20 maio 2007

exibição e debate sobre o documentário La rota del Pacífico

foram diversas as intervenções do público, divididas em dois blocos;

glória perguntou sobre a intenção de inserir os seringueiros e seu problema no filme, questão que muito eu me fazia também; depois, insatisfeita com a resposta, ela mesma voltou ao microfone e comentou sua questão;

emilson deu a mesma resposta que dava pra mim; referiu-se ao problema dessas pessoas que são brasileiros e sofrem essa expulsão;

gerson pegou o gancho para teorizar sobre o nacionalismo do senso comum, cuja ideologia vemos ser reproduzida nos depoimentos, fazendo uma crítica impiedosa à essa ideologia que instaura fronteiras e diferenças;

em minha fala procurei colocar que minhas diferenças em relação ao pensamento de emilson tiveram papel criativo e complementar, admirava seu trabalho e sua convicção otimista que fez com que o filme acontecesse;

sentimos todos a falta do professor marcos afonso que estava em sala de aula e não pode trazer sua turma para a exibição do filme e o debate;

numa pergunta sobre o que tinham os seringueiros a dizer, emilson sagaz passou a palavra para raimundo chagas responder, quando este pode mostrar seu discurso articulado e trazer um pouco o ambiente da floresta, da fronteira e de seus perigos num clima de guerra;

seu pensamento conservador e militarista se fez sentir em sua animosidade aos bolivianos e mesmo seu preconceito com os índios que disse serem pessoas em quem não se pode confiar, criticando o governo boliviano, chamando inclusive evo morales pela alcunha de o índio, sem considerar o conflito numa perspectiva política;

a noite fechou com consistência, os estudantes estavam impressionados com o resultado do debate e seu rendimento, tendo podido estabelecer relações diversas com o que estamos estudando e as perspectivas antropológicas e políticas apresentadas;

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rever o filme é uma experiência estranha, gosto das imagens, mas vejo muitos defeitos de continuidade, de narrativa; o interessante é que a maior parte das pessoas não percebe esses problemas técnicos e pode ver o filme mais por seu conteúdo; aí os elogios são muitos, as pessoas que puderam assistir ao filme ficaram encantadas;

emilson iniciou contando a experiência de produção do filme;

gerson iniciou com uma desconstrução do que entendemos por fronteira; acho interessantes as pontes que ele tem estabelecido entre seu marxismo de historiador e a antropologia; foi fazendo uma desmontagem histórica das fronteiras como marcos naturais, para fazer surgir a fronteira criada pelo homem na delimitação de seu território, pra chegar então à fronteira simbólica, referida no filme, de sentido metafórico; desta, inicialmente, ele beirou a fronteira;

foi delineando então o perfil monológico do estado que tem por fim integrar múltiplas culturas numa mesma ideologia institucional sob a idéia da nação e do nacionalismo;

o estado com esse seu perfil homogeneizador servirá de contraponto dialético perfeito para a exposição do multiculturalismo;

depois, em sua análise antropológica, via Bhaba e sua antropologia pós-colonialista, enveredou pelas características do homem pós-moderno, ou seja, depois que o estado já cumpriu a função de unificar o mercado global, o homem pós-moderno tem o direito à multiculturalidade;

o que interessou bastante foi que ele se referiu ao lixo humano, chamando a atenção para o caráter discriminatório e marginalizante do supercapitalismo do mercado global informatizado;

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exibição de la rota del pacífico e debate na uninorte

foi na noite de ontem (18/05), na biblioteca da uninorte, a exibição do filme la rota del pacífico – culturas de fronteira, seguida do debate com o diretor do documentário, emilson ferreira, e do professor gerson albuquerque, doutor em história.

tivemos ainda a presença de raimundo chagas, figura fundamental na realização do documentário como articulador, interlocutor e guia;

além desses o evento contou com a presença dos professores valdir calixto, na foto, professora glória, bem como do meu parceiro na realização do evento, o professor de ciência política professor israel;

a resposta dos estudantes foi bastante positiva, o auditório improvisado estava cheio, as intervenções foram em grande número e aqueles que me procuraram ao final estavam animados com o resultado;

