24 janeiro 2006

guerre makines

É com o nome de máquinas de guerra que ativistas têm acionado o conhecimento para transpô-lo do plano das idéias, da articulação de idéias, ao enfrentamento de concepções hegemônicas que operam inclusive entrelinhas em discursos silenciosos. Praticar o pensamento, praticar com o pensamento, usá-lo para enfrentar posições que sustentam posições. Acionar o devir: essa é então a função pensamento. Problematizar posições explicadas, posições fixas pela explicação. Mantidas, sustentadas, reproduzidas. A função do conhecimento conhece então uma virada: sai-se da dinâmica de fixar posições para devir desreferencializações.
Da teoria para a prática, sim. Mas o que está em questão agora, não é fazer outra história, conscientizar-se de uma consciência histórica, e sim, desfigurar esse plano em que se escreve a história, liberar-se para inscrever devires. Escrita de tempo, na areia, ou de sangue.
Assim, o que nos interessa é a apropriação de culturas que nos conduzam ao campo de batalha, que se revelem úteis na prática de luta, na guerra. Que resistam ao arsenal bélico do adversário e, ao mesmo tempo, afete-o.
A que deve atentar inicialmente nossa vigilância é a capacidade de assimilação que possui o campo por onde correm nossos discursos. A própria palavra está inoculada, possui vermes silenciosos que atuam imediatamente à cada passagem, a cada atualização. Faz-se necessário penetrar a linguagem, a língua, para reinventá-la. Implodí-la, colocando nela por onde se passa, nas palavras mais simples, deformações de sentido. Ao invés de buscar conformar nossas palavras em sistemas sustentados dentro da linguagem (filosofia: conceitos, sistemas) despertar o que opera na interface filosofia/poesia; pensamento/criação.
Vislumbrar a potência de re-criação do próprio campo em que circulam as palavras, patente no discurso. Interpenetram-se as linhas fronteiriças, as zonas de vizinhança entre tais instâncias discursivas. O controle mantido nessas zonas é colocado em risco por potências de criação que operam fazendo tanto de uma quanto de outra, máquinas de guerra.
O que Clastres faz quando aciona recursos lingüísticos/poéticos/enunciativos nos cantos guaranis e descortina dimensões desconhecidas à antropologia via rito, via corpo, via canto.
A antropologia já não penetra a música e toda sua complexa construção enunciativa de forma unilateral. Ela se deixa refletir e torna-se matéria de uma outra sonoridade.
É esse encontro de linguagens, sua interpenetração, essa dupla invasão e luta, que resulta nessa mútua integração, que anuncia a máquina de guerra sociedade contra Estado. É esse vaso comunicante nessa interface que permite a experimentação do enunciado outro, dessa outra voz escondida em nosso discurso, calada à força.
Que potência é essa que advém então nessa palavra? Que outra paragem ela atingiu agora? Que nova conquista e exploração há por ser feita?