11 julho 2008



o que está em questão, seja no domínio da religião ou no da ciência, é a imagem de futuro que elas criam, a imagem de futuro que acreditamos;
daí seu poder sobre o nosso medo ou nosso desejo;

produzir futuro a partir de fragmentos do passado, do inconsciente;
não se prender ao passado, a uma certa imagem do passado definida nos termos da tradição do pensamento ocidental;
voltar-se em valores do passado, valores perdidos, a isso conduz o culto moderno da razão;
não se trata de voltar ao passado, justamente um passado construído pela modernidade, por falta de opção;
não se trata de pessimismo, outra forma de escravidão, mas de liberdade;

interessante é a experiência de cultura e tradição vivida por esses povos, pelos povos indígenas;
o processo de revitalização com que essas culturas massacradas emergem na sociedade do capitalismo midiático coloca-as à prova;
à prova da história, à prova do passado projetado pelo progressismo moderno, passado como atraso, passado como selvageria, esses povos se reconstroem em seus artefatos, sua indumentária, suas práticas artesanais, seus cantos e suas danças, suas línguas,
reelaboram com suas mãos, diante de nossos olhos, processos de subjetivação, socialidades, conhecimentos tradicionais e, com isso, reformulam mutuamente as suas e as nossas concepções de subjetividade [corpo, pessoa, parentesco], tempo [história, passado, futuro, mito], sagrado [rituais, iniciações, nomes], conhecimento [verdade, pesquisa, poder];
diante desse processo de dessacralização dos dogmas de nosso senso comum [construído em bases tanto místicas como científicas], não há como manter intacta nossa imagem do conhecimento, da educação, da escola;



não se trata de copiar do vizinho;
quando falo que os indígenas possuem uma capacidade de desdobrar seu aprendizado estou pensando em outra coisa;
estou tomando a experiência da relação entre índios e brancos que deu origem à idéia ou ao conceito de extrativista [e de reserva extrativista por conseqüência];
falo da aliança dos povos da floresta como um processo de subjetivação que pode e deve ir muito além dos limites étnicos, muito além da associação entre revitalização da cultura tradicional e genética indígena;
falo de um processo reconhecido por poucos sábios como seu milton ou osmildo [mas mais que tudo, percebido em sua força pelo outro lado] que percebem que essa força pode ser apropriada como um instrumento político de resistência à laminação capitalista que nos pretende homogeneizar ou que pretende mesmo fazer das próprias subjetividades diferenciais um aparelho de captura e homogeneização ao se transformarem em mercadoria;
quando fiz meus estudos entre os indígenas, não houve pretensão que me ofuscasse o fato de a intervenção deles sobre mim ter sido incomparável em relação à minha sobre eles;

podemos nos voltar ao movimento sem terra, ao seu trabalho pela diversificação da produção contra a monocultura, nosso mesmo velho inimigo;
mas temos que reconhecer onde erramos, onde mistificamos nosso passado, senão vamos repetir a mesma história;

no entanto, não vejo saída por aí pois não se trata de uma questão de produção, mas de uma questão de desejo;
em termos de agroecologia temos uma promissora geração de agentes agroflorestais indígenas;
o que interessa nela é tanto as sementes que são plantadas na terra quanto aquelas que se plantam no coração das pessoas, no desejo das pessoas;
o capitalismo trabalha com o desejo das pessoas, por isso seu sucesso e seu poder: os seres humanos são máquinas desejantes mais que seres conscientes;
o desejo trabalha sobre a subjetivação com uma eficácia diversa da consciência;
a consciência dá a impressão de controle daquilo que escapa e fica restrita, circunscrita a um campo de ação limitado em termos de subjetivação;
a consciência tem uma associação estreita com o passado enquanto o desejo nos lança para o futuro e para processos de transformação compatíveis com as forças de subjetivação;

não acredito que a solução ou mesmo a parte mais interessante do processo seja a aprovação de áreas de conservação, pois penso que as mais importantes áreas de conservação a serem criadas são dentro das pessoas;
a parte mais interessante do processo é dar vazão aos processos criativos que oferecem alternativas ao capitalismo e sua relações intermediadas pelo dinheiro;

ainda acredito que não se trata de fazer distinções capitais entre política e cultura, ou política e arte;
podemos querer fazer política como arte e arte como política, afinal o que interessa são os agenciamentos de enunciação;

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