia, é o poder de contextualizar, de situar em condições históricas, políticas e sociais, falas que parecem ditas em qualquer hora e podem servir pra qualquer lugar.

Essa é a crítica que faço com meus alunos de direito sobre o discurso das leis. As leis tendem a falar para todos os homens e acabam não falando para nenhum.

Segundo o modelo positivista, que constitui a imagem do conhecimento com que geralmente tratamos e a qual buscamos aqui desconstruir, pensar e politicar são tratados teoricamente como incompatíveis. Como assobiar e chupar cana.

Esse modelo, que já começa a ver sua decadência no século dezenove, na filosofia do século dezenove, encontra no século vinte escolas e procedimentos que popularizam na comunidade científica o problema de não submete-lo, de não submeter o paradigma ocidental de conhecimento a uma crítica.

O racionalismo europeu ganhara força no século dezessete e, no dezoito, tornara-se dominante.

Sua natureza política tornara esse pensamento humanista, ocidentalizante, universal, um modelo hegemônico de pensamento.

Próprio para ter força de doutrina e ser posto em prática como catequese.

A diferença com que se depara hoje é construída socialmente, e não qualquer fenômeno supostamente natural.

Políticas públicas e mercado

Estamos vivendo um momento histórico com características contrastantes.

O primeiro que destacarei parece um contra-movimento por constituir uma retomada.

Há alguns anos retomamos o regime democrático de representação. A mídia passou de um controle ou de uma parceria com Estado para ocupar um papel fundamental na política de mercado neoliberal.

Com a emergência política, alguns chamam cooptação, dos partidos de tendência popular, vivemos uma espécie de furor das políticas públicas, da participação popular, das gestões legitimadas pelos coletivos.

Por outro lado, numa espécie de continuidade, de movimento contínuo, o mercado ganhou força, e mais força ainda quando a democracia desfaleceu, a ponto de se tornar onipresente, o mercado global.

Esses dois movimentos são complementares e os estou invocando aqui por fazerem parte do contexto e dos pressupostos desta conversa que estamos tendo. Por serem mesmo atores interlocutores dessa conversa.

Mercado de patentes

Acredito que este debate público seja tanto uma necessidade das populações ditas tradicionais (não-ocidentalizadas) e dos povos indígenas, (minorias que se situam fora do circuito do mercado global, em certo sentido), como uma necessidade do mercado.

Penso, no entanto, que quem nos coloca aqui sentados, quem tem força para tanto é o mercado.

O mercado das patentes que precisa dar curso às suas conquistas numa nova era tecnológica, como é essa que vivemos, em que o conhecimento se transforma radicalmente.

É desse mercado que parece provir a voz que emana e se identifica com o discurso governamental da medida provisória.

É desse mercado que parte o discurso nada ingênuo que, silenciosa e sorrateiramente, nos impõe as patentes em forma de pressuposto.

O velho recurso de passar pelo assunto como se ele já fora discutido, um ponto pacífico, uma unanimidade.

O mercado das comunicações

As comunicações fazem parte do mercado, são parte da indústria de bens e serviços. A mídia, portanto, é parte desse mercado.

O mercado de patentes, trabalhando em acordo com as mídias, que prestam serviços comerciais de divulgação e não-divulgação, já saturou sua clandestinidade.

Os próprios indicadores dos estudos de mercado apontam que os ganhos maiores consistem na estratégia de vir à luz e repartir os benefícios com as populações exóticas que estão à margem do mercado global.

A lei brasileira é marcada pelo seu caráter liberal mais que democrático, privilegiando sempre resolver problemas do mercado em detrimento de questões democráticas.

Todos esses agentes são personagens nessa história que nós estamos dando curso e legitimando.

Situo e mapeio (grosseiramente) o campo de forças em que estamos nos deslocando para dar conta de certo torpor que nos leva a esquecer dos interesses do mercado e como esses interesses são incompatíveis com os interesses dessas comunidades.

Estou caracterizando aqui essas comunidades como comunidades que estão fora do mercado global por sua geopolítica. Acredito que esta é uma característica decisiva, ainda que tão frágil.