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bem interessante a aula de marxismo do professor calixto, ontem;

parece que entendi alguma coisa sobre o marxismo da segunda internacional, a que ele tanto se refere;

segundo o que entendi, os russos teriam positivado o concepção marxista do socialismo, o que o marxismo da segunda internacional criticaria;

os russos teriam positivado o marxismo ao verem no socialismo o contraponto do capitalismo, ao conceberem o socialismo corporativo, que tinha como modelo o poder do estado;

no entanto, a dialética consiste numa tensão interna ao capitalismo sendo essa a eficácia do socialismo;

assim, o modelo do partido como máquina de tomada do poder resulta da interpretação corporativista do socialismo;

no entanto, essa interpretação corporativista me parece inerente ao pensamento marxista na medida em que tem seus pressupostos em resultando da matriz de pensamento ocidental: otimismo racional que redunda numa concepção messiânica de história e desenvolvimento;

esse pensamento corporativista redefine o marxismo por meio da chave criticista, o marxismo é a máquina dialética do criticismo, o que, me parece, reinvestir na matriz ocidental, ficando entre o otimismo dos credos modernizadores e o ressentimento negativista;

não consigo ver aqui, dada minha tendência estetizante, uma saída metodológica para essa epistéme;

17 maio 2007

tradução e traição 2

ao problema

há pouco mais de um século, quando a antropologia começou a se definir como campo autônomo de conhecimento, tanto epistêmica como metodologicamente, desprendendo-se dos velhos preceitos transcendentais da sociologia cientista e positivista, passou, então, a teorizar sobre o processo de produção de socialidade, definindo o seu caráter psicológico a partir dos estudos de simbologia religiosa e dos esquemas mentais dos selvagens;

a partir daí, as ciências sociais não seriam mais as mesmas;

com a emergência do estruturalismo, a novidade se desdobra nas especificidades metodológicas dessa forma de produzir conhecimento entre uma e outra sociedade;

sem positivar (como se constitui) a substância da socialidade em uma ou em outra sociedade, o sentido passa a correr entre elas, no interstício entre sistemas de conhecimento que simulam socialidades culturalmente construídas e reconstruídas (especialmente no caso da antropologia, assim como no do xamanismo);

a produção de conhecimento antropológico toma-se a si não mais na concepção realista, que busca descrever um real pré-determinado, mas se apresenta na gênese auto-constitutiva em relação com outro sistema, o qual também não tem por objetivo descrever positivamente, na forma da descrição realista, e sim apropriar-se de suas virtualidades, de sua imagem, visando reconfigurar seu próprio realismo com alcance epistêmico;

tradução

poucos de nós entendemos o gesto de manuela carneiro da cunha ao procurar apoio teórico na filosofia da tradução de walter benjamin para teorizar sobre o xamanismo;

com uma mistura tão heterodoxa, não nos passava pela cabeça que a autora retomava um texto clássico e mesmo fundador de um novo horizonte para a disciplina, horizonte esse que ainda hoje a orienta, como tem demonstrado o trabalho de manuela, de viveiros de castro e outros antropólogos que vêem, na antropologia, chaves que a conectam epistemologicamente ao pensamento filosófico;

pois não são aleatórias e gratuitas suas referências à deleuze e serres em relação a um ponto que é o central de sua tese sobre a tradução no xamanismo;

a tradução aqui não traduz uma linguagem por outra, mantendo o mundo fixo de uma à outra; o que se tem é uma tradução que apresenta consigo possibilidades de intervenção no campo de sentido que configura o mundo traduzido, ou seja, esse híbrido de essência e aparência que é o sentido em sua constituição;

taí a eficácia simbólica comum ao xamã e ao antropólogo, que teria aprendido com aquele, via Lévi-Strauss, a exorcizar a vontade de verdade que o mantinha preso a sua projeção transcendental de entidades substantivadas pressupostas de seu pensamento e de seu texto, liberando para pensamentos movidos pela simulação, pela produção de sentidos e verdades a partir da aparência;

a lição do xamã é uma lição antropológica, compreende-se que o deslocamento da antropologia para a análise da mística e da produção coletiva de sentido tem uma porta secreta que vai dar no próprio pensamento antropológico, o pensamento antropológico simula o xamanismo ao invés de se referir a ele realística e positivamente;


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a hermenêutica literária e, mais recentemente, os estudos do teatro definiram meu estar à vontade no universo das aparências e simulações de que resulta o exercício de supressão da dimensão das essências no pensamento;

essa dicotomia aparência/essência está na gênese da filosofia, do pensamento racional, quando este se distingue da mitologia e da literatura, para lidar com a realidade exterior ao pensamento, para definir objetivamente o mundo e ordenar racionalmente o cosmos;

relacionar pensamento e realidade, eis ainda hoje, o problema metodológico que se procura dar conta;

quais as especificidades do pensamento e as especificidades do mundo? poderá o pensamento refletir fielmente esse outro universo? como evitar os erros dos sentidos e faze-los parte da construção do conhecimento? se a linguagem não reflete, e sim constrói realidades por meio do sentido, como lidar com a tradição do nosso pensamento?

