30 dezembro 2007

metamorphoses

há tanto tempo conheço o marcos, mas só hoje, numa foto, fui reparar em seus traços indígenas por trás da sua facha de branco;
estranha a forma como isso se deu, como se ele de repente assumisse essa sua identidade, como se ele até então fosse um dos nossos e de repente...
essa percepção e principalmente esse estranhamento me abrem os sentidos para perceber o circuito em que considero as pessoas, minha maneira de tomá-las e integra-las numa cultura e etnia homogêneas, assumidas por mim, na qual eu me reconheço, na qual eu mesmo me vejo tentado a cair numa homeostase;
estabeleço esse circuito integralizante que me configura dragando-me com voragem;
essa maneira de apagar-lhe a diferença, de toma-lo como um dos nossos como um ocidental, afinal de contas ele já não aciona meu estranhamento, pode passar incólume por minhas hostilidades à diferença e aos meus estigmas, pois a percepção dessa operação de redução começa a trazer à minha mente outras pessoas;
pessoas essas, contra as quais, mesmo afirmando sua diferença e sofrendo as consequências disso, eu mesmo pensava comigo: mas que caboclo nada, é um ocidental, vive aqui entre nós, como pode;

daí, enfim, nada dá a entender tão bem um processo, no caso esses circuitos em que se dá essa redução perceptiva (que também e principalmente é valorativa, como veremos) aparente), quanto compará-lo a outros circuitos que se estabelecem em relação a esse referido;

a percepção está estreitamente vinculada ao valor que atribuímos às coisas e às pessoas;
no caso operamos numa tradição em que a percepção-valor que dirige os recortes e investimentos com que configuramos a realidade, com que construimos nosso contexto, está referenciada pela identidade;
a imagem do conhecimento equivale a retirar o objeto de seu universo de interações, de seu movimento em devires, de sua singular diferencialidade;
são os padrões que orientam seja o conhecimento das coisas, a partir de um mundo e de uma percepção fixos, seja o conhecimento do humano, baseado na pré-noção de normalidade e no valor com que ela se contrapõe ao que lhe é marginalizado;

há muito tempo operamos com um sistema pautado na identidade;
sua forma de operação consiste em imobilizar o campo da percepção, universaliza-lo num sistema fixo e comum a todos;
essa construção (tradição, cultura, matriz) será então tomada como princípio, pressuposto, dado;
fixa-se essa instância, aquilo que chamamos de natureza (forma de percepção do mundo que imobiliza seu caráter aberto, de construção, de elaboração, de auto-poiesis) e libera-se a instância valorativa sobre aquilo que chamamos de consciência;
assim como a natureza, a consciência, por ser pautada na identidade, logo se definirá em função de leis que lhe serão estabelecidas;
confundimos mesmo as noções de consciência, como na expressão: tenha consciência, que se refere a tenha uma certa consciência, que, por sua vez, equivale a tenha uma consciência certa;

um pensamento da diferença e da multiplicidade, que borra a linha divisória que demarca as identidades, as subjetividades;
um pensamento da diferença que implica a percepção no processo de constituição das coisas, redefinindo o problema dos valores, que acompanham o infinitesimal no qual se perdem as leis e se transformam/redefinem as coisas-pessoas;
a ordem que estabelecemos para compreender as coisas acaba por constituir a dinâmica do próprio pensamento, passando a servir a fins de política institucional de conhecimento, em oposição à concepção de um conhecimento libertário, que vise acompanhar os devires do mundo como devires da percepção-valor;
por mais que busquemos valorar/valorizar a diferença, nosso pensamento persiste em manter como referências para seus padrões de verdade os princípios identitários e padronizantes;
a própria forma da argumentação volta a esses princípios, contra o que, o que pode funcionar será deter-se sobre a concepção de verdade dessa tradição em que nos movemos;

é certo que isso é claro;
mas não creio que seja tanto;
muitas questões relativas à busca e à conquista do poder se satisfazem consigo, como se fosse idiotice pensar nelas;
no entanto considero o poder um dos melhores temas para pensar, pelo menos dos mais bombásticos;
estava com o jairo e ele disse algo interessante;
disse que nós precisávamos mostrar para os extrativistas como era in, como era pop, enfim como era positivo, como podia ter valor;
isso, nessa mesma sociedade e nesses mesmos circuitos poderiam eles ganhar status;
segundo ele, era isso que a cpi teria feito junto aos índios: mostrado que, em contraponto a uma postura que os absorvia e estigmatizava, havia outra que os diferenciava e valorizava;
era apenas mudar a chave e se entrava nesse circuito;
a própria sociedade branca e seus circuitos midiáticos deixou brechas, ou melhor abriu mercados para serem ocupados pelo discurso do índio, pelo discurso do extrativista: esses espaços sendo acionados, esses personagens se projetam politicamente;
há muitos mercados envolvidos: mercado da diversidade cultural, das culturas tradicionais, mercado do ecologismo, mercado das identidades etc;

portanto, isso tem menos a ver com autoestima, como pensam algumas ingenuidades, e mais a ver com mercado;
essas subjetividades estão no mercado político (mas também em outros) há anos;
sua incapacidade de gestão desse processo resulta de um contexto complexo;

no entanto, é relativa a surpresa que me causou esse reconhecimento da porção indígena do companheiro;
a porção de ocidental do colega o permite passar por ocidental, mas também transformar-se eventualmente em indígena ou em acreano, que é algo que relaciona etnias de uma forma curiosa, ao constituir o biotipo e as feições desses descendentes de indígenas;
esse tráfego interétnico é que foi flagrado por mim, que não o registrara até então;


28 dezembro 2007

existir é diferir; na verdade, a diferença é, em um certo sentido, o lado substancial das coisas, o que elas têm ao mesmo tempo de mais próprio e de mais comum; é preciso partir daí e evitar explicar esse fato, ao qual tudo retorna, inclusive a identidade da qual falsamente se parte; pois a identidade é apenas um mínimo, e portanto apenas uma espécie, uma espécie infinitamente rara, de diferença, assim comoo repouso é apenas um caso do movimento, e o círculo uma variedade singular da elipse; partir da identidade primordial é supor na origem uma singularidade prodigiodamente improvável, uma coincidência impossível de seres múltiplos, ao mesmo tempo distintos e semelhantes, ou então o inexplicável mistério de um único ser simples posteriormente dividido não se sabe por quê;

(tarde: 98)

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26 dezembro 2007


falava há alguns anos de conhecimento oracular;

não tinha nada a ver com matrix, referia-me ao texto de seeger, correndo entre o gabinete e o campo;

seeger, mestre de eduardo viveiros de castro, escreve esse textinho, que inspira o nativo relativo do discípulo, texto que eduardo explicita a hermenêutica ou o método traçado para chegar ao perspectivismo, resultado de seu trabalho com uma discípula;

pois o texto de seeger conta também de uma relação mestre discípula, em que as obras se desdobram: o mestre obra, o discípulo dobra e o mestre desdobra;

chamei de oracular por depender do mestre estar aberto às pesquisas do discípulo, tomá-las como continuidade de seu próprio pensamento;

seria como se houvesse algo mágico na relação mestre-discípulo, como se a obra deste desdobrasse a daquele;



re(vi)vendo matrix

qual será o propósito de neo?

