25 junho 2007

Já passamos o solstício e só agora estou podendo dar notícia de minha viagem no começo do mês para o encontro regional da SBPC em Cruzeiro do Sul, depois de passar uma semana na escola Yorenka Atame, em Marechal Taumaturgo junto ao monitores da Reserva Extrativista do Alto Juruá.

O contato com a reserva e suas questões de gestão me remeteram a experiências vividas em trabalhos na Reserva Chico Mendes, quando fui convocado pelo Centro dos Trabalhadores da Amazônia para elaborar um projeto que visasse a dimensão humana do manejo.


Sem dúvida, a problemática epistêmica é deveras interessante, ainda mais pelo fato de ser, de certa forma, o tema com que venho trabalhando há anos em minha pesquisa.

Explico-me: falo do conflito epistemológico entre o caráter tecnicizante empreendido pela concepção de manejo estudada na escola da teoria, a qual respeita as características de nossa cultura, tais como individualismo, propriedade privada como direito natural, bem como nosso mercado de trabalho, para o qual nossos engenheiros são formados.

Pois é, falo dessa concepção de manejo, em conflito com o manejo comunitário, cujos valores distinguem dos supracitados.

O negócio é que, por falar em valores, fui convocado (era uma das idéias originais) para dar, entre outros eixos, aula de Ética no Manejo.

Essa experiência de contato com os valores do povo da reserva consistiu numa experiência distinta daquela que vivencio com meus alunos em disciplinas como Ética Jurídica, num contexto universitário. Uma experiência marcante.

Foi dessa forma que reconstitui as estórias que lia nos livros de história do Acre e nas minisséries da Globo, passando a compreende-las a partir do valores que motivaram e motivam hoje seus moradores e parceiros.

22 junho 2007


acender a fogueira no solstício;

esquentar a noite mais longa do ano;

celebrar a vida em sua eterna transformação;

graças à natureza

12 junho 2007

mais lenha 6

são várias as questões que trazem essa questão;

de fato, aqueles que conceberam a reserva levaram certas concepções para dentro dela;

à experiência do sistema ocidental conhecido pelos extrativistas, marcado pelo monopólio comercial e pela escravidão (ou mais valia), a experiência indígena fornecia um modelo diverso, que possibilitava a constituição da reserva e o respeito à cultura extrativista (?);

a aliança dos povos da floresta forneceu um horizonte de valores baseado em experiências econômicas concretas, as dos povos indígenas, além de fornecer um solo moral articulado a essa experiência econômica;

já o extrativismo era a cultura da borracha, dominada por um monopólio interno guiado pelo monopólio externo do mercado internacional que acionava e suspendia essa produção de acordo com seus interesses;

acompanhado da economia, a organização política dos povos indígenas forneceria um modelo de gestão coletiva difícil de ser adotado pelos seringueiros que apesar de sua forma particular de utilização do território (estradas de seringa), se devia à sua distinta tradição, não marcada pela ordem familiar;

mais lenha 5

enfim, foi todo esse contexto que procurei definir quando me dirigi à mesa na sbpc, relacionando as reservas indígenas às reservas extrativistas, tendo aquelas servido de precedente para a concepção destas;

falava desse horizonte de valores indígenas que justificaram a reserva, o compromisso dos moradores documentado, entre outros documentos, no estatuto e no plano de utilização, que foram sendo abandonados pelos antigos valores da sociedade dos patrões;

e perguntava, retoricamente, para respostas nada retóricas, da aliança dos povos da floresta, em que vejo a possibilidade de um horizonte de valores que desloque a monocultura das mentes ocidentais;

mais lenha 4

como a escola era um exemplo marcante de como as instituições públicas são apropriadas pela oposição da reserva, foi nela que nos aprofundamos para analisar o processo político vivido pela reserva desde o início, com o conjunto de valores que possibilitou sua constituição (ou criação como se gosta de dizer), até o início de decadência da associação de moradores que perdura até os dias de hoje, período marcado por uma identificação cada vez maior com mal. taumaturgo;

não vejo essa condição tão naturalizada como o murilo explicita, ela resulta de um processo de intervenção política que vai de encontro, certamente, ao alinhamento de certos caracteres com esse horizonte de valores pregado pelo estado e identificado como os valores da cidade, de mal. taumaturgo;