essas são questões que atravessam os séculos de pensamento filosófico no ocidente e estão articuladas com a dicotomia referida;

o exercício de supressão dessa dicotomia é típico de certa teoria antropológica que tem criticado a substantivação de alguns de seus conceitos, tornados entes no tal processo de atavismo do pensamento clássico;

refiro-me à velha parentela de dicotomias pensamento/real, natureza/sobrenatureza, natureza/cultura, essência/aparência;

na antropologia, o problema filosófico da representação versus construção da realidade via linguagem ganhará novo sentido devido ao seu trabalho na fronteira das culturas, das línguas e do sistemas de conhecimento ou dos pensamentos, assim como, pelos problemas político-epistemológicos que serão colocados por essa disciplina;

essa problematização de origem filosófica está na gênese da antropologia francesa de mauss a lévi-strauss;

mauss, a partir de seus trabalhos com durkheim, dá início à definição metodológica de um instrumental que viabilize a abordagem da produção de socialidade, redefinindo a abordagem cientista da sociologia, que intentava objetivar os fatos sociais;

buscando suporte no lado frágil da sociologia, o indivíduo e sua psique, a antropologia de Mauss vai dar vazão, vai desdobrar metodologicamente, para as dimensões metatextuais, enquanto a sociologia de durkheim buscava na sociedade, os processos de produção de sentido na sociedade, onde conduzirá sua concepção de cultura, não restrita a produto da sociedade, e sim numa dialética de produção e reprodução da própria socialidade;

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13 maio 2007

podemos definir positiva, didática e basicamente três modelos metodológicos;

o primeiro, segue o racionalismo clássico, consiste em analisar o objeto a partir de sua organicidade, de suas funções, da divisão de suas partes;

o segundo coloca o objeto numa dinâmica histórica, relacionando as partes e o todo em relação ao meio e sua constituição histórica, sua gênese no tempo;

nesse segundo modelo, a metodologia obedece à abordagem histórica, visando determinar características do objeto em sua gênese histórica;

um terceiro problematiza o trabalho em sua própria gênese;

aqui, a forma e a linguagem aparecem como elemento constitutivos que operam uma dobra do texto sobre si mesmo;

o texto dialoga consigo expondo suas condições, o tema não é perseguido de uma perspectiva ocultada, e sim de uma diálogo assumido com outros textos, do diálogo com todo o universo discursivo que define o contexto do texto para além de sua dimensão transcendente do suposto objeto;

pois só assim se faz a travessia e o contato com esse referente, só a partir da desmontagem da composição da imagem transcendente do objeto, do texto se definindo enquanto texto, que ele pode deixar o fantasma do objeto e manipular suas simulações;

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o pensamento que predomina no século dezenove, para universalizar sua realidade econômico-política de revolução industrial, assume radicalmente um caráter doutrinário, daí advém nosso desenvolvimentismo obsessivo, ensinado nas igrejas e nas escolas;

esse pensamento insiste no velho par opositivo evolução/atraso, associado à técnica, à tecnologia, que lhe serve de critério, de aval para atestar sua superioridade desenvolvimentista;

esse critério de valor é típico de nossa sociedade ocidental, cuja retórica evolucionista servirá como instrumento político-jurídico para dominar e explorar os grupos que se encontrassem à margem da suposta unidade transcendental evoluída da sociedade européia, resultado do enxerto das tradições judaico-cristã e greco-romana;

contra um discurso tão unidimensional e conservador, numa realidade tão desigual (brasil), em que mesmo o capitalismo, essa doutrina da desigualdade, se mostrava desconfortável dada a estrutura colonial governada pelas oligarquias, a qual deveria ser encaixada na retórica liberal, o que o movimento sociais utilizaram, não só no acre como no brasil, foi a boa e velha retórica marxista;

no contexto em que surge a antropologia, não havia, à disposição, instrumentos políticos de manifestação e seus respectivos espaços de expressão (hoje haverá...?);