o problema da religião está presente no filme, as pessoas lhe pedem ajuda, oferecem presentes;

o seu propósito parece ser a liberdade;

todos procuram captura-lo na religião, mas ele está sempre colocando em dúvida, coloca em dúvida o próprio oráculo;

neo não compreende o destino, o predestino;

o oráculo é um programa que fornece um coeficiente de liberdade;

neo se pergunta de que serve essa liberdade limitada a sustentar o modelo, liberdade que serve para conservar e aperfeiçoar o sistema de controle;

neo é um hacker, um libertário, o maior libertário da parada;

toda sua preparação faz dele um libertário;

neo é um hacker e os hackers invadem programas;

pessoas como programas: esse é o universo da mais valia, da nossa sociedade;

a liberdade é algo que faz sentido nesse sistema, não há liberdade fora disso;

o arquiteto é o pai da matrix, criou os seres humanos;

seus padrões de perfectibilidade são rigorosos, ele é a figura do controle, do domínio e da força, do padrão;

neo é um hacker, especialista em escapar de sistemas de controle, de programas;

o oráculo opera com os desvios, com a função dos desvios;

os desvios fornecem modelos em momentos de transformação;

o oráculo guia esses desviantes, esses libertários que modificam o presente vislumbrando o futuro;

não é a fé que move neo;

ele procura compreender o que se passa, seu modelo é o do filósofo, do conhece-te a ti mesmo, ele é um buscador;

ele não se agrada dessa religiosidade, ele busca a liberdade e não esse misticismo que pouco tem de libertário;

nisso ele chega a colocar o próprio morpheus em dúvida;

morpheus é um místico, precisa propagar sua fé na profecia e no escolhido;

no entanto, ele dá preciosas lições para neo, como desmistificar o seu racionalismo diferenciando entre conhecer o destino e traça-lo;

24 dezembro 2007

o coeficiente de liberdade

de fato, interessante a questão de neo ao oráculo, confirmada e respondida pelo arquiteto;

se o oráculo consiste em parte do aparelho, a resistência e a liberdade que ela oferece consistem num determinado coeficiente de liberdade, que serve ao próprio equilíbrio, não apontando para nada diferente;

é assim que ela consiste igualmente numa forma de controle, um controle mais sofisticado para a manutenção de mais controle e do poder estabelecido;

tudo se resolve, para o oráculo, com o problema do futuro e da vida;

no entanto, isso é relativizado pelo arquiteto que trata da morte e das formas de vida a que se estaria disposto a submeter;


é interessante em se tratando do problema do mercado como essa instância que captura a liberdade e o desvio e os transforma, fazendo do veneno, soro para sua própria saúde;

e assim, faz do poder de transgressão um produto, corrompe essa transgressão;

trata-se dessa capacidade do mercado de converter a transgressão sistêmica, de apropria-la seja como subjetivação (consumo positivo), seja como crime hediondo (consumo negativo em que se subjetiva e individualiza essas transgressões de natureza sistêmica);

foi assim que a potência das minorias se tornou produto de mercado e de políticas públicas;

quando a maioria tomou o poder e estabeleceu um controle tão potente que passou a liberar coeficientes de liberdade às minorias, liberdade essa que possibilite estritamente o aperfeiçoamento de seus aparelhos de controle;

é assim que muitas pessoas, tais como eu mesmo, nos últimos cinquenta anos pensam estar operando na resistência quando estão aperfeiçoando sistemas de controle;

é assim na psicologia tornada controle social, na resistência tornada política partidária, no ecologismo tornado política ambiental, na educação tornada formação para o mercado, na arte tornada publicidade, no movimentos sociais tornados políticas públicas;

por isso se tornam engraçadas muitas críticas ao governo que tentam reaproveitar o discurso apodrecido dos movimentos sociais que serviram tão bem para guiar os cegos até a fogueira em que se encontram, fogueira essa da servidão voluntária;

não se vê aqui onde está o problema, por onde passa o problema da liberdade, seu limite é a consciência, não se ultrapassa o limite da idealidade consciente;

fica-se preso ao passado, à história, e o futuro é encarado com ressentimento, como dimensão apocalíptica;

a resistência é identificada com a tomada do poder, com macropolítica, tomando por referência o modelo de consciência racional que fundamenta a própria política à qual se combate;

por isso que somos facilmente capturáveis e apropriados por esse sistema e se continuamos resistindo a ele com seus velhos pressupostos, o que faremos alimentá-lo e estender sua vida;

assim é com o ecologismo que está preso em nossa ontologia, ao fantasma do natural, ao exterior e objetivo, enquanto dentro de cada um de nós não resta mais que deserto, terra árida, fogo;

seja revolução, seja ecologia passo a entende-las como inerentes à cada um de nós e a todos nós;

ontologia e subjetivação: trincheiras onde se pode inventar armas e combater;

o teatro (ator/diretor) opera com meios de expressão;

de saída é necessária a ruptura com a mímese e a verossimilhança, se do que se trata é de devir;
para essa diferença, pode-se dizer inicialmente que teatro não é nem religião, nem ciência;
(que) será arte?
mas para romper com o místico o teatro não assume a representação?
as questões proliferam;
não será o teatro a ligadura, ou melhor, não será o devir o liame entre esses mundos;

acender/ativar/acionar as potencialidades de devir possibilitadas pelo teatro;
a princípio isso se torna claro na matéria com a qual tenho mais intimidade, visto que venho trabalhando, escrevendo e lecionando sobre ela: a antropologia;
no limite, tem-se apontado para os devires, os agenciamentos de enunciação, conformados em nossas referências regionais pelo trabalho desenvolvido pela comissão pró-índio;

aqui convém compreender o problema da representação;
a representação configura nossa realidade, é o fundamento de nossa ontologia realista;
o século dezenove consiste num momento de transição para a modernidade, a qual promoverá uma nova fase da universalização do estado e da ciência, baseada no modelo ontológico com que conquistara então a alma das colônias;
esse modelo fundamenta desde a mística judaico-cristã até o racionalismo moderno pretensamente laico;

no entanto, a questão não se limita ao problema da representação e sua compreensão;
a questão só serve para apontar uma direção para propostas de linguagem;
pensar o teatro aqui é recolher seus recursos para evidenciar a diferença, a passagem da representação aos devires;
os movimentos não ilustram, os movimentos recriam, entram em relação de velocidade, reescrevem para traduzir;

mais movimentos

não devotam o passado;
tudo se apaga assim que passa;
a morte é bem saudada, no silêncio de passos que seguem, que não se agarram à vida;
tudo finda atrás de seus imensos calcanhares: vestígios, mundos, lembranças, mortos;
a inocência impulsiona para frente os olhos de seus espíritos, seus instintos;

