29 julho 2009

aspirando a imanência


deleuze-guattari
mil platôs
como construir para si um corpo sem órgãos


'não pode desejar sem faze-lo'

***
'ele é não-desejo, mas também desejo;
não é uma noção, um conceito, mas antes uma prática, um conjunto de práticas;
ao corpo sem órgãos não se chega, não se pode chegar, nunca se acaba de chegar a ele, é um limite;'

***
'onde a psicanálise diz: pare, reencontre o seu eu, seria preciso dizer: vamos mais longe, não encontramos ainda nosso cso, não desfizemos ainda suficientemente nosso eu;
substituir a anamnese pelo esquecimento, a interpretação pela experimentação;'

***
'um cso é feito de tal maneira que ele só pode ser ocupado, povoado por intensidades;
somente as intensidades passam e circulam;
mas o cso não é uma cena, um lugar, nem mesmo um suporte onde aconteceria algo;
nada a ver com um fantasma, nada a interpretar;
o cso faz passar intensidades, ele as produz e as distribui num spatium ele mesmo intensivo, não extenso;
ele não é espaço e nem está no espaço, é matéria que ocupará o espaço em tal ou qual grau ― grau que corresponde às intensidades produzidas;
ele é a matéria intensa e não formada, não estratificada, a matriz intensiva, a intensidade = 0, mas nada há de negativo neste zero, não existem intensidades negativas nem contrárias;
matéria igual a energia;
produção do real como grandeza intensiva a partir do zero;
por isto tratamos o cso como o ovo pleno anterior à extensão do organismo e à organização dos órgãos, antes da formação dos estratos, o ovo intenso que se define por eixos e vetores, gradientes e limiares, tendências dinâmicas com mutação de energia, movimentos cinemáticos com deslocamento de grupos, migrações, tudo isto independentemente das formas acessórias, pois os órgãos somente aparecem e funcionam aqui como intensidades puras;
o órgão muda transpondo um limiar, mudando de gradiente;
os órgãos perdem toda constância, quer se trate de sua localização ou de sua função (...) órgãos sexuais aparecem por todo o lado (...) ânus emergem, abrem-se para defecar, depois se fecham, (...) o organismo inteiro muda de textura e de cor, variações alotrópicas reguladas num décimo de segundo;
o ovo tântrico;'

***
'o cso é o campo de imanência do desejo, o plano de consistência própria do desejo (ali onde o desejo se define como processo de produção, sem referência a qualquer instância exterior, falta que viria torná-lo oco, prazer que viria preenchê-lo);'

***
acontece que existe uma alegria imanente ao desejo, como se ele se preenchesse de si mesmo e de suas contemplações, fato que não implica falta alguma, impossibilidade alguma, que não se equipara e que também não se mede pelo prazer, posto que é esta alegria que distribuirá as intensidades de prazer e impedirá que sejam penetradas de angústia, de vergonha, de culpa;

***
o amor cortês não ama o eu, da mesma forma que não ama o universo inteiro com um amor celeste ou religioso; trata-se de criar um corpo sem órgãos ali onde as intensidades passem e façam com que não haja mais nem eu nem o outro, isto não em nome de uma generalidade mais alta, de uma maior extensão, mas em virtude de singularidades que não podem mais ser consideradas pessoais, intensidades que não se pode mais chamar de extensivas;









o corpo ou plano de imanência

escapar a uma imagem do pensamento que defina de antemão, a partir do grande divisor corpo/alma, o que seja um corpo;
eis um problema antropológico;
com o perdão do dogmatismo, eis 'o' problema antropológico;

o problema do corpo, dobrado e levado a tais conseqüências, consiste no problema colocado pelo plano de imanência;
é o problema do que dá a perceber enquanto é percebido;
é o problema ou a dobra do discurso, da história, da imprensa, de deus etc, enfim, de todos esses dispositivos que se unificam na forma de consensos e dão sentido comum a uma realidade universal(izante);
são processos de unificação que universalizam perspectivas, verdades, valores;

o corpo não se restringe ao organismo, à ordem biológica;
o problema do corpo começa com essa redução, com essa imagem pressuposta do corpo, essa imagem assentada no pressuposto do divisor corpo/alma;

voltar-se ao plano de imanência para escapar à verdade em sua forma clássica, em sua aparência tradicional de figura transcendental, para lidar com a verdade-processo, com a verdade-conflito, com a disputa da verdade e a verdade enquanto disputa, com a produção de verdade, com a verdade enquanto produção ou processo;