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o interesse de se estudar a luta pela garantia dos direitos sobre conhecimentos tradicionais na perspectiva jurídica no estado do acre se deve às contribuições que o estado tem na definição da legislação socioambiental federal e no ordenamento do sistema nacional de unidades de conservação;

o estado possui um campo fértil para a pesquisa com profissionais que atuam na área com o referido tema;

desde as primeiras intervenções no estado por parte dos ambientalistas já tinha em vista esse suporte jurídico em formação, o qual não se imita ao ordenamento jurídico interno, e sim já está associado a um sistema que tem sua referência numa legislação internacional;

o socioambientalismo resulta da aliança entre essas forças internacionais e os insípidos movimentos sociais que, mesmo sem condições políticas no período da ditadura (a qual também resulta da velha influência imperial[ista]), emergiram nos marginalizados contexto da exploração ruralista, no qual a propriedade da terra e a exploração do trabalho remetiam, até essa época, à velha estrutura escravagista da experiência colonial;

assim, os movimentos sociais que tem sua gênese na luta operária, quando se instaura a função do indivíduo que, ao mesmo tempo que vende sua mão de obra, é o consumidor dessa sociedade, o que lhe dá um outro status nesse jogo econômico, associado à exploração dos trabalhadores, esses movimentos se desdobram com a expansão desse capitalismo europeu, acompanhado de seu modelo de ordenação política e jurídica, chega de forma particular às colônias, as quais já estão preparadas para recebe-lo com suas ditaduras devidamente instauradas;

foi por essa época que os trabalhadores do campo começaram a se organizar em sindicatos para conhecer e garantir os seus direitos junto à esfera pública, constituindo/efetivando mesmo essa esfera pública, visto que a política e o estado no brasil se constituem sob o signo do patrimonialismo liberal, que tem cooptado o estado liberal em função de políticas nada públicas que mantém a estrutura colonial e ruralista do brasil, mesmo com toda maquiagem progressista e democrática;

pois ainda se tem a impressão que a esfera pública, esfera do exercício da política se cria com decretos régios ou presidenciais, visto que em nossa histórica repressão o coro dos contentes é que sempre é agraciado com os bacalhais (pra lembrar o popular chacrinha);

o bom é que esse coro dos contentes que oprime as novas configurações de realidades políticas está sempre aí, marcando presença pra que não esqueçamos da ilusão de paz e acomodação em que estamos imersos, pois essa paz tem que ser mantida à custa de uma violência explícita;

estamos num contexto de uma total polaridade entre estado e populações tradicionais, polaridade alimentada pelo próprio capitalismo, pelas estruturas históricas de apropriação dos dispositivos públicos de poder por parte das oligarquias;

aqui a união entre estado e movimentos sociais, devido à própria natureza do poder do estado funciona como institucionalização e burocratização de um poder cuja força é justamente a de fazer polaridade ao poder dito público;

a convivência dos movimentos sociais junto ao estado e seus ricos projetos serve, sobretudo, para amansar e fazer o marketing democrático de um estado autoritário;

o sistema nacional de unidades de conservação determina assim que, dada a experiência política do socioambientalismo, que, como já se falou, não resulta exclusivamente da luta dos movimentos sociais, não fosse o interesse da política internacional do ambientalismo, se componham, determinados pelas instituições responsáveis (ibama, mma) grupos de trabalho definidos por pesquisadores e cientistas que vão estudar e dar legitimidade às formas tradicionais de conhecimento da natureza;

essa normatização, e esse contexto, que fará surgir o conhecimento tradicional como figura jurídica.

o primeiro elemento dessa apropriação coletiva da propriedade, característica principal na definição jurídica desses conhecimentos, o fato de serem coletivos, é a forma de organização da terra, que deve, no caso da reservas extrativistas respeitar as estradas de seringa e outros ordenamentos espaciais da sua organização social, enquanto o lotes que o incra tinha como modelo de colonização visavam recortes aleatórios em relação a essa organização;

assim, a primeira face dessa figura jurídica dos conhecimentos tradicionais já se define na própria organização e determinação do território na forma das reservas extrativistas, que, se acreditava, possibilitariam a reprodução da cultura extrativista ou sua reconfiguração própria;

a figura epistemológica desses conhecimentos resultará, nesse recorte, principalmente do problema que consiste na organização desses grupos de trabalho para reconhecimento das formas do conhecimento tradicional por parte dos cientistas;

essa questão problemática se dará no choque e incompatibilidade milenar e histórica desses conhecimentos, visto que esse choque e incompatibilidade se encontram no próprio mito fundador da sociedade ocidental e sua cultura científica de matriz greco-romana;

nesse mito fundador, o saberes tradicionais e coletivos se contrapõem aos saberes individuais, assinados, com autoria, individuais, os quais inventam, atestam e dão forma à figura jurídica do indivíduo como figura pública ideal portador de direito e deveres;