23 dezembro 2007

movimentos - seis

só se leva aquilo que pode ser carregado, que se move;
só o que seja compacto, útil à viagem;
isso fez de nós pessoas leves que só carregam no coração o indispensável;
despojados de tudo mais, levamos o mínimo;
assim, também nossos gestos serão contidos, econômicos;

movimentos

é claro que a vida será entendida como uma andança;
respeitam tudo aquilo que se refere aos caminhos do destino, às encruzilhadas das decisões, aos fins de linha;
constituem uma ciência nômade da vida ou ciência da vida nômade;
tudo será cifrado e traduzido na chave/à luz dessa nomadologia;

movimentos - quatro

a noite desce como tempo de parada e repouso;
o dia é a hora em que tudo se agitava, em que tudo se move, que todos estão acordados;
a noite, o momento do fogo e seu estalar misterioso, instante da quietude em que tudo se assenta;


movimentos - três

só se guarda o que se pode carregar;
nem tudo que se pode carregar se guarda;
o que é pesado não pode seguir;
a leveza é valor supremo para esses varadouros;

movimentos - dois

tudo se move, os caminhos se definem por uma combinação de coordenadas: para onde ir, quando parar, que ritmo tomar etc podem depender das mais diversas referências como o canto de um pássaro, a floração de uma árvore, o rastro de um bicho etc;

movimentos - um

não tinham mais que aquilo que passava pelo caminho, tudo será direção;
os ventos, os sons, as luzes e as cores;
tudo mapa, indicação, impulso;
caminhar mantinha sua alma viva, como que acesa, em movimento;
tão viva quanto um animal;

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para viver andando, eles, antes, precisaram se tornar leves e se despojar do que tinham; eles; casas, animais, plantações, a abundância que os rodeava; a praia onde iam virar as tartarugas de carne salobra; o mato fervilhando de pássaros cantores; ficaram com o indispensável e se puseram a andar; foi castigo a marcha pela selva? antes uma celebração, como ir à pesca ou à caça na estação seca; conservavam flechas e arcos, os cornos com o veneno, seus canudos de tinta de urucu, as facas, os tambores, as blusas que vestiam, as bolsas e as tiras de fazenda para carregar as crianças; os recém-nascidos nasciam andando, os anciãos morriam andando;quando assomava a luz já estava mexendo-se a galharia com a passagem de seus corpos, já estavam eles, um atrás do outro, andando, andando, os homens com as armas preparadas, as mulheres carregando as gamelas e os cestos, os olhos de todos postos no sol; ainda não perdemos o rumo; o desapego nos terá mantido puros, então; o sol não caiu, não acaba de cair; vai e volta como as almas com sorte; aquece o mundo; as pessoas da terra não caíram também; aqui estamos;

(llosa, o falador)

14 dezembro 2007

pré-brancos e pós-índios 3
pensar dicotomicamente: índios ou civilizados, tanto resulta como perpetua uma imagem da subjetividade articulada com uma imagem do conhecimento;
por um lado, mantêm-se uma distinção, marca-se uma diferença;
por outro, apropria-se dessa diferença para suprimi-la, a polarização serve para suprimir o amplo espectro das diferenças;
de que forma? identificando o nome à coisa: o índio amansado deixa de ser índio, ou seja, o pólo que predomina é o civilizado, suprimindo as diferenças e conduzindo à homogeneidade;
tanto uma quanto outra polaridades são idealizações, em que as culturas são substancializadas;
a diferença serve à homogeneização;
os kuntanáua serão interessantes por evidenciar (mais uma vez) a idealidade e, sobretudo, a arbitrariedade de tais categorias-polaridades;
servem para suprimir essa dicotomização, para formular imagens dessa supressão, levam a compor a zona de indiscernibilidade branco/índio;

assim, não seria o caso de serem pré-brancos, de voltarem a ser pré-brancos para cumprirem os critérios estipulados pelos antropólogos e juristas de estado;
pois, se podem ser feitos estudos que comprovem sua ascendência indígena, que visem classificá-los na categoria índios, o mesmo poderá ser feito em relação à categoria brancos;
não serão excludentes;
definem-se homogeneidades, perdem-se singularidades, hecceidades, que podem contribuir para redimensionar não só a teoria como a realidade com a qual ela faz rizoma;
todo esse desperdício em favor das conveniências e de supostas e suspeitas justiças sociais?
mas, aqui, não se trata estritamente de uma questão jurídica, em que na maioria das vezes os fins justificam os meios (fins esses que acabam por sua vez redefinidos por tais meios);
visando garantir a terra (eficácia do antropólogo e seu estudo, sua perícia, seu laudo técnico) sobrepõe-se a processos outros, muitas vezes fundamentais à gestão do território, à auto-concepção do grupo que constituirá a base de seu processo de gestão;
toda uma geração de antropólogos se constitui nessa dinâmica de produção de laudos técnicos baseados na chave da identidade seja de povos indígenas, seja de extrativistas;

a ousadia dessa perspectiva consiste justamente em inverter essa ordem, da forma como propusemos que os kuntanáua poderão inverter a ordem do nosso pensamento;
pois o que aqui se propõe é enriquecer o campo conceitual com perspectivas que levam ao limite nosso frágil modelo de concepção do índio e da subjetividade humana;
e se eles não forem/fossem pré-brancos como o quer o estado e seu modelo de constituição de subjetividades, que busca encaixá-los nas velhas categorias criadas por seus intelectuais;

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pré-índios ou pós-brancos 2
em que os kuntanáua seriam bons para se pensar?
por um lado, a idéia tradicional de índio toma por referência a indianidade como um centro, como substância ou essência, a exemplo do que faz com nossa própria subjetividade;
os critérios com que concebemos a subjetividades aparecem marcados por sua instrumentalização na redução das civilizações e na ocidentalização do mundo em homogeneidades subjetivas e democracias igualitárias;
por outro lado, pensar os kuntanáua persiste em deslocar-se para as margens da subjetivação, ou melhor, redefine a imagem da subjetividade que passa da fórmula do ser para o movimento do devir;
não se trata de “ser índio”, menos ainda de prová-lo, a questão é tornar-se índio: devir;

a questão não é ser ou não-ser e sim a constituição tomada a partir de processos de subjetivação;
desloca-se o problema, muda-o de natureza;
o obstáculo à problematização da subjetividade consiste na imagem tradicional da subjetividade e do conhecimento, baseadas na essência, na substância, na identidade;
é aí que centramos fogo, deslocando o problema e tomando os kuntanáua como ponto de inflexão;
portanto, não se trata de encaixar os kuntanáua em categorias, defini-los em classificações norteadas pelos critérios do estado, por suas políticas e legislação;
em lugar disso, toma-se outra direção e o que se faz é problematizar o estado, seus critérios, seus valores, suas abordagens, visando a definição de estratégias rumo à autonomia;
esse é, em parte, o procedimento das máquinas de guerra, que se compõe com agenciamentos de enunciação apropriados pelo grupo;

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a questão é a seguinte: em que os kuntanáua são bons para pensar?
que recursos eles nos disponibilizam para a constituição de novos instrumentos antropológicos, novas categorias nativas, novas máquinas de guerra?
de que formas eles nos conduzem por outras dinâmicas de interação política?
qual a sua contribuição para se pensar mais uma vez, e sempre, o que será “ser índio”?

