27 dezembro 2008




txai tapu min yuxin pe hiraki ixiãki na barikirã
haskaya na en mia keneshunairã uinshawen pepa
hairakirã min yusinã nukun hãtxa tapinikirã
minpe hairaki haskaken en mia keneshu
ikairã haska bestiki na en mia
yuimairã


www.mawapayhunikuin.blogspot.com

atente-se para que a bibliografia e os temas continuam a tratar os índios como objetos de estudo e não como produtores de conhecimento;
propõe–se que se fale a respeito dos índios e sua arte e não que se dialogue com esses agentes e seus conhecimentos;

assim, talvez seja interessante escapar a essa miragem e tratar os temas numa perspectiva de produção de conhecimento com índios;


os portugueses dos índios

os indígenas, como os demais, usuários dos valores sociais veiculados na escolarização, pretendem apropriar-se de uma forma ideal do português ou mesmo da língua;
sua obstinação me levou traçar rizoma à seguinte passagem viveiros de castro, o que teve efeito interessante:
quando o antropólogo (usemos o pronome masculino) vai morar com um povo ameríndio ou melanésio – jean monod, sobre os piaroa da venezuela, e roy wagner sobre os daribi da nova guiné, contam anedotas bem parecidas – ele necessariamente tem problemas enormes no aprendizado da língua; passados seis meses, ele vai se queixar junto aos seus anfitriões: ‘sua língua é terrivelmente difícil, não consigo aprende-la, é um trabalho muito lento, não avança’; então as pessoas respondem: ‘é preciso que você coma nossa comida para aprender nossa língua’; no fim de duas semanas, o antropólogo diz: ‘não faço outra coisa a anão comer da sua comida e as coisas continuam iguais’; a resposta é: durma com uma de nossas mulheres, a língua vem’; o sujeito (admitamos que ele seguiu o conselho) volta depois de alguns meses: ‘continua tudo igual’; desanimadas, as pessoas dizem então: ‘nesse caso você precisa tomar um de nossos alucinógenos’; aí é preciso ser realmente idiota para que a receita não funcione... até porque, a essa altura, o antropólogo já terá feito algum progresso na língua;
evc: encontros

13 dezembro 2008

entre

o que se passa entre
no entre
onde começa e termina o entre
por onde passa

entre a opy e a escola

os outros dos outros
entre os nossos outros
o inter e o cultural
entre eles
entre eles e nós
os nós deles e os nossos eles

entre uma infinidade de diferenças internas
dobras e desdobramentos

alianças precárias
evidenciando diferenças
singularidade absoluta

11 dezembro 2008



quando o antropólogo (usemos o pronome masculino) vai morar com um povo ameríndio ou melanésio – jean monod, sobre os piaroa da venezuela, e roy wagner sobre os daribi da nova guiné, contam anedotas bem parecidas – ele necessariamente tem problemas enormes no aprendizado da língua; passados seis meses, ele vai se queixar junto aos seus anfitriões: ‘sua língua é terrivelmente difícil, não consigo aprende-la, é um trabalho muito lento, não avança’; então as pessoas respondem: ‘é preciso que você coma nossa comida para aprender nossa língua’; no fim de duas semanas, o antropólogo diz: ‘não faço outra coisa a anão comer da sua comida e as coisas continuam iguais’; a resposta é: durma com uma de nossas mulheres, a língua vem’; o sujeito (admitamos que ele seguiu o conselho) volta depois de alguns meses: ‘continua tudo igual’; desanimadas, as pessoas dizem então: ‘nesse caso você precisa tomar um de nossos alucinógenos’; aí é preciso ser realmente idiota para que a receita não funcione... até porque, a essa altura, o antropólogo já terá feito algum progresso na língua;
evc: encontros