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o interesse sobre a dimensão da discursividade, a abordagem discursiva, o método filosófico que se volta para o conceito e seu plano de imanência como dimensão estrita do relacionismo, em que o sentido se movimenta nas superfícies, é o da supressão da dimensão transcendente;

nesse campo, segundo as regras que o definem, nada escapa à construção de sentido discursiva, a linguagem é o campo que determina o sentido;

dessa forma, a distinção primordial entre cultura e natureza perde o sentido devido à supressão de qualquer campo exterior à cultura;

a existência aqui passa a ser uma existência conceitual, o conceito só tem sentido e opera num campo de sentido prescrito e determinado;

essa dicotomia serve à definição do homem e sua imediata separação desse suposto universo: a natureza;
***

o que se requer talvez seja fazer uma análise das experiências que deram certo desde a criação das reservas extrativistas;

analisar, assim, os projetos de gestão em sua matriz epistemológica, pois aí está a contribuição da antropologia brasileira;

o que a experiência me mostrou, portanto falo com base na amostragem, num recorte, e não a partir da análise geral dos processos de gestão em todas as reservas extrativistas do acre, foi a falta de uma dimensão antropológica;

aliás, esse era justamente o problema que se visava abordar como demanda: a integração entre técnicos de gestão ambiental (seater) da resex e os moradores, agentes florestais comunitários;

no entanto, essa integração não parece muito clara ao próprio processo de gestão como um todo, no qual impera o tecnicismo;

nesse processo, o manejo aparece como forma oficial dos processos de gestão de território;

a falta de um distanciamento antropológico leva os técnicos do manejo, os engenheiros florestais, a uma ilusão bastante antiga, uma lição elementar da filosofia que foi apropriada pela antropologia como princípio da disciplina; trata-se da confusão entre natureza e cultura;

os desdobramentos de nossos dogmas modernistas e humanizadores de tradição colonialista e evolucionista conduziram o senso comum dos técnicos a um pseudo-respeito às culturas tradicionais;

digo pseudo por que não se sabe ao menos o que é cultura e se quer arrogar sobre o respeito a essas culturas, sem um devido acompanhamento antropológico e seus respectivos pareceres;

não que eu ache que tais questões só possam ser abordadas pelos antropólogos profissionais, esses técnicos da cultura;

é assim que esses cérebros tecnicizantes querem respeitar a cultura de seus interlocutores inserindo o seu tecnicismo no cérebro desses, afinal seu horizonte é este e não tendo sido dele, isso seria respeito;

pois é, para quem só conhece o mundo pela televisão, esta é seu critério de humanidade;

por que isso acontece, digo epistemologicamente, por que esses cérebros acreditam, com toda sua convicção que podem coexistir muitas culturas, é até humanisticamente muito bonito e, aliás, a engenharia florestal poderia ser uma ciência humana, não fosse o fato de que, quanto à natureza, aí a conversa é outra, estamos falando se seu território e, neste não se admite que entre e seria até absurdo, onde já se viu, que entrasse qualquer outro;

é assim, que a cultura do outro deve ser respeitada, mas não tem valor de mercado, é só de direito, café com leite;

taí o problema político que está minando o modelo das reservas extrativistas e já se generaliza na boca dos engenheiros florestais como fracassos das reservas;

só não assumem que o fracasso é da reserva deles, de seu modelo de gestão, seu manejo madereireiro;

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cabe situar a questão dos conhecimentos tradicionais como tema que nos possibilitará o entendimento dos movimentos e das veredas da antropologia;

o caminho de conquista do reconhecimento de saberes que se contrapusessem à ciência ocidental tem sido um árduo caminho de conquistas políticas;

trazer o conhecimento para o campo da cultura, deslocando-o do âmbito da natureza, ao qual o havíamos assimilado equivale a uma revolução política;

como toda revolução, os movimentos populares são também aqui utilizados como massa de manobra e o processo é assumido por grupos hegemônicos que dele se apropriam;

dois casos são: a apropriação do Estado em seu reconhecimento da educação indígena e o reconhecimento legal dos conhecimentos tradicionais visando reprimir a apropriação indevida desses conhecimentos na forma da biotecnologia e do sistema de patenteamento;

como a antropologia chegou a esses problemas, quais e como se deram as transformações de seus marcos teóricos, dos problemas por eles abordados e neles resultantes?