talvez para alguns problemas eles nos proporcionem perspectivas privilegiadas em relação a outros povos indígenas, tradicionais;
que nos possibilitam relativizar, ainda que provisoriamente e de forma experimental, nossa idéia ideal de índio e de indianidade;

entenda-se que ser índio aqui não guarda qualquer relação, que não seja de contraponto, com uma concepção transcendental do “ser-índio” tal como professada por indígenas filósofos (ou filósofos indígenas), tal como kaká werá o faz em seus livros;

o substrato de indianidade aqui referido está adequado ao devir, não se referindo portanto (aliás, contrapondo-se) a um super-ser, legitimado pela natureza;

a própria concepção ideal de índio, essa macrocategoria que por vezes equivale a não-ocidental (ou aos não-ocidentais da região) é apropriada pelos índios, principalmente em sua estratégias políticas junto ao estado;
daí essa idéia de índio, de cultura como coisa em si, como substância passa a se proliferar em diversas instituições indígenas, especialmente naquelas que resultam de políticas de contato, tais como escolas indígenas, associações, cooperativas etc, práticas de organização comunitária que possuem valor e reconhecimento do estado e do mercado;

as formas de subjetividade alternativas à nossa (essencialista, objetivista etc) mantém-se (talvez felizmente) circunscritas às instituições tradicionais, dado que seus recursos/ instrumentos não possuem prestígio fora delas (canto, dança, pinturas corporais);








02 dezembro 2007

como se dá isso? - assim me interroguei; que induz o vivente a obedecer e a mandar e, ao mandar, praticar, ainda, a obediência?
ouvi a minha palavra, agora, ó os mais sábios dentre os sábios! verificai seriamente se não me insinuei no coração da própria vida e até às raízes do seu coração!
onde encontrei vida, encontrei vontade de poder; e ainda na vontade do servo encontrei a vontade de ser senhor;
que o mais fraco sirva o mais forte, a isto o induz a sua vontade, que quer dominar outros mais fracos: esse prazer é o único de que ela não quer prescindir;
e, tal como o menor se abandona ao maior, para conseguir prazer e poder no menor de todos, assim também o maior se abandona a si mesmo e, por amor do poder - põe em risco sua vida;
é esta a abnegação do maior: de que é risco e perigo e um lance de dados com a morte;
e onde há sacrifícios e serviços prestados e olhares amorosos: ali também há vontade de ser senhor; por caminhos oblíquos, introduz-se o mais fraco na fortaleza e até no coração do mais forte - e, ali, furta poder;
e este segredo a própria vida me confiou: 'vê', disse, 'eu sou aquilo que deve sempre superar a si mesmo;
sem dúvida, vós lhe chamais vontade de procriação ou impulso no rumo da finalidade, do mais elevado, do mais distante, do mais multíplice; mas tudo isso é uma coisa só e um único segredo;
ainda prefiro o meu ocaso a renunciar a essa única coisa; e, em verdade, onde há ocaso e cair de folhas, sim, é ali que a vida se sacrifica - pelo poder!
que eu deva ser luta e devir e finalidade e contradição das finalidades: ah, quem adivinha a minha vontade, certamente adivinha, também, que caminhos tortuosos ela deve percorrer;
o que quer que eu crie e de que modo quer que o ame - breve terei de ser seu adversário, bem como o do meu amor: assim quer a minha vontade;
e tu também, que buscas o conhecimento, és apenas uma senda e uma pegada da minha vontade; em verdade a minha vontade de poder caminha com os pés da tua vontade de conhecer a verdade!
certamente não encontrou a verdade aquele que lhe desfechou a expressão 'vontade de existência': essa vontade - não existe!
porque: o que não exite não pode querer; mas o que é existente, como poderia ainda querer existência!
onde há vida, também há vontade: mas não vontade de vida, senão - é o que te ensino - vontade de poder!
muitas coisas o ser vivo avalia mais alto do que a própria vida; mas através mesmo da avaliação, o que fala é a vontade de poder!'
assim um dia me ensinou a vida; e destarte, ó os mais sábios dentre os sábios, resolvo também o enigma de vossos corações;
em verdade, eu vos digo: um bem e um mal que fossem imperecíveis - isso não existe! cumpre-lhes sempre superar a si mesmo;
com os vossos valores e palavras do bem e do mal, exerceis poder, ó vós que estabeleceis valores; e este é o vosso amor oculto e o esplendor e o frêmito e o transbordamento de vossa alma;
mas um poder mais forte, uma nova superação nasce dos vossos valores: faz ela romperem-se o ovo e a casca do ovo;
e aquele que deva ser um criador no bem e no mal: em verdade, primeiro, deverá ser um destruidor e destroçar valores;
assim, o mais alto mal faz parte do mais alto bem: mas é este o criador;
falemos nisso, ó os mais sábios dentre o sábios, ainda que seja tarefa espinhosa; silenciar é pior: todas as verdades silenciadas tornam-se venenosas;
e que se despedace tudo o que possa despedaçar-se de encontro às nossas verdades! ainda há muitas casas por construir!
assim falou zaratustra;
(zaratustra, do superar a si mesmo)



'vontade de conhecer a verdade' chamais vós, os mais sábios dentre os sábios, àquilo que vos impele
e inflama?
vontade de que todo o existente possa ser pensado: assim chamo eu à vossa vontade!
(...) quereis ainda criar o mundo diante do qual possais ajoelhar-vos: tal é a vossa derradeira esperança e embriaguez;

zaratustra, do superar si mesmo
hecceidades 4
tratava-se de se desvencilhar do caráter extensivo da etnografia clássica, que prima pela objetividade realista e a descrição detalhista, associada de longa data à arte dos naturalistas, para trabalhar com um material que visasse possíveis literários livres da cristalização padronizante da retórica cientificista;
por isso voltar-se com tanta insistência para o corpo do trabalho, pela intenção de compor um corpo-sem-órgãos que se emendasse às experiências mais que fizesse referência a elas, que compusesse com seu campo de intensidades um corpo com tais experiências, emitindo partículas em relação de movimento e repouso, estabelecendo com elas zonas de vizinhança;

portanto, esse foi um dos princípios científicos, tomado em seu campo de valores como pressuposto indiscutível: trata-se da identidade, princípio que remete aos fundamentos mesmo da lógica, instrumento por excelência do conhecimento científico, que possibilita o estabelecimento das categorias;
propor uma problematização de tal princípio de identidade do saber científico requer aqui não só reconstituição de sua gênese como a demonstração do campo de valores que acompanha tal princípio;
a partir daí, uma outra proposta metodológica deverá resultar;
o paradigma da criação literária e, nele, mais que a concepção de criação literária pautada no conceito igualmente aristotélico de mímese, de imitação do real, de analogia, é da noção de devires que nos servimos;

definir hecceidades, portanto, repercute em operar com um instrumental metodológico que faça frente à tradição filosófica e, daí, científica do ocidente;
um dos primeiros movimentos consiste na apreensão daquilo que culminará com a concepção histórico transcendental do século dezenove, o espírito de objetividade e neutralidade axiológica do positivismo, enfim, da tradição metafísica ocidental, matriz do representacionismo clássico;
da supressão do corte essência/aparência, mundo/representação, resultará uma metodologia que busca seu paradigma na literatura e seus devires visando redefinir, amansar a retórica científica;