o corpo não está pronto, acabado, esperando definição, ele não 'é' um corpo organizado, explicável, a espera de explicação;
o corpo explicado é o corpo morto, a letra morta;

a imagem tradicional da verdade está assentada na harmonia explicativa entre o discurso e uma realidade pré-existente explicada, representada por esse discurso, por uma harmonia entre um som e um sentido, entre uma palavra e uma coisa, entre um discurso e uma realidade;

se a imagem da verdade tradicional está imaginada a partir dessa suposta harmonia entre o homem, o conhecimento e a vida, o mundo, a verdade pode ser imaginada igualmente a partir de uma violência, de uma relação violenta, em que o conhecimento se faz enquanto violência, enquanto processo, enquanto criação no/de plano de imanência;

comentário: a imagem do conhecimento no xamanismo estaria mais próxima dessa idéia do conhecimento como relação 'afetiva', relação de corpos, do que de uma harmonia explicativa entre 'enunciado' e 'realidade';

e por falar em violência, a criação de um corpo sem órgãos, em mil platôs, inicia-se justamente com o corpo sado-masô;
o desejo não está valorado aqui desde os pressupostos da transcendência, desde as três leis da transcendência;
o desejo não é investido de sentido nem por sua satisfação, nem por sua repressão;
o que interessa nessa economia libidinal é o desejo enquanto devir, enquanto plano de imanência, enquanto corpo sem órgãos;
não há qualquer plano de transcendência a valorar o desejo;
o corpo consiste na instância privilegiada para a abordagem da subjetividade;
esse privilégio se dá não porque o corpo possibilite uma interpretação definitiva da subjetividade (numa extensão do mesmo modelo explicativo) ou mesmo possibilite qualquer apreensão explicável do inconsciente;
o corpo será privilegiado numa abordagem da subjetividade justamente por proporcionar um plano de imanência aos processos de subjetivação;
é contra esse lugar central do corpo nos processos de subjetivação que se erigem um conjunto de práticas, discursos e instituições conhecidas como biopoder;

o biopoder se propõe justamente a 'entender' e, por sua vez, 'normalizar' o corpo;
por isso será tão difícil discursar algo que não seja, que não esteja atrelado ao discurso normalizador, que não se capture no plano de transcendência tentando se explicar, valorar, julgar;
só as experiências no corpo da linguagem que se dobrarão no plano de imanência;

portanto, é contra a multiplicidade dos devires que se ordena a subjetividade padrão/padronizada, baseada nos valores individuais, universais, essenciais, permanentes etc do corpo organizado;

o interesse de traçar tais linhas está em propor a especificidade de uma abordagem propriamente antropológica, que possa, em sua redefinição ou contra-definição da subjetividade, propor outras possibilidades às práticas teatrais, que não as do biopoder da sociedade de controle, menos ainda em sua versão de assistencialismo estatal ou nos termos de um direito à uma 'arte' de estado/mercado, extensão de um direito à uma 'educação' de estado/mercado;
o corpo não pode ser um 'tema' antropológico, visto que a antropologia se caracteriza por suprimir o plano de transcendência e, com ele, a noção de 'tema';
o corpo, assim, esse duplo da subjetividade, quando incorporado pela antropologia, será numa dinâmica de supressão dos divisores que estão nos princípios e pressupostos do pensamento ocidental;
dessa maneira, a antropologia seria sim, um problema corporal, na medida que proporciona encarnar o plano de imanência;
eis o dionísio grego...

isso é o que se dará com a apropriação do 'corpo ameríndio' pela antropologia regional;




24 julho 2009

o que é o que é....

sociodiversidade
Sociodiversidade consiste num conceito diretamente ligado à noção de biodiversidade.
Se a biodiversidade é definida como a multiplicidade das formas de vida, a sociodiversidade é entendida como a variedade de culturas, de povos, de costumes, de valores.
A escalada da monocultura de espécies vegetais na produção alimentar humana em nosso planeta é acompanhada pari passu do processo de redução da diversidade cultural planetária a um referencial comum que é a cultura ocidental de origem européia, marcada pela ordem estatal e a economia capitalista.
A indústria da comunicação, chamada de quarto poder, o poder de orientar e manipular a opinião pública, tem sido a grande responsável por essa monocultura global.
O capitalismo, com sua lógica perversa do lucro a qualquer preço acima de qualquer valor humano, consiste na orientação maior à essa indústria da publicidade e dos meios de comunicação.

16 julho 2009

aprendendo a viver na floresta


questão de perspectiva...