são essas questões que tornam a serem feitas, que podem ser reformuladas, a partir do novo contexto e de suas emergências, reformulando assim os problemas;

o evolucionismo resulta nas ciências humanas dos desdobramentos da dialética hegeliana como forma de contextualizar o pensamento numa dinâmica histórica e cultural;

um golpe no universalismo idealista, mas que acaba por incorrer, devido a pertencer à mesma matriz, em outro universalismo: o evolucionismo e derivados;

a antropologia se concebe como produto do meio evolucionista, fazendo do primitivo seu material de estudo;

sua constituição como disciplina autônoma, no entanto, com independência metodológica, dependerá da ruptura com o seio em que foi gerada;

de estudo dos povos primitivos à análise do etnocentrismo, seus pressupostos e conseqüências, como forma própria do pensamento ocidental, consiste numa reviravolta e tanto;

o estruturalismo leva a cabo a ruptura com as formas do evolucionismo, iniciada pelo difusionismo e pelo funcionalismo;

o estruturalismo desloca o problema da antropologia do exterior, da análise da sociedade indígena com nossos conceitos e pensamentos, à análise indígena como produção, num primeiro momento de um pensamento da sociedade (em que se discute ainda o problema do consciente e do inconsciente), num segundo momento como produção de socialidade e da socialidade como produção de pensamento;

nesse exterior, nessa análise da realidade, que coloca de lado o pensamento indígena, estamos em vantagem;

politicamente, muitos processos serão desdobrados; para não se colocar, assim o problema político da epistemologia, por muito tempo ainda se vai desqualificar não só o sujeito agente do outro, sua pessoa estritamente política, supostamente incapaz de cidadania, forma própria da retórica da igualdade democrática, também será, num mesmo gesto, desqualificado seu pensamento, seu sujeito pensante, o outro como sujeito do conhecimento;

é assim que definimos a natureza como uma instância própria e evidente de nosso modelo de conhecimento; é a esse modelo que a natureza de fato pertence;

natureza, aqui, refere-se a essa dimensão transcendente que determina o conhecimento, ditando sua ordem ao plano de imanência, que se constitui na chave discursividade, subjetividade e política;

o deslocamento estruturalista, ao suprimir essa dimensão transcendental com instância organizadora, propõe uma experiência textual que resulta na articulação dessa chave;

é nessa chave que a antropologia conduzirá um método que resulta na constituição de um pensamento indígena virtual;

esse problema, possibilitado pela discursividade, pela autonomia metodológica da linguagem como instância de produção social de sentido, deverá voltar a antropologia para uma análise abrangente dos pressupostos epistêmicos que condicionam o pensamento;

taí o porque de Deleuze e Guattari afirmarem a Genealogia da Moral de Nietzsche já como a obra capital da antropologia;

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08 maio 2007

pensar diferentecabe situar a questão dos conhecimentos tradicionais como tema que nos possibilitará o entendimento dos movimentos e das veredas da antropologia;

o caminho de conquista do reconhecimento de saberes que se contrapusessem à ciência ocidental tem sido um árduo caminho de conquistas políticas;

trazer o conhecimento para o campo da cultura, deslocando-o do âmbito da natureza, ao qual o havíamos assimilado equivale a uma revolução política;

como toda revolução, os movimentos populares são também aqui utilizados como massa de manobra e o processo é assumido por grupos hegemônicos que dele se apropriam;

dois casos são: a apropriação do estado em seu reconhecimento da educação indígena e o reconhecimento legal dos conhecimentos tradicionais visando reprimir a apropriação indevida desses conhecimentos na forma da biotecnologia e do sistema de patenteamento;

como a antropologia chegou a esses problemas, quais e como se deram as transformações de seus marcos teóricos, dos problemas por eles abordados e neles resultantes?

são essas questões que tornam a serem feitas, que podem ser reformuladas, a partir do novo contexto e de suas emergências, reformulando assim os problemas;

o evolucionismo resulta nas ciências humanas dos desdobramentos da dialética hegeliana como forma de contextualizar o pensamento numa dinâmica histórica e cultural;

um golpe no universalismo idealista, mas que acaba por incorrer, devido a pertencer à mesma matriz, em outro universalismo: o evolucionismo e derivados;

a antropologia se concebe como produto do meio evolucionista, fazendo do primitivo seu material de estudo;

sua constituição como disciplina autônoma, no entanto, com independência metodológica, dependerá da ruptura com o seio em que foi gerada;

de estudo dos povos primitivos à análise do etnocentrismo, seus pressupostos e conseqüências, como forma própria do pensamento ocidental, consiste numa reviravolta e tanto;

o estruturalismo leva a cabo a ruptura com as formas do evolucionismo, iniciada pelo difusionismo e pelo funcionalismo;

o estruturalismo desloca o problema da antropologia do exterior, da análise da sociedade indígena com nossos conceitos e pensamentos, à análise indígena como produção, num primeiro momento de um pensamento da sociedade (em que se discute ainda o problema do consciente e do inconsciente), num segundo momento como produção de socialidade e da socialidade como produção de pensamento;

nesse exterior, nessa análise da realidade, que coloca de lado o pensamento indígena, estamos em vantagem;

politicamente, muitos processos serão desdobrados; para não se colocar, assim o problema político da epistemologia, por muito tempo ainda se vai desqualificar não só o sujeito agente do outro, sua pessoa estritamente política, supostamente incapaz de cidadania, forma própria da retórica da igualdade democrática, também será, num mesmo gesto, desqualificado seu pensamento, seu sujeito pensante, o outro como sujeito do conhecimento;