ao propor hecceidades em lugar de ordens, de padrões abstratos, elabora-se a questão dos pressupostos e dos valores que os mantém;
esse problema abre para uma outra questão;
trata-se de trazer à tona algo que ficava no estrato dos pressupostos e constituía aquilo que será concebido como plano de imanência, um campo de valores que se absolutiza, apagando-se do campo de referências;
dobrar-se sobre o campo de valores em que ganha referências, o campo social no qual o conhecimento tanto ganha, quanto constitui sentido, eis o gesto proposto pela genealogia;daí, não se restringe ao trato de conteúdos, pois a própria forma é convocada a voltar-se sobre si, daí seu caráter metateórico;

hecceidades 3
assume-se então outra perspectiva que a da ciência em seu discurso passivo e interno, uma perspectiva de valores alheios aos da ciência conservadora, de sua teoria, de seus compromissos institucionais com o estado e outros financiadores, de suas hierarquias, de seus artigos de fé etc;

desde o início quis escapar à retórica generalizante da ciência aristotélica;
não queria estabelecer padrões, tirar fórmulas, chegar a denominadores comuns a partir da análise de material etnográfico;
queria antes trabalhar com experiências de iniciação que fossem mais particulares e excepcionais que propriamente generalizáveis;
é certo que dificilmente se escapa ao controle da busca por identidades e padrões, ideal de verdade científico e antropológico portanto;
enfadava-me a infindável busca por ordens genéricas/generalizantes dos textos antropológicos, mesmo aqueles que narram as mais particulares experiências;
passei desconfiar da função de tal retórica da generalização, a qual não se bastava na explicação pela tradição do organum aristotélico;
dessas particularidades interessava-me elaborar um método que desse conta de hecceidades, algo avesso à ciência régia do controle e mais afim à literatura ou a um saber nômade, pronto a se desfazer no momento em que se tentar aprisioná-lo em padrões;
com esse fim emprego a descrição das experiências rituais;
essas descrições não servem de suporte para a comprovação de generalizações ou para o estabelecimento de ordens aleatórias, tem antes a força literária de compor campos, de transcrever experiências, sentidos, atmosferas, personagens;

hecceidades 2
o segundo movimento da pesquisa consiste na reflexão sobre o anterior e na constituição de um estatuto próprio à pesquisa;
consiste na reflexão teórica e metodológica do lugar dessa pesquisa, numa problematização política de sua função, seus usos pela academia;
consiste, a partir daí, no estatuto de seu uso como instrumento de resistência de parte dessa perspectiva, portanto, de sua apropriação enquanto máquina de guerra, ou seja, a colocar os problemas dos valores e pressupostos implícitos na relação proposta pela perspectiva acadêmica, entre esses conhecimentos;

por isso, após a apresentação sucinta dos resultados e reflexões propostos pelo campo, focalizando objetivamente os guarani e seu conhecimento, o enfoque passa a ser a ciência praticada em ato, a apresentação da desmontagem do plano de composição a que teria conduzido a abordagem do conhecimento ou o devir guarani;
essa passagem de um movimento a outro é conduzida portanto pela natureza do material abordado no primeiro movimento e por se levar às últimas consequências o jogo e perspectivas que conduzirá à uma desmontagem dos valores pressupostos no conhecimento praticado na dissertação;
a abordagem do conhecimento guarani na perspectiva acadêmica conduz a uma abordagem do conhecimento acadêmico numa perspectiva, que visa dar conta de pressupostos e valores que de outra forma, sem o percurso percorrido no primeiro movimento não seria possível;


hecceidades
o texto de o que se ouve entre a opy e a escola (2005) possui dois mo(vi)mentos distintos;
diria que ele se desdobra em dimensões diversas;
o primeiro se define por uma pesquisa sobre o canto-dança como instituição social de iniciação guarani;
refere-se aos cantos e sua inspiração, as experiências em que esses cantos são recebidos ou ouvidos, como momentos em que se dá a iniciação dos jovens cantadores;
essa pesquisa está centralizada nas particularidades desdobradas da noção de ouvir, verbo que possui sentido na aprendizagem guarani e especificamente nesse processo de contato iniciático com o plano e os recursos do xamanismo;
esse primeiro movimento da pesquisa culmina com o relato do nhande ru luiz da aldeia jaguapiré;
enquanto gentilmente acompanhava-me até a estrada, onde tomaria o ônibus para retornar a são paulo, ao longo do percurso de nove quilômetros, tivemos nossa derradeira conversa;
nesses últimos momentos, eu luiz consentiu em narar-me sua primeira experiência xamânica, quando depois de cair doente vinha em tratamento com seu iniciador;
relatou que uma noite dormia na opy quando teve um sonho em que, deitado na rede, via aproximar-se dele um nhande ru de estatura acima do normal;
este encostava-se a ele, tirava-lhe um tufo de algodão escuro do ouvio e ensinava-lhe um canto;
tratava-se de seu primeiro canto de cura;
da estrutura
dadas duas séries, uma significante e a outra significada, em caráter de relação não-motivada, ou seja, arbitrária;
com isso, abole-se um suposto critério universal de valoração, fundado no caráter transcendental e moral que permitiria reduzir todas as civilizações a uma mesma civilização, todas as culturas a uma mesma cultura, que encerraria todos os sistemas de valores a um único sistema, que reduziria todas as ontologias a uma única;
eis o fim a que se presta a estrutura como resultado conceitual de um longo processo, eis o seu lugar definido;
julgou-se, por vezes, (seja por falta de epistemologia ou filosofia à etnologia, seja pelos limites de interpretação dos críticos) a se considerar o estruturalismo reacionário, que retrocederia as conquistas da consciência histórica e das agências das minorias;

isso sem perceber que jamais fôramos modernos, isto é, dando continuidade ao mito moderno;
a concepção de estrutura assegurou então a diferença, quando o pensamento todo-história da tradição transcendental, da civilização letrada quis engolir o ser dos devires da oralidade mítica, sob o pretexto de que este não teria história, não teria participação no tempo;
a partir daí, como resposta desse devir que virá de encontro à história, ela será imaginada então de uma perspectiva inimaginável, pois que será circunscrita com formas do tempo completamente estranhas;
o mito reconfigura a história, fecunda na história uma história oral;
isso para não entrar no rito e outras temporalidades e se ficar na temporalidade do mito, temporalidade esta não tão estranha à onipresença do pensamento ocidental;
daí, o mito não redefine estritamente a história, mas toda a tradição do pensamento que está assentado na história;
do pensamento todo-história do método histórico à história desnudada, contraposta ao mito;
não história como fato, mas como disciplina, instituição;
a confusão dessas instâncias, a identidade entre a narrativa e o narrado, estrategicamente propositada, faz da história um modelo universal de captura, modelo de fazer do tempo matéria de conhecimento, de transformar tempo em conhecimento;

a noção de estrutura possibilita então os primeiros exercícios de simetrização;
são esses exercícios de simetrização que conduzirão às máquinas de guerra das sociedades contra-estado elaboradas pela etnologia;
trata-se de uma simetrização de resistência, não mais com material inofensivo, e sim como forma de colocar a antropologia e seus instrumentos nas mão dos guerrilheiros do conhecimento, dos selvagens, dos terroristas, do resistentes, do rebeldes;
trata-se de estabelecer analogias com o estado como centro de distribuição do poder e centro de distribuição de sentido;
as máquinas de guerra se caracterizam pela guerrilha, por se posicionarem contra o estado;
contra o estado significa toda uma crítica da economia do conhecimento em relação ao estado e como ela pode ser traficada, tal como armas, para essas forças rebeldes;