09 março 2007

opacidade e transparência bush e o brasil
é digno de nota na história do brasil, da construção dessa abstração ou desse projeto brasil, povo brasileiro, nação brasileira, a peculiaridade de certas características de como se mantém o poder;
durante vários períodos históricos o brasil vive a força da unanimidade em relação ao poder;
a falta de rupturas históricas significativas que tirassem o poder da elite européia que aqui chegou há quinhentos anos, fez inclusive, recair sobre nós a alcunha de república das (dos) bananas;
maldade falar assim, houve sim muito sangue derramado, cacique lutou que eu vi;
mas não é o nosso passado de gloriosos seringueiros assassinados que quero devir, mas o outro lado da moeda;
quero devir o trabalho sobre nossa imagem e o colocar no papel o que significa, quais os sentidos, melhor dizendo, e suas conseqüências, desses momentos, dessas políticas de unanimidade;

todo o processo de construção do brasil foi feito de fora pra dentro, sustentado artificialmente por designers do poder;
do império á ditadura, incluindo repúblicas e a atualidade, o brasil passa por momentos de crise de identidade;
é essa crise a que me refiro quando no momento de fazer a política mais suja do neoliberalismo, depois que o mercado ocupou o controle dos mecanismo de governança centrais, a esquerda é convidada a tomar o “poder”, um poder restrito e predeterminado, com roteiro e tudo, mas com pompa e circunstância, como convém ao poder;

anula-se o lugar ocupado em nossa compreensão do mundo pela resistência oficial ao liberalismo e cria-se um campo no qual as antigas referências políticas não tem mais funcionalidade, no qual se deve redefinir o discurso;
num primeiro momento, o espírito tende à ironia, nos tornamos irônicos;
é ela que ocupa o lugar do discurso crítico, de resistência e mesmo de ressentimento de quem nada pode fazer, mas que encontra ainda um campo, ainda que seja para protestar, reclamar ou lamuriar;
quando o poder nos priva desse espaço público, dessa esfera pública, quando a política dá lugar ao despotismo, entra-se num plano homogêneo, em que o par identidade/alteridade se dissolve;
o déspota é o pai: trazemos, portanto, o problema do poder da esfera pública para a esfera privada, estamos em família;

quando não se sabe mais quem é o outro e quem é o eu, esse plano de homogeneidade que se cria e recria constantemente na distribuição do poder e sua apropriação pelas pessoas, ou na apropriação que ele faz das pessoas;

chegando aí, será interessante devir em como isso foi incorporado em nossa cultura, em nossos hábitos involuntários, só percebidos por antropólogos, estrangeiros ou alienígenas;

05 março 2007

o capitalismo vive da carência, a falta é constitutiva do seu sistema de produção e consumo...
série: brennanda falta ou carência é o desejo que move o consumo;
a miséria de necessidade se contrapõe aqui à miséria libidinal do impulso consumista, a fome e a sede de consumo, todo o desejo tendo se transformado em compulsão;
o problema se desloca então da subjetividade classista, que fazia do proletário essa espécie de vingador da miséria, de justiceiro ressentido, na cruzada contra o capitalismo;
o problema, então, se fixava (delimitava) numa questão de classes (no qual a classes constituem massas manipuláveis, produtoras de direitos, possíveis de serem agenciadas por grupos políticos visando o poder;
essa classe seria essa espécie de sujeito criada pela sociologia histórica em sua análise do capitalismo;
deslocar o problema para um problema libidinal, de desejos, equivale a desmembrar esse sujeito em impulsos heterogêneos, equivale a desmontar sua estrutura molar, uma para observar esse conglomerado como uma multiplicidade que não seja necessariamente uma heterogeneidade por forças exteriores e intencionais (o poder, a burguesia, o estado, a ideologia, os aparelhos ideológicos, as instituições);
um só corpo passa a comportar uma gama de variáveis, uma multiplicidade de impulsos, a homogeneidade deixa de ser algo natural ao qual a história tende por alguma força consciente externa aos próprios movimentos extemporâneos da história, de seus devires não-históricos;
como diz paulo freire, o opressor pode consistir no próprio oprimido;
essa divisa (nietzscheana, por que não?) possui um alcance antes de mais nada discursivo, pois é a discursividade que permitirá, que dará possibilidade de se desconstruir o sujeito molar que impera no pensamento eurocêntrico do positivismo;
é nas experiências literárias e filosóficas que se experimenta essa outra imagem e concepção do sujeito;
loucos, hereges, marginais, criminosos, serão esses personagens que permitirão a construção, e a subseqüente desconstrução, do discurso positivo de constituição de homogeneidades subjetivas, culturais, morais que normatizam essas sociedades desde sua organização política de estado e mercado;
o discurso social das instituições responsáveis por esses segmentos (esses outros) a partir dos quais a sociedade constituía sua homogeneidade, seu normal e sua normatização, permite vislumbrar, com a análise de seus pressupostos, os modelos utilizados na definição de coletivos homogêneos;
é nesse processo que se vê serem formadas as práticas e as instituições de controle social (do estado ou liberais-religiosas) que são a gênese da ciências sociais;