é assim que definimos a natureza como uma instância própria e evidente de nosso modelo de conhecimento; é a esse modelo que a natureza de fato pertence;

natureza aqui, refere-se a essa dimensão transcendente que determina o conhecimento, ditando sua ordem ao plano de imanência, que se constitui na chave discursividade, subjetividade e política;

o deslocamento estruturalista, ao suprimir essa dimensão transcendental com instância organizadora, propõe uma experiência textual que resulta na articulação dessa chave;

é nessa chave que a antropologia conduzirá um método que resulta na constituição de um pensamento indígena virtual;

esse problema, possibilitado pela discursividade, pela autonomia metodológica da linguagem como instância de produção social de sentido, deverá voltar a antropologia para uma análise abrangente dos pressupostos epistêmicos que condicionam o pensamento;

taí o porque de Deleuze e Guattari afirmarem a Genealogia da Moral de Nietzsche já como a obra capital da antropologia;

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02 maio 2007

o estruturalismo consiste num esforço para desvincular o pensamento do determinismo hegeliano, dos programas modernos que tendem a perpetuar o evolucionismo arraigado na matéria em formas/fórmulas de pensamento;

esse modo do pensamento que se desenvolve colado à natureza evolucionista está associado ao realismo como forma do pensamento que se baseia numa razão natural, numa harmonia plena entre o pensamento e o mundo a ser conhecido;

o estruturalismo parte do esforço de ruptura com o método histórico, com a razão histórica, buscando dar conta daquilo que ela deixa de fora, buscando criar uma imagem do conhecimento que escape a essa evidência da progressão e desenvolvimento contínuos;

essa concepção do progresso e do desenvolvimento está determinada por dois princípios de identidade;
primeiro a identidade entre a natureza do conhecimento e a natureza do objeto a ser conhecido, o realismo;
depois um princípio que identifica o objeto a si mesmo ao longo do tempo, uma identidade entre o objeto e ele mesmo em contextos distintos;
esses princípios são dados como pressupostos, não são problematizados politicamente ou metodologicamente, assim como a história que não possui uma leitura crítica de seu procedimento, definindo-se, assim, como um procedimento politicamente conservador;

esses procedimentos estão desprovidos dessa volta sobre si mesmo, desse pensamento de si mesmo, dessa reflexão sobre a natureza do produto e do seu processo;

a definição de processos descontínuos está associada a essa dinâmica reflexiva;
a abordagem não se limita ao plano do objeto analisado, não se aliena de seu plano de imanência para restar-se toda na transcendência, no plano de transcendência em que se situa o objeto referido;

a capacidade de produzir o conhecimento em bases descontínuas depende dessa evidenciação do corpo, da matéria do texto, de seus procedimentos, sua metodologia, suas referências, seus princípios e pressupostos;

com essa dobra o texto quebra com a idéia de unidade que sustenta essa impressão de continuidade;

o poder de redefinição do campo de sentido pela linguagem proporciona a ruptura de um contexto a outro que não só redefine seu campo de sentido como reescreve mesmo sua história com outras referências, outros sujeitos, outras configurações do poder, outros jogos de força;

opera-se com a articulação de duas instâncias, ou seja, a instância lingüística ganha densidade, passa a ser considerada como instância produtora de sentido e não mais como representação neutra de um suposto plano de transcendência;

o descontínuo visa exorcizar os condicionamentos das doutrinas modernizadoras, como o positivismo ou o marxismo, cumulativas e otimistas em relação à razão;
privilegiar o estudo das estruturas equivale a suprimir o determinismo histórico;
interessa a análise do contexto, inclusive e especialmente discursivo, como critério para o estudo de determinada estrutura;

é nesse processo, que será reforçado com o referencial teórico do construcionismo, que traz referências outras às tradicionais concepções do conhecimento, que conhecemos o deslocamento de um pensamento marcado pelo predicativo, pela atribuição de predicados a objetos em um campo de valores não-problemático, para um pensamento do relacional, da constituição dos planos de imanência, dos campos de sentido que fornecerão o eixo gravitacional dos enunciados;
em vez de referências fixas em plano pré-conceitual, como a natureza, o que se tem é plano relacional, definido a partir de conjuntos de relações que vão dar sentido ao constructo;