foi via antropologia justamente que se possibilitou o escape, a fuga da história, do conhecimento enquanto história, da forma histórica do tempo que visava narrar o devir de uma única humanidade, de reduzir a multiplicidade a um único tempo;
a simetrização propõe ainda relações estruturais entre instituições;
trata-se de levar a sério o pensamento selvagem, assumindo não o seu conhecimento a partir de nossos valores ou dos valores de nosso conhecimento, a partir dos quais destacar-se-ão as qualidades de naturalista do índio;
trata-se de propor toda uma crítica dos valores pressupostos (e mesmo escamoteados) em nossa ciência, cuja tendência à generalização se impõe;
uma crítica de sua própria constituição como escamoteamento de valores em recursos como sua objetividade exacerbada, seu caráter histórico-transcendental, sua suposta neutralidade axiológica;

por isso trata-se de superar a assimiladora contraposição história/mito, para passar a definir armamentos próprios desse pensamento, armamentos que possam servir de instrumentos para fuga ou ataque à ciência régia, instrumentos que lhe infiltrem e corrompam, que tragam a nu seus fundamentos morais;


ainda hoje, como justificar a apropriação de a concepção do trágico em o que se ouve, de que forma a obra de nietzsche possibilitava particularmente chegar a uma perspectiva, construir uma posição sobre as práticas de subjetivação guarani;
um primeiro ponto seria o de justificar minha perspectiva acadêmica ao povo guarani que não fosse a de um jogo alheio e alienado de minha parte, pois percebi logo que fui admitido que havia poder (eficácia simbólica) num discurso a respeito de selvagens, algo de exótico para a academia, para a educação, algo que precisaria ser amansado;
logo percebi isso e precisava escapar às armadilhas teóricas a que todos os meus companheiros se submetiam;
uma forma de escapar foi de cara a ruptura com a retórica objetivista e interpretacionista da hermenêutica psicologizante do imaginário;
não podia transformar os guarani em exemplares dos universais psicológicos do imaginário;
daí a saída metateórica da epistemologia;

outro ponto se referiria ao julgamento, à apreciação de valor sobre a existência;
daí à questão de problematizar a irredutibiliade da existência e da subjetivação guarani via canto-dança ao pensamento acadêmico e sua tradição teórica, problematizando a ciência régia e seus resquícios da postura de valorização da existência;

a perspectiva acadêmica em mim insistia numa postura de julgamento à vida guarani;
eles persistiam como povo sem educação, ou ao qual caberia justificar uma educação, visto que é isso que valorizamos;

tratava-se de problematizar a forma do trabalho acadêmico;
o problema é que como a maioria dos estudantes se intimida diante de tal forma, constituindo-se essa estética tomada como método, num lugar do controle e do exercício do poder acadêmico por excelência;
trata-se do você sabe ou você não sabe;
por isso, cabia de saída colocar o problema de uma estética generalizada definida por nietzsche no trágico e na teoria do enunciado foucaultiana, e legitimada no imaginário por bachelard;
ainda mais por que essa seria uma bandeira do catecismo do imaginário: a liberdade estética como resultado da desmontagem do discurso da racionalização tecnicista;
mas descobri que ela se limitava ao plano do conteúdo, dado que a forma da composição acadêmica, o método, ainda estava nas mãos do especialistas que definem que faz certo e quem não está ainda como deveria;
o interessante foi que, apesar dos problemas políticos com que fui depreciado, a dissertação se colocava para além do problema do julgamento, não se prestava ao julgamento;



simetrização
se a antropologia pode ser pensada (mais em termos críticos e metateóricos que em termos positivos) como campo próprio de tradução ou simetrização - num campo semântico - ou de guerriha (máquinas de guerra) e apropriação de técnicas (nomadismo) - noutra perspectiva, ou seja, situando a antropologia nessa função de mediação de sociedades superpostas, para as quais será mais certo tratar-se por socialidades ou devires ou seja á o que for que contradiga o substancialismo da noção de sociedades;
enfim, colocá-la nessa função resulta de um processo de reflexão metateórica que remete ao momento de emergência da disciplinas, ou aos momentos;
primeiro um momento histórico e político, que remete à construção histórica dos estados-nação que se propõem a por um fim nos selvagens;
fim este já não mais genocida, mas etnocida já que se dá conta, no exercício de seus aparelhos de controle social, de que as subjetividades não se confundem com os corpos e que mais que almas, os selvagens constituem mão-de-obra e mercado, ainda que servindo ao assistencialismo estatal;
segundo, o momento teórico em que se reflete justamente sobre os limites de um civilização generalizada, os limites do ilimitado império ocidental construído de valores;


que se contraponham dois discursos por um lado e por outro se os identifique;
ao discurso mítico contrapor-se-á certa filosofia, a certa filosofia que se identifica ao que será reconhecido como pensamento científico, buscando muitas vezes despoticamente valorar-se como forma imperativa da verdade;
aqui a racionalidade como crepúsculo da universalidade, petardo da civilização, contrapor-se-á ás trevas da moralidade religiosa, do universalismo assentado sobre a crença em um bem e um mal comum e em si, transcendente ao campo de valores determinado pelas culturas;
nesse momento, a humanidade pode abrir seus ouvidos e suportar, em nome da ciência legitimada pelo estado com suas igrejas denominadas escolas e sua bíblia denominada ciência, a desforra do ateísmo, ou seja, a afirmação de valores dissonantes contra justamente a instituição instauradora de valores por excelência;
é a liberdade de se desmontar o discurso dos discursos;
no entanto, o racionalismo encontra rapidamente seu limite na crítica a esse discurso a partir da qual tudo o mais passa a ser mero insulto e injúrias, julgamento e vingança;
isso se dá por conta da identidade entre esses dois discursos;
essa identidade é o limite da crítica racional a discurso da fé;
ao se alienar igualmente do campo moral em que se desloca e colocar-se transcendete à ele, o discurso racionalista comete o mesmo erro, realiza a mesma ação que o religioso, tornando-se tão fascista quanto ele ou pior, pois descarta qualquer coeficiente de fé da prática e da verdade científicas, objetivando-a ao cúmulo;

o problema do valor entre os gregos e entre os semitas: dois momento de nossa civilização;
até chegar à genealogia, quando elabora uma forma bem particular de interação entre as duas culturas, nietzsche conceberá uma economia da culpa que tem continuidade de uma à outra;
o problema aqui gira em torno da questão do valor da vida, do modo como os valores perpassam os pensamentos, formulam a noção de verdade, configuram as instituições, instituem psicologias como forma de controle político-social;
vontade
a vontade, tomada por vontade de viver, foi o contra-conceito elaborado a partir das doutrinas evolucionistas;
foi com esse contra-conceito que se propõe contrapor oficialmente aos excessos de moralismo que resultavam da tradição metafísica;
a arte, a concepção artística de nietzsche para o pensamento enquanto criação, enquanto experiência, amor fati, libera-o do seu biologismo e da concepção tosca dos instintos para resgatá-los numa outra dimensão;
coloca em jogo o trabalho literário e artístico para a criação conceitual;
a subjetividade nietzscheana desmonta o padrão de subjetividade (ciência reacionária: explicação e controle) definido pela razão, universalidade do humano pela razão (sonho do estado) desmontando o que há e em que consiste esse discurso iluminista em termos políticos de apropriação pelo estado para o controle do rebanho;