prefiro ver o que há de processos sendo conduzidos, como a matéria paga da perpétua que a mari me mandou, em que a reserva é referida como zona rural de mal. taumaturgo;

parece-me que gosto de ver tais processos desnaturalizados, ainda mais que resultam de uma guerra antiga assumida por esses seringueiros contra o poder local que nunca os perdoou e jurou vingança sangrenta contra eles pela perda de seus privilégios;

acontece que gostamos de contar épicos, pois as guerrilhas cotidianas, que se dão nos imperceptíveis dos dias são desinteressantes para serem narradas e arrebatarem corações, é assim que se conta a história da reserva como uma criação e não como um processo cotidiano de constituição, de trabalho, de organização comunitária;

é assim que naturalizamos processos culturais, sociais etc, foi assim que fizemos desaparecer da história essa classe influente de políticos locais, a qual ficou na espreita e depois foi minando a organização interna da reserva, utilizando-se por vezes de seus próprios conflitos;

mais lenha 3

analisamos mais detalhadamente uma questão que me interessa sobremaneira: o imaginário voltado à escola, a escola como fator determinante do destino das pessoas;

grande parte dos restauraenses busca a vila afim de colocar os filhos na escola;

inocente, inicialmente, quando se falava de idade escolar, pensava em sete ou oito anos; devo estar ficando velho, pois espantei-me ao saber que idade escolar se refere a quatro anos de idade;

levantou-se que o sonho de consumo voltado à escola refere-se: ao filho se formar conseguir um bom emprego, saber alguma coisa, formar-se professor;

acho esse tema interessante por estarmos entre monitores da reserva, pesquisadores da floresta, pessoas sobre as quais a concepção de conhecimento letrado está constantemente em choque com a concepção de conhecimento vivido;

além disso, interessa-me a influência dos pesquisadores que fizeram escola na reserva sobre esse imaginário;

mais lenha 2

num primeiro momento na produção do grupo com o qual estava trabalhando;

esse grupo, denominado alto tejo estava composto por pessoas que não quiseram ou ainda não conseguiram estar na vila restauração;

era esse o olhar do grupo, olhar daqueles que ficaram, isso é marcante em sua perspectiva;

juntando comigo produzimos uma análise crítica, uma desconstrução, pois lidamos com pressupostos, das vontades e dos valores que levavam os moradores do centro a se deslocar para a vila, onde se tem maior chance de entrar no circuito assalariado, como empregado ou diarista, já que na vila corre dinheiro de funcionários, aposentados e pensionistas do governo em geral (bolsa-família e congêneres);

11 junho 2007

mais lenha 1

como pedido da mariana pra mim é ordem, cá estou eu aqui me apresentando pra colocar um pouco de lenha nesta fogueira;

vejo pontos de afinidade da questão do murilo com algumas questões que conversamos; essas questões foram colocadas especificamente em dois momentos de minha/nossa viagem;


Algumas perguntas:
>
> Será que todos na Restauração pensam o mesmo,
que o modelo MT é que é
bacana e desajável?
> Os que não pensam isto (se os há, como acredito),
dizem o que?

> Há projetos diversos para a Restauração?
> Há grupos representando estes projetos?
> Há diferenças de gênero, idade e religião definindo
estes possíveis grupos
ou opiniões?
> Com que tipo de reflexão o Projeto de Pesquisa
pode estar colaborando pra
todo este debate
(supondo que haja um debate)?

> Lembro uma vez da Eliza comentando (já faz tempo)
a sua surpresa quando em
alguma colocação que esteve
com o Mauro, o viu expressando livremente suas

opiniões políticas sobre determinado assunto
(acho que era época de
eleições):
mas como, como pesquisadores não deveríamos
não interferir
localmente? Será que eles
não vão ficar muito influenciados e adotar
nossas
opiniões só por que somos "sabidos" etc?
Logo ficou claro que não dá pra ficar calado,
e que o Outro espera que vc
se pronuncie.
O que ele vai fazer com isso é problema dele,
não está na nossa
governabilidade.
O modelo MT pode ser fortemente atrativo,
talvez hegemonico na "opinião
pública" da Restauração
[a propósito, o que é isso, opinião pública?],
mas
não preciso me curvar a este poder de sedução
- e sim denunciá-lo,
cutucá-lo, mostrar suas contradições.
Cada um escolhe o que acha que lhe
convém,
mas não preciso assistir a tudo de braços curvados
quando acho que
posso contribuir para decisões
mais conscientes. Quando tenho também minha
luta.
Abraço,
Mariana

