22 fevereiro 2006

pozi+ivo/ovitagen

"o PRIMEIRO PRINCÍPIO DA FILOSOFIA É QUE OS UNIVERSAISS NÃO EXPLICAM NADA, ELES PRÓPRIOS DEVEM SER EXPLICADOS." (dELEUZE-gUATTARI: o QUE É A FILOSOFIA)
eM QUE CONSISTE O POSITIVO? tALVEZ EM FUNDAMENTAR-SE A PARTIR DE CATEGORIAS UNIVERSAIS, TOMÁ-LAS COMO PRINCÍPIO DE SEU DISCURSO. dAÍ SEU CARÁTER DOGMÁTICO, DESLIZANDO PARA A METAFÍSICA, E MESMO SEU TOM