em lugar disso, afirma e reafirma com zaratustra: os homens não são iguais, e empreende uma crítica genealógica a essa obsessão pelo padrão, pela identidade, típica do espírito gregário;
é por isso que valoriza o homem solitário, o viajante noturno, por isso exalta o nômade do deserto;

a ciências humanas se deixam configurar a partir do espírito gregário, tem nele seu objeto, dada sua gênese de aparelho de estado;
nietzsche observa que a vontade de viver, mais que explicação (uma crítica no seu caso), conduz a uma justificativa para o espírito gregário;
no entanto, não descarta a vontade, que será reformulada como vontade de potência;
é então que define sua concepção de subjetividade, elaborada em zaratustra;
vontade de viver (como toda a gama de conceitos fundados nessa matriz metafísica) equivale à vontade de preservação do homem, da concepção de subjetividade ou da prática de subjetivação reacionária, configurada historica-socialmente, que visa conservar o sujeito, elaborando uma ciência, uma ontologia para justificar o sujeito, a consciência, o homem;
diz menos da natureza que da vontade reacionário dos homens;
todo esse movimento reacionário é que toma conta do conhecimento, da forma do conhecimento no século dezenove e sua forma de conceber a tradição ocidental, de conceber a história, de conceber-se como/enquanto história;
o trágico então serve para definir o método para se trabalhar sobre o humano enquanto material artístico, como matéria prima em vez de obra acabada;

foucault é um autor que dará encaminhamento a esse método;
vai trabalhar inicialmente sobre as noções de discurso e enunciado visando a suspensão da fronteira entre científico e literário e a concepção de verdade (metafísica) sustentada por tal dicotomia;
concentrando na função do discurso (genealogia) e sua configuração em relação ao campo de valores e aos jogos de força definidores dessa concepção de verdade, mais da função (política) dos discursos do que em sua forma de mímese, define uma representação clássica, um período em que a representação define a forma do conhecimento e da verdade;
supera com sua teoria do enunciado a dicotomia fundamental entre ciência (que representa a realidade, ou melhor, vinculada o período clássico da representação) e a literatura (que fornecerá a forma do conhecimento e da verdade a partir de fins do século dezenove);
essa teoria dos enunciados conduz justamente à crítica genealógica do discurso representacionista que se oculta ao mesmo tempo que dá a perceber;


a filosofia se constitui em torno do problema da virtude;
do compromisso do homem com a polis;
o certo é que se trata aqui de uma filosofia de estado, filosofia que se contrapõe ao mito para definir-se como religião, num primeiro momento pela moral e num segundo pelo racionalismo;
tanto uma quanto outra fundamentadas na metafísica;
essa filosofia de estado define seu programa: conduzir a vontade através da razão;

desde a concepção (irônica) hobbesiana da sociedade como supressão das vontade individuais por uma força mediadora, controladora, condutora, até o tabu do incesto como mito fundador do homem freudiano;

a vontade só retornará a esse com outro valor quando enquadrada nesse esquema moral do pensamento de estado, esquema este redefinido no contexto capitalista o século dezenove;
o esquema moral da filosofia grega que se achou por bem cristalizar (ou cristianizar) contrapunha a virtude à vontade, a razão ao instinto, sendo que o instinto se define aqui, no esquema da consciência socrática, como bestial, vicioso, digno de vergonha;
não precisa nem dizer qual o povo que deu esse cunho ao esquema moral grego e de toda filosofia dele decorrente;
é clara a apropriação cristã desse pensamento para seus fins;

a vontade retorna no esquema de um pensamento que justifique a era industrial, a mais valia, a exploração do homem, o controle social, a concorrência e todo o repertório liberal do capitalismo do século dezenove;
o capitalismo que se apropriara por tanto tempo da moralidade cristã, apropria-se agora do discurso científico para justificar-se, para elaborar uma razão e uma técnica à imagem da natureza;
o estado investe então no controle social, dando origem a novas técnicas de controle e enquadramento;
a liberdade requer um controle redobrado;
a vontade se associa agora ao consumo, à concorrência etc, enquadra-se na economia discursiva do capitalismo;
nietzsche não se mantém circunscrito aos pressupostos da tradição, ou da tradição forjada por sua época;
encontra uma saída, saída que não deve ser simplesmente declarada, pois ela se trata de fazer aparecer aquilo que é oculto no discurso, na perspectiva positivista;
a apropriação política do homem, do pensamento, sua apropriação pelo estado, sua neutralização, sua redução ao espírito gregário e reacionário;
como a própria filosofia está envolvida nesse processo com seus conceitos e personagens conceituais de estado;
noções como consciência e outras que visam assegurar uma forma para o sujeito projetado pelo estado e seu espírito gregário;

ele objetiva dar a perceber o plano de imanência, redefinir a filosofia a partir desse plano, acentuando o que há nela de literário, afastando-o de seu ímpeto pela mímese, sua vontade de saber guiada pela metafísica à identidade com qualquer mundo pressuposto;
o discurso como força de constituição desloca o fundamento representacionista com que a filosofia reacionária define sua história, sua tradição;

ele não segue a tradição dos modelos, encaixando-se no interior do discurso filosófico;
apropriando-se da perspectiva artística para imaginar o conhecimento e o próprio homem: sua subjetividade não como consciência, forma inaugural com que a razão concebeu o homem como sujeito transcendental em lugar do ética grega da estética de si definida por nietzsche como trágico a partir do místico dionisismo da arte dramática;

descortina o que há de reacionário nessa forma do pensamento representacionista que visa definir o ser, a consciência, os valores, a natureza e as demais imagens da verdade pautadas na transcendência de um discurso que visa menos que criar, conservar em formas determinadas utilizando-se para tanto da máquina de produção de verdades que se torna a ciência;
por isso criar se torna o movimento do pensamento aqui, para inclusive mais a frente suprimir o próprio pensamento como instância intermediária à criação;

máquina de conservar torna-se a razão da tradição metafísica a que remete a filosofia socrática;
escapar a essa imagem da tradição, a essa 'história', nisso consiste o mote do pensamento em que resulta essa obra, traçar mapas que possibilitem encontrar outras tradições, operar a criação de novos precursores para os futuros possíveis;
eis uma tarefa da genealogia da moral;

se o discurso em torno do homem visa à conservação, promove-se o super-homem;
não o super-homem como super-ser, não é aqui que se concentra a sua novidade, ou melhor, isso seria inverter-lhe a função;
o super-homem não tem nada a ver com o ser, ele é personagem conceitual do devir;
sua importância se concentra na elaboração e operadores do devir e não nas elocubrações a respeito de super-heróis;
cabe, portanto e inicialmente, diferenciar ser e devir antes de, ou melhor, para partir para os operadores do devir;

a concepção do devir se dá inicialmente sob a forma da arte;
a arte então colabora para nos livrarmos das amarras da representação e definirmos o discurso científico como justificativa moral reacionária de realidades conformadas, do homem, do estado, da natureza;
a partir de certo momento, a insistência sobre a forma do ser humano própria do discurso artístico não cabe;
passa-se ao corpo-sem-órgãos para problematizar o orgânico, visando uma troca de perspectivas mais intensa;