Galera,


>> Fiquei na Restauração - que a Mariana sempre chama de
"coração da Reserva" - quase todo o mês de maio.
E a impressão que tive é que essa comunidade

>> não está muito longe de virar uma Marechal Thaumaturgo (MT).
As pessoas de lá já pensam como as de MT.
Já têm ambições e já perseguem projetos que estão em perfeita
sintonia com o modo de vida de MT. Mas se a Restauração - se a
Reserva - seguir o modelo de desenvolvimento de MT,
então aufwiedersehen.

>> A paisagem sonora da Restauração está se aproximando
da paisagem sonora de MT.

>> Quero agora saltar para uma meta-reflexão...
Uma reflexão sobre uns dizeres (à primeira vista,
bem bonitinhos) reforçados aqui e ali por

>> todos nós e que me parecem ser facas de dois gumes...

>> Uns dizeres que estimulam um tipo de atitude
que acho interessante para

>> a thaumaturguização da Reserva -
isto é, um tipo de atitude que acho desinteressante.

>> Não sei se vocês viram...
Mas durante a SBPC foi contada uma

>> historiazinha mais ou menos assim:
uma pesquisadora foi lá nos aborígenes...
O líder local perguntou o que ela queria...
Ela disse que foi lá ajudá-los.
Ele respondeu:

>> (P1) Se você veio nos ajudar, pode ir embora;
mas se você veio

>> integrar-se à nossa luta, pode ficar.

>> A gente gosta de bater nessa tecla,
a gente gosta de espalhar P1 por aí.

>> Mas P1 me desperta suspeitas.
Não nego que P1 seja uma frase bonitinha,

>> não nego que P1 possa nos inflamar
e nos transformar em microguerrilheiros.

>> Só nego que P1 seja um terçado de apenas um gume.

>> Pode muito bem acontecer algo do seguinte tipo:
1) um pesquisador leva

>> para a Reserva a idéia de investir em energia solar;
2) um morador

>> então lembra de P1 e manda esse pesquisador embora,
porque, ao seu ver,

>> os moradores têm precisão não de energia solar
e sim de combustol.

>> (A questão é que P1 pode ser implementada -
pode ser aplicada, levada

>> para a realidade - de maneiras imprevistas,
o que penso ser verdade de todos os dizeres do gênero.)

>> Só estou tentando jogar lenha na fogueira...
P1 pode ser usada de

>> maneira perversa...
Pode ser inoculada com o fim de manter a Restauração
nas trilhas que levam a MT...

>> Se vocês acharem que vale a pena,
cultivem essa lista de discussão.
Eu gostaria de estar em contato constante com vocês
- trocando informações, trocando idéias...

>> É isso aí...

>>

>> Abraços,

>>

>> Murilo.

09 junho 2007

decisões e propostas: compromissos; saudades de alguém; mudas na terra, palavras no coração; encontros e despedidas;

a convivência; os conflitos e delícias dos outros; avaliações das reservas: são tantos os problemas, e as soluções? os monitores e o progresso da ciência;

na escola yoreka atame; o mosaico de rostos dos monitores chegando para o treinamento; professor mauro almeida e sua equipe; dias de trabalhos; momentos de diversão; celebração de abertura de trabalhos na escola;

subir o juruá e adentrar a velha foz do rio tejo; conhecer roxo, tita, dona neuda; começar a ter contato com a reserva dos moradores, em suas vivências;

sobrevoar o acre, a floresta e os rios em companhia da minha amiga mariana; pegar o pequeno avião pra reserva extrativista do alto juruá, ver de pertinho as voltas do juruá e seus afluentes; descer na decadente mal. taumaturgo; conhecer a casa do benki e da julia; celebrar com os milton e o benki;


cheguei ontem; a cabeça ainda está na freqüência da floresta, a maresia do rio juruá;