os selvagens e seu pensamento fornecerão às ciências humanas um modelo incomparável, um contraponto (sobretudo para a desmontagem da etnocêntrica máquina política de colonização) a partir do qual se poderá traçar uma linha de fuga pela qual todo o discurso do modelo evolucionista de produção política moderno poderá ser minuciosamente desconstruído e analisado minuciosamente, revelando cada um dos pressupostos de seu percurso;

num mesmo grupo social, uma classe, os desejos não são heterogêneos por força de alienação, a consciência deixa o lugar de força superior a dever guiar a história;
a intenção do capitalismo será analisada de novas posições psico(pato)lógicas;
desmontar esses personagens sociais planos, imprimir-lhes certas nuances psicológicas, torna-los mais redondos, mais complexos;

esse é o trabalho discursivo realizado por foucault em os homens infames, quando faz desfilar em nossa frente o discurso de condenação dos marginalizados de séculos atrás;
ao apresentar o discurso sobre esses homens o autor consegue o efeito irônico do contradiscurso;

esse é o recurso utilizado no último filme de bianchi, quanto vale ou é por quilo, em que trata ironicamente do discurso escravista/escravagista, numa abordagem que muito nos interessa;
bianchi é um cineasta que flerta com a literatura em seus filme e o resultado é uma supremacia do texto;
esse seu último filme é uma obra que opera basicamente no universo discursivo, com a contextualização e descontextualização de discursos, que cria efeitos de estranhamento;
vale um estudo para seu desenvolvimento em atividade de grupo, visto que estamos definindo a antropologia pela contextualização, espécie de relativização no plano discursivo;
série bichos da florestaquero tomar o texto de jaguaribe como um negativo a ser revelado (para utilizar as metáforas da velha linguagem fotográfica, mas também o processo de contextualização/relativização que se tem buscado contrapor à dinâmica da universalização própria ao discurso científico tributário da consciência evolucionista ou do espírito histórico-transcendental (foucault) que caracteriza o pré-modernidade do século dezenove);
revelar seus pressupostos (e são tantos) por meio do procedimento da contextualização discursiva, tomando-o como contra parte de leitura de um processo que nos interessa (e ao qual mariana sagazmente se refere com o contraponto que estabelece com o texto de boff e sua referência ao perspectivismo (enquanto isso, em compensação...) e enfim com a realidade criada pelo (ou com, se preferem os mais empiristas) perspectivismo;
talvez seja esse o diferencial básico entre contextualização e relativização: o caráter discursivo, textual próprio à contextualização, pois se refere ao trabalho discursivo da antropologia, que se começa a estudar com a ética discursiva e suas especificidades e que será também o procedimento discursivo com o qual se entrará no espaço do direito, dos discursos jurídicos, visto essa área ser marcada pelo tráfego mundo-texto/ realidade-discurso/ palavras-coisas;
por se traçar um contraponto perspectivo, ou seja com implicações políticas e representacional (semiótica), a proposta é mesmo a de elaborar uma contra-realidade para debater o quadro do sociólogo;

02 março 2007

http://www.fernando.arq.br respeito para o guarani é quando um fala e o outro escuta;

a máxima que definia o grupo oim iporama orereko http://br.geocities.com/aldeiajaragua/producao.htm ,
, desde o início era essa: o trabalho tem que ser participativo;
essa máxima se definiu por dois fatores principais: primeiro pelo discurso das políticas públicas que nos servia em nossas dúvidas e apontava para possíveis soluções com os órgãos públicos, espaço por onde se pôde garantir possibilidades de trabalho;
segundo, pela experiência das inúmeras violências que cotidianamente os víamos sofrer com pessoas, instituições e governos incapacitados de os ouvir;
incapacitados de os ouvir: uso essa expressão por ter sido evidente desde o início para o grupo, com certa unanimidade, que se tinha um importante trabalho de assessoramento comunicativo;
não era um trabalho simples, falar pelo outro não é um trabalho simples, incluía a representação em reuniões e consultas públicas morosas de instituições públicas, escrever projeto com infinidades de exigências burocráticas, conversar com pessoas desinteressantes etc;
tudo isso, fora as coisas boas, que eram a maior parte, com a convivência, as conversas e as rezas etc;