02 dezembro 2008


outro procedimento ingênuo será tratar o diálogo de conhecimentos ou culturas a partir de um sem número de pressupostos etnocêntricos que desconsideram e simplificam questões fundamentais para o entendimento da ciência régia, nosso próprio regime universalizante de saber-poder, ao enquadrar os outros conhecimentos e sua diferencialidade nos pressupostos que nos sustentam;
a princípio, a própria possibilidade de qualquer ‘diálogo’ entre regimes não pode ser outra que não o conflito, a resistência à universalização proposta como ponto de partida para o suposto ‘diálogo’ proposto pelo ocidental;
o que é chamado de simetria consiste na inversão do olhar, na possibilidade de ver a luta, o embate, a guerra, na dinâmica de qualquer diálogo entre conhecimentos;
antropólogo e nativo: como um se apropria do outro, como a antropologia vai sendo aos poucos conquistadas pelos povos indígenas, conquistada como seu espaço político no conhecimento branco, território em que eles se podem fazer ouvir, cada vez mais autonomamente;
portanto, a antropologia como zona ou campo de conflito de saberes da qual cabe ao antropólogo tirar conseqüências e vantagens para, em lugar de perder espaço, conquistar outros territórios, seja às custas dos povos indígenas e seus equívocos, seja às custas das próprias insuficiências da ciência régia;

outro procedimento ingênuo será tratar o diálogo de conhecimentos ou culturas a partir de um sem número de pressupostos etnocêntricos que desconsideram e simplificam questões fundamentais para o entendimento da ciência régia, nosso próprio regime universalizante de saber-poder, ao enquadrar os outros conhecimentos e sua diferencialidade nos pressupostos que nos sustentam;
a princípio, a própria possibilidade de qualquer ‘diálogo’ entre regimes não pode ser outra que não o conflito, a resistência à universalização proposta como ponto de partida para o suposto ‘diálogo’ proposto pelo ocidental;
o que é chamado de simetria consiste na inversão do olhar, na possibilidade de ver a luta, o embate, a guerra, na dinâmica de qualquer diálogo entre conhecimentos;
antropólogo e nativo: como um se apropria do outro, como a antropologia vai sendo aos poucos conquistadas pelos povos indígenas, conquistada como seu espaço político no conhecimento branco, território em que eles se podem fazer ouvir, cada vez mais autonomamente;
portanto, a antropologia como zona ou campo de conflito de saberes da qual cabe ao antropólogo tirar conseqüências e vantagens para, em lugar de perder espaço, conquistar outros territórios, seja às custas dos povos indígenas e seus equívocos, seja às custas das próprias insuficiências da ciência régia;

valorizar a identidade não equivale a valorizar a diferença;
nos processos de resistência cultural os fins podem e não podem justificar os meios;
a cultura tradicional pode ser investida com os valores de estado, o que modifica sua função de resistência;
como se utilizar desses valores de estado que substituem a aparente precariedade das máquinas de guerra pelo suntuoso discurso da identidade étnica e dos conhecimentos tradicionais, constituindo com isso todo um mercado ordenado de subjetividades e outros produtos;
não será fácil, talvez leve outras tantas gerações até que se perceba a diferença entre cooptação e resistência, entre identidade e diferença, entre fins e meios;

talvez mesmo isso não seja uma tarefa deles como quer parecer, mas uma tarefa nossa, já que operamos em grande parte com nossos conceitos;

como transformar esse problema em nosso conhecimento, como ele afeta nossa maneira de pensar ou nossa perspectiva, como esse problema afeta o isolamento de nosso conhecimento, a concepção de conhecimento fora de relações de força, o conhecimento como explicação ou representação de um mundo idealizado, conhecimento este livre de contatos por/em sua universalidade;
portanto, a simples consideração desse conhecimento como produtor de realidades, criador de discursos, agenciador de realidades afeta imediatamente o nosso conhecimento e nossa concepção sedentária de conhecimento;
a consideração desse outro saber, que coloca em xeque nossa idéia régia de conhecimento como representação da realidade, desdobra-se na/a partir da prática de conhecimento como ação no embate entre máquinas de guerra e aparelhos de captura;
escapar à idéia de conhecer como representar ou explicar realidades não textuais e tomar o texto e seus recursos como plano de imanência em que dão tais embates;
não pensar que a realidade está fora do texto, pois o texto é realidade, a realidade e o texto estão em relação de rizoma, num contínuo entrelaçamento em que não se define as fronteiras;