em minha experiência chego a um momento em que não posso mais denominar de música o canto-dança guarani, pois, além da definição conceitual do canto-dança, não há equivalência semântica para se utilizar a mesma palavra;
além de definir a instituição canto-dança, cabe distinguir que eles não fazem música como nós;

a partir daí, entra-se no problema do xamanismo;
o xamanismo como ciência o devir, na qual o humano e a humanidade do humano serão redefinidas não como substância e sim como operadores do próprio devir;
a humanidade passa a se constituir aqui como função referencial na dinâmica de perspectivas que circula incessantemente entre os seres, a qual é própria da sociocosmogonia do xamanismo;

intelectual de estado
uma característica elementar do intelectual de estado consiste na prática de legitimar e com isso reforçar os aparelhos e com isso o próprio estado;
e seu discurso de objetividade bem disfarçada pelos velhos subterfúgios da metafísica, o intelectual de estado disfarça uma pseudo técnica que consiste em legitimar o complexo de pensamento em que o estado forja sua imagem e sustenta seu poder em nossa percepção;
a análise do discurso, e sua antecessora, a genealogia, operam com a desmontagem do discurso desse personagem conceitual;
o intelectual de estado legitima e é definido por uma ciência régia, um pensamento de estado, para incorrer numa redundância, dado que todo pensamento é de estado, o pensamento consiste numa via do estado, é no pensamento que o estado se concebe, por isso sua intimidade com uma ciência régia;
aqui se encontra uma via para se articular mais uma vez a ciência régia à sua matriz metafísica na qual o conhecimento é concebido;
conhecer então não se associa à técnica, ao fazer, à ação, ele se imagina como idéia, representação de coisas ou idéias, a concepção metafísica de verdade;

como o intelectual de estado se manifesta em todos nós, quando assumimos o discurso da medicina, da pedagogia, da agronomia, da técnica em geral como soluções gratuitas de uma ciência universal a problemas humanos, contribuo aplicando essas técnicas de definição de regularidades discursivas a esses agentes;
com isso elaboro meu próprio saber que não consiste num saber reativo de crítica dialética e sim numa genealogia de valores e análise de discursos;
saber que reflete saberes, saber que se desdobra a partir da percepção do campo imperceptível que lhe dá suporte;
vontade de saber 2
ao chegar em leibniz, chama-me a atenção o enunciado em que ele problematiza não a vontade de saber, mas a razão das vontades divinas;
além de que parece que toda vontade supõe alguma razão de querer, e que esta razão é naturalmente anterior à vontade;
leibniz problematiza a relação entre vontade e entendimento, tratando que aquela desprovida deste dá lugar a apenas um certo poder despótico;
portanto, deus não faz as coisas por que quer simplesmente, mas por que possui suas razões para fazê-lo;

daí ao postulado quatro que afirma: que o amor de deus exige uma inteira satisfação e aquiescência a tudo o que faz, sem que por isso se caia no quietismo;
nesse ponto leibniz compara os que não compartilham de seu princípio do melhor, deus faz sempre o melhor possível, a súditos insatisfeitos, e daí, a rebeldes;
ele insere aqui o princípio do melhor para preparar terreno à concepção de vontade presuntiva;
segundo o princípio do melhor, deus não nos quer inativos ou resignados, quietistas, e sim, colaboradores com a sua vontade, na medida em que a pudermos conhecer e fazer juízos sobre ela;
ao texto: creio pois, que, segundo estes princípios, para agir em conformidade com o amor de deus, não basta ter paciência à força, mas é necessário estar verdadeiramente satisfeito com tudo o que nos acontece segundo a sua vontade; entendo esta aquiescência quanto ao passado; pois, quanto ao futuro, não é preciso ser 'quietista', nem esperar ridiculamente, de braços cruzados, o que deus fizer segundo aquele sofisma que os antigos chamavam a razão preguiçosa; mas é necessário agir segundo a vontade presuntiva de deus, na medida em que a podemos ajuizar, procurando com todo o nosso poder, contribuir para o bem geral e. particularmente para o ornamento e perfeição do que nos diz respeito ou do que nos é próximo e, por assim dizer, ao nosso alcance;

veja que este postulado segue o de número três, em que o autor introduz o princípio do melhor, sendo sua problematização inicial em que desfaz qualquer relação entre aquiescência e quietismo;
o ponto em que apóia tal distinção consiste na dobra passado/futuro;
para com o passado cabe a aquiescência, para o futuro, a vontade presuntiva e não o quietismo;

vinha associando o conhecimento da matriz metafísica (histórico-transcendental) ao passado, buscando contrapor um pensamento, uma filosofia do futuro em conformidade ao pensamento nietzscheano, ou seja, com referências imanentes aos processos de constituição do conhecimento, conhecimento da ordem do acontecimento e não de faculdades permanentes, conhecimento como pactos provisórios resultantes de disputas, como efeitos de verdade determinados por falsificações;


vontade de saber 1
ocorreu então que tomei os resumos dos cursos de foucault no collège de france e ele, em seu primeiro curso, tematiza a vontade de saber, passando a pesquisar as práticas discursivas a partir de modelos teóricos a vontade de saber;
inicia por contrapor dois desses modelos: aristóteles e nietzsche;
dessa contraposição extrai-se dois modelos: no primeiro tem-se os postulados da metafísica clássica, no segundo, um concepção fundada na artificialidade do interesse humano;
duas concepções de distintas ou opostas da vontade de saber, do desejo que move o homem para o conhecimento;
enquanto a metafísica se apóia na harmonia testemunhada pela sensação e no prazer pelo saber, esse outro modelo resulta da luta e da imposição de verdades humanas umas sobre outras;

a seguir, o enunciado que me levou a ter com leibniz em seu discurso de metafísica:

esse modelo de um conhecimento fundamentalmente interessado, produzido como acontecimento do querer e determinando, por meio da falsificação, o efeito de verdade, encontra-se, sem sombra de dúvida, o mais longe possível dos postulados da metafísica clássica;
futuros
entenda-se que quando tratamos de antropologia do passado, filosofia do futuro etc não queremos nos apoiar em qualquer pré-noção definitiva desses termos, os quais são modelados no contexto de suas doutrinas, podendo revestir-se de sentidos bem diversos;
por exemplo, é certo que toda metafísica própria ao discurso histórico-transcendental do dezenove, que ainda campeia grandes latifúndios depois de dois séculos, a qual nos ocorreu caracterizar como o mais reacionário e votado ao passado dos pensamentos, se justifica numa idéia de futuro;
um futuro forjado à imagem do passado, uma forma própria de manipular o discurso;

quando falo igualmente de uma filosofia do futuro, e mesmo de uma antropologia comprometida com o futuro daqueles que escreve, isso não significa numa abolição do passado e sim do passado enquanto modelo epistêmico, enquanto forma de pensar;
refiro-me ao futuro enquanto matriz de pensamento, que reconfigure a imagem de passado, de história construída pela tradição metafísica;o compromisso com o passado é claro nessa filosofia que constitui seu método em grande parte sobre a genealogia de valores e a análise de discursos;