o trabalho participativo
vindo de uma escola da desconfiança discursiva, entendi tanto o que o grupo queria dizer com participativo, quanto entendi que esse participativo tinha pouco significado conceitual, apesar das boas experiências práticas dos arquitetos na construção da escola, gênese do grupo;
elaborar junto à comunidade a estrutura e o desenho da escola era uma experiência simples, mas que simbolicamente tinha bastante resultado conceitual em arquitetura;
enfim, o conceito de participativo deveria ser agora redefinido por nós, pelo novo grupo, pelas novas experiências, junto às práticas com o povo da aldeia, junto com eles, enfim;

propriedades metodológicas do participativo
um nó importante (e difícil) a ser desatado era o de que trabalho participativo, respeito, diálogo eram problemas conceituais que exigiam práticas e abordagens próprios;
ainda que quiséssemos nos diferenciar de certas práticas, as quais considerávamos moralmente condenáveis (apropriação de conhecimento, uso do nome dos guarani, falta de protagonismo no diálogo etc), é importante trazer o problema da ética discursiva para um campo conceitual, no qual se encontrassem métodos de pesquisa que se pautassem numa base metodológica própria;
e os amigos guarani como vão? estiveram reunidos em novembro na aldeia peguoaty, localizada no vale do ribeira;
eram 120 lideranças mbyá dos estados de rs, sc, pr, sp, rj, es;
o encontro foi organizado pelo cti e teve a colaboração do grupo oim iporama orereko;
as lideranças se reuniram para definir alinhar estratégias de reivindicação territorial e debater a organização da comissão de terra guarani – yvy rupa, organização que visa articular os guarani em torno de políticas de conquista e regularização de território;
durante o encontro foram ministradas oficinas jurídicas com o fim de trabalhar noções de direitos e trazer discussões objetivas sobre casos de disputas de terra e suas decisões judiciais;
o objetivo do encontro é promover a formação de lideranças, bem como o reforço da nação guarani;
durante o encontro, certamente houve muita dança, canto e boa comida guarani;
brennandarcos, flechas e outras tecnologias de ponta
desconstruindo a nossa imagem ocidental dos povos indígenas em relação às suas técnicas de convivência no ambiente que ocupa(va)m, evc coloca em questão os critérios de técnica e evolução que se articulam na gênese de nosso discurso moderno;

no entanto, as colocações do autor não se restringem a um debate sobre a ecologia indígena;
mesmo por que, esta-se falando de (des-)construção de imagens do outro, ainda que relacionadas à natureza via ecologia, portanto, estamos, ainda que por vezes não pareça, estritamente no campo da antropologia;
suas considerações implicam uma desmontagem do próprio discurso antropológico, que divide a gênese evolucionista tal concepção de técnica;

ao empreender tal desconstrução da imagem “ingênua” com que achamos por bem representar os povos não-civilizados, com que os revestimos para personaliza-los segundo nossas intenções civilizadas, em relação às suas técnicas “primitivas” de exploração da natureza, o autor está retomando conceitos chaves, ou melhor perspectivas chave que constituem a imagem de antropologia baseada
com essa revisão crítica das imagens que fazemos dos índios, sobretudo esta, que implica uma imagem de técnica, o autor desconstrói a própria antropologia ao retomar diversos de seus pressupostos;

parece ser essa a (parte dela) sua intenção, num texto em que vai retomar um dos conceitos mais importantes da disciplina, a noção de natureza;
em sua abordagem da concepção de natureza implicada em nosso pensamento, o autor inicia por criticar o valor e os critérios que sustentam (ainda hoje) nossa concepção evolucionista da técnica;
situando, conforme nosso interesse, o discurso como tecnologia e não apenas como discurso da tecnologia;

a técnica antropológica
concluindo, o autor parece fazer um texto em que relativiza a técnica, elemento central da matriz evolucionista da qual a antropologia resulta, a partir de desconstruções das imagens que fazemos de nós mesmos (não-índios) a partir das imagens que fazemos dos índios;
esse desdobramento visa rever, com a técnica, a própria técnica antropológica, inserida na dinâmica referida;
desse modo a antropologia não fica de fora do campo discursivo que ela mesma critica, hábito positivista (projetar-se para fora do seu campo de referência) com o qual procura romper;
fará isso implicando-se em seu próprio campo de referência, no caso do texto estudado, nas construções do diversos selvagens da antropologia ou do xamanismo antropológico o perspectivismo;
aliás, conclui-se dizendo da intenção que atravessa o texto de desmontar o pressupostos evolucionistas que dormem nos pés do caráter de técnica que define a antropologia;