11 julho 2008



o sujeito não é evidente: não basta pensar para ser, como o proclamava descartes, já que inúmeras outras maneiras de existir se instauram fora de consciência, ao passo que o sujeito advém no momento em que o pensamento se obstina em apreender a si mesmo e se põe a girar como um pião enlouquecido , sem enganchar em nada dos territórios reais da existência , os quais por sua vez derivam uns em relação aos outros, como placas tectônicas sob a superfície dos continentes;
ao invés de sujeito, talvez fosse melhor falar em de subjetivação trabalhando, cada um, mais ou menos por conta própria;
isso conduziria necessariamente a reexaminar a relação entre o indivíduo e a subjetividade e, antes de mais nada, a separar nitidamente esses conceitos;
esses vetores de subjetivação não passam necessariamente pelo indivíduo, o qual, na realidade, se encontra em posição de 'terminal' respeito aos processos que implicam grupos humanos, conjuntos socioeconômicos, máquina informacionais etc;
assim, a interioridade se instaura no cruzamento de múltiplos componentes relativamente autônomos uns em relação aos outros e, se for o caso, francamente discordantes;
sei que um argumento desse tipo ainda permanece difícil de ser entendido, sobretudo em contextos onde continua a reinar uma suspeita, e mesmo uma rejeição de princípio, com relação a toda referência específica à subjetividade;
em nome do primado das infra-estruturas, das estruturas ou dos sistemas, a subjetividade não está bem cotada, e aqueles que dela se ocupam na prática ou na teoria em geral só a abordam usando luvas, tomando infinitas precauções, cuidando para nunca afastá-la demais dos paradigmas pseudocientíficos tomados de empréstimo, de preferência, às ciências duras: a termodinâmica, a topologia. a teoria da informação, a teoria dos sistemas, a lingüística etc;


nota-se que ao especificar aquilo que trata por ecologia mental e social, é de vital importância para guattari uma redefinição em relação à noção de subjetividade sustentada pelo senso comum e mesmo pela tradição acadêmica;
para tanto, guattari expõem a concepção que vêm construindo e com a qual milita desde os anos sessenta: uma subjetividade molecular;
percebe-se isso tanto no trecho em que define a subjetividade como no momento em que pauta as diferenças em relação à bateson;
na sua definição de subjetividade destaca a importância da dimensão inconsciente, visto que a noção de inconsciente a partir de freud será responsável por uma revolução fundamental na imagem do sujeito e, portanto, na concepção de subjetividade sustentada na tradição do pensamento ocidental;
no entanto, isso não significa qualquer unanimidade em relação ao conceito, visto que sua concepção de inconsciente renderá obras fundamentais como anti-édipo e mil platôs, assim como revolução molecular ou três ecologias;
sua concepção de subjetividade está estreitamente associada com o uso que fará do conceito de inconsciente;
se a subjetividade deixa de ser encarada como substância ou objeto fechado para se tornar uma multiplicidade que resulta de práticas ou processos de subjetivação, o inconsciente também deixa seu caráter de dimensão interior para ser encarado em sua dinâmica criativa, em seu trabalho na constituição dessas subjetividades;
em lugar de uma idéia de sujeito na qual nos espelhamos e que serve mais para nosso enquadramento na ordem social, um sujeito determinado pela racionalidade sustentada na tradição de conhecimento;
um conhecimento científico universal a afirmar um sujeito igualmente universal;
e a imagem projetada por esse superego cientista ainda persiste na determinação da imagem da subjetividade;

em relação a bateson, guattari se diferencia com sua noção de agenciamento de enunciação, definindo ainda melhor o que pretende com seu conceito de subjetividade, ao mesmo tempo que desdobra os usos de sua concepção de ecologia social-mental;
agenciamento de enunciação não se confunde com comunicação;
para guattari ação e enunciação não se dão como esferas às quais as subjetividades seriam externas, ele não considera subjetividades que não se dêem ou que preexistam aos [ou mesmo aquém dos] agenciamentos de enunciação e os agenciamento processuais, pois as subjetividades se constituem enquanto ação e enunciação e não apenas 'se manifestam' ou contextualizam tais subjetividades;
se para bateson ação e enunciação compõem o contexto, para guattari esses contextos se desdobram em territórios existenciais que se confundem às subjetividades;
portanto, não se pode aqui pensar numa distinção entre o que é utilizado por bateson como contexto e as construções subjetivas dos agenciamentos, pois esses agenciamentos liberam ou traçam linhas que vão das subjetividades ao contexto, tornando-os indissociáveis, linhas essas que criam uma continuidade entre essas dimensões;
nisso consiste um caráter definitivo das ecologias, da aliança radical da subjetividades e dos territórios existenciais com seus suportes contextuais, do caráter dinâmico da subjetividade que renuncia definitivamente à psicologia do padre ao acionar a subjetividade a partir dos esquemas da estética, livrando-a da sua imagem passiva que possibilita sua captura nos esquemas religiosos;
para guattari, os agenciamentos de enunciação consistem na própria via à subjetivação, não se confundem com a comunicação ou o esquema de ação que pressupõem um sujeito e uma consciência, não pressupõem uma consciência, um sujeito ou muito menos um contexto predeterminados;

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