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01 maio 2007



apontamentos gerais e delirantes para exceto quem não é

estivemos reunidos para debater a entrevista exceto quem não é de evc;
chama a atenção o autor não optar por fazer um histórico teórico da questão, optando por definir as balizas pessoais em relação ao tema;

a viagem que ele nos proporciona é interessante, pois ele demonstra que o processo de produção de subjetividades trata-se de um processo constituído historicamente, que o assumir a incessante produção de subjetividade, o incessante devir indígena é resultado de um processo que se deu a partir dos anos ditatoriais dos setenta, quando a intencionalidade política travestida de processo histórico quis dar cabo dos indígenas e estes tiveram que assumir sua identidade, voltar a devir indígena, deixar de devir branco, ou melhor, não-índio;
trata-se de um processo movido como coletivos constituintes de subjetividades que põem à prova o instrumental teórico da antropologia da época, que redefine mesmo, via política, a concepção de etnia e subjetividade dessa disciplina;

isso interessa na medida em que se compreende o processo de produção de subjetividades como um processo político de expressão na sociedade e que, portanto, possui prestígio político, implicando garantias políticas;
tais garantias inclusive repercutiram na constituição de 1988, que possui importância por colocar em pauta na lei suprema os sujeitos coletivos que, ainda que não sejam povos, aparecem como comunidades de direito;
a legitimação desses sujeitos coletivos desloca o sistema jurídico de seu modelo individualista e patrimonialista;

diferença para o autor não se trata de um bloco que garante a identidade ela contraposição a um outro bloco de características intrínsecas a outro grupo, p.e. brancos e índios;
diferença aqui é, sobretudo, diferenciação, processo incessante de devir, que escapa a qualquer substancilização;

outra questão para se poder pensar o contexto que envolve o texto, seu plano de imanência, será o projeto do autor de definir um complexo etnográfico para dar conta da concepção em que vem investindo há décadas, dando prosseguimento a investimentos de mauss, do estruturalismo levi-straussiano e especialmente a virada político-epistemológica com clastres, com a concepção fundamental, de inspiração foucaultiana, dos regimes enunciativos que são a chave dos araweté e a experiência principal que se desdobrará no perspectivismo;

o recurso é o da atualização do discurso alheio, atualização dos recursos enunciativos utilizados pelos indígenas não apenas como conceito, como categoria nativa, mas propriamente um método que possibilitará a proposta de uma epistemologia virtual que ao mesmo tempo que ela elaborada por clastres em termos filosóficos, foi colocada em prática, apropriada em seu modelos das máquinas de guerra;

máquinas ou maquínico é o caráter de produção da linguagem, que está para além da mera referência, da representação;
o maquínico está ligado àquilo que o milplatôs investe como pragmática e toda sua teoria da linguagem exposta em rizoma e a linguagem informativa e comunicativa;

toda a antropologia de evc está ligada ao maquínico por investir no que faz enquanto fala, por não cair na torpeza do referente, por estar colada todo tempo ao plano de imanência, referindo-se ao seu corpo;
isso é claro inclusive na entrevista com seus jogos de linguagem, metalinguagem, jogos de enunciação etc;

hoje pudemos tirar conclusões mais práticas com relação à aplicação desses conceitos que parecem tão estratosféricos; a referência metateórica é um embasamento para justificar o parecer;
o antropólogo pode fazer um parecer autoritário, que não problematiza a questão que lhe foi atribuída, questão essa que já lhe chega respondida, por ser uma questão politicamente comprometedora, que lhe identifica ao poder emanante, ao estado que enuncia a questão, que pede a perícia;

o fato de fato não é negar a perícia ou o poder do estado, o que pode equivaler a rasgar dinheiro ou qualquer outra insanidade;
trata-se sim, de problematizar a pergunta e revelar o processo histórico de conquista dos sujeitos coletivos na definição ou n constituição de sua identidade;
trata-se de tratar que a resposta a ser dada pelo antropólogo tem como referência mais esse processo que propriamente seu velho comprometimento com os projetos do poder;

quando o autor se refere à questão da pergunta e dos pressupostos que a sustentam está tratando o plano de imanência, o campo de pressupostos que vai dar sentido à pergunta, o qual não faz sentido quando se trabalha a partir da desmontagem do código de valores etnocêntrico;

o perspectivismo ameríndio opera na chave desse relacionismo que vai buscar nas relações sociais os princípios desse pensamento;
dois códigos sociais centrais para o perspectivismo são o relacionismo do parentesco e o relacionismo dos sistemas de predação;

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