o que nos impulsiona aqui pode ser o seguinte problema: o que e como afirmar contra o monocórdio e monótono discurso positivista, universalista e legalista do estado que segue repetindo automaticamente seus valores universais e suas intenções de proteger os povos indígenas de nosso assédio por privar-lhes de sua identidade, a qual poderia ser restabelecida com apoio do estado e mesmo ser tomada como missão do estado;
como lidar de forma a não tratar esse fenômeno simplesmente como hipocrisia ou mesmo cinismo, como trata-lo sistematicamente e estruturalmente como metamorfose de tantas outras estratégias anteriores de integração levadas a cabo pela mesma corrente de pensamento que hoje pensa as formas de sobrevivência para o que eles acreditam que teria restado;

nesse embate entre regimes de conhecimento, afirmar a diferença está bem distante do que faz a unesco ao rezar sua missa de um futuro melhor para os povos indígenas através da educação intercultural bilíngüe;
portanto, não se trata de mera inconsistência conceitual ou filosófica, trata-se sim de um problema político, de princípio epistêmico;
trata-se de ignorar todas as brechas, rachaduras, todas as inconsistências de um discurso universalista de modernidade;
mas ignorar em troco de quê?
diante de que necessidade estaríamos?

pode interessar aqui uma unesco enquanto agência de diálogo, enquanto contraponto discursivo visível, ainda em sua função ambígua de homogeneização da diversidade e pasteurização do que seja resistência ao colonialismo universalizante do capitalismo;
mas toma-la como princípio ou foco do debate seria disparate ou tolice;

por outro lado, que fique claro que não buscamos descrever ou caracterizar objetivamente dois modelos ou dois regimes de conhecimento;
trata-se de caracterizar um regime que se quer universal e outros que se caracterizam pela própria efemeridade e não por buscarem impor qualquer outra universalidade;
a universalidade ocidental não pode ser projetada nesses outros regimes como pretende o relativismo;
esses outros regimes parecem dizer, simulando alguma irresponsabilidade: me inclua fora desta;

nesse sentido que se pode pensar nas maneiras com que as sociedades ágrafas podem afetar a cultura escrita;
inicialmente, a primeira maneira de afetá-la será traçando uma genealogia, ou seja, desconstruindo os valores da escrita;
não se trata meramente de um recurso para relativizar tais valores, trata-se sim de um dispositivo próprio a esse outro regime de saberes, o das máquinas de guerra;

não se trata portanto de relativizar, pois o relativismo já consiste num recurso que pressupõe equivalência entre os regimes de conhecimento, essa equivalência funciona na base da captura de tais máquinas de guerra em pressupostos dessa ciência régia;
essa equivalência que caracteriza o comprometimento do relativismo com o regime de conhecimentos determinado;

o propósito de estudar e verificar hipóteses sobre as implicações da cultura escrita em sociedades ágrafas reproduz fielmente a dinâmica etnocêntrica da relação entre conhecimentos cujo lastro nos interessa identificar;
apenas pelo curioso contraste, por que não inverter e estudar as implicações das sociedades ágrafas na cultura escrita;
a princípio, por que essa inversão problematiza de saída os pressupostos do que seja o propósito de estudar e verificar hipóteses sobre as implicações da cultura escrita em sociedades ágrafas reproduz fielmente a dinâmica etnocêntrica da relação entre conhecimentos cujo lastro nos interessa identificar;
apenas pelo curioso contraste, por que não inverter e estudar as implicações das sociedades ágrafas na cultura escrita;
a princípio, por que essa inversão problematiza de saída os pressupostos do que seja estudar e conhecer;
conhecer aqui não será levantar dados e explicar objetivamente a idéia de uma sociedade ágrafa;
conhecer e se relacionar pressupõe o contato necessariamente conflituoso entre esses regimes de conhecimento;
isso porque um regime de conhecimento não é visto aqui como manancial de saberes universal que podem ser acessados ou acionados para se conhecer uma realidade comum e universal;
conhecimento aqui se trata de práticas políticas de domínio e instauração de realidades;
nesse conflito, não acreditamos tratar de conhecimentos equivalentes, e sim de conhecimentos com naturezas distintas;
enquanto, de um lado, tem-se a ciência régia que consiste nos saberes institucionalizados como universais a partir do critério racional que dá sentido ao estado moderno, de outro, opera-se com saberes nômades, cuja a qualidade principal consiste na resistência ou na fuga dos aparelhos de captura que caracterizam o controle da ciência régia sobre (e/ou do) o mercado de conhecimentos e seus valores;

esses processos integradores do estado apóiam-se numa forte (por vezes fanática) crença nos valores universais de tais práticas e conceitos;
não se trata simplesmente da religião, que consiste na prática da imposição da fé e no produto de colonização cultural por excelência;
a prática catequética dificilmente poderá ser desvinculada do letramento, da laicização jurídica do estado e mesmo de toda a concepção de mundo científica que a sucede no ocidente como visão de mundo;

portanto, tomar simplesmente nossa tradição cultural, com todo seu peculiar liberalismo travestido de democracia (leia-se, marginalização dos descapitalizados), como direitos adquiridos dos povos indígenas a nossa tradição cultural, só pode resultar de uma deficiência intelectual que abate uma sociedade neo-liberal e super-capitalista;
mesmo a presença das supostas ‘diferenças’ em nosso cotidiano não se atribui a um fortalecimento da democracia via fortalecimento dos movimentos sociais;
em vez disso, atribui-se a um mercado de direitos e identidades que emerge com o aperfeiçoamento do controle social por parte do estado;
a diversidade de estado que se discute aqui não é uma diferença, pois ela visa estritamente um tipo de homogeneidade controlável;
a categoria dos diversos não pode escapar, não pode mais escapar, pois se reconhece os perigos com que ela ameaça o estado e a homogeneidade dos consumidores;

daí a educação indígena passar a ser apropriada em função das máquinas de guerra que possibilitaram a resistência milenar desses povos e não a partir da frágil e positivista retórica dos direitos universais à existência;
suas tradições que os possibilitaram de escapar aos processos integradores do estado, tais como suas estratégias de resistência ao sedentarismo, à catequese, à ciência ocidental, à ‘saúde’ ocidental etc e mesmo à escola e sua escrita;
mesmo os direitos, tomados de forma unânime como instrumento de fortalecimento das sociedades indígenas, só muito recentemente começam a ser relativizados, apesar do mutismo/silêncio em torno de questões fundamentais (não para resolver problemas, mas para mudar essa unanimidade) como a do pluralismo jurídico;


além disso, toda a relação de contato precisa ser pensada em sua complexidade atual, que contrasta com a aparente simplicidade da situação inicial e idealizada de contato, supostamente vivida por muitos povos nas últimas décadas;

esse contato com o estado pode ser caracterizado como contato televisado, por conta de seu imediatismo (abandono posterior de muitos recém-contatados, como os ikpeng), exotismo, anacronismo (acreditava-se reviver a saga dos colonizadores) etc;

pensar o contato em toda sua complexidade contemporânea exige colocar-se na posição de relação conflituosa entre civilizações e não mais na velha e esgarçada perspectiva de intelectuais de estado, tratando das possíveis soluções dos ocidentais para os povos indígenas;
o reconhecimento e a crítica desse etnocentrismo é conseqüência do exercício das perspectivas, enunciados e agenciamentos indígenas das últimas décadas;
a relação problemática dos indígenas com o estado, converte a tradição antropológica de toma-los como agentes de um processo histórico de integração, em práticas promissoras de resistência (múltipla e diferenciante) ao ímpeto universalista do estado moderno e do capitalismo pós-moderno;


problematizar alguns pressupostos que dão força e sustentam os conceitos em voga no que se refere aos processos de política educacional em curso nas e conduzido por sociedades indígenas;
as distinções fáceis entre sociedades letradas/sociedades ágrafas parece ainda partir do princípio da aculturação, em lugar de problematizar os jogos, as interações, as apropriações, as adaptações, as estratégias de captura na relação/confronto de conhecimentos;

também não se trata de simples aquisição de leitura ou escrita, visto que o que nos interessa é justamente os conflitos, as capturas, as reduções, enfim todo o processo de guerra e captura em torno da letra, da leitura, da legislação, da lei e toda essa cadeia (clastres);

ao se afirmar o valor da leitura e escrita como direito e mesmo dever, será necessário desconstruir esses valores e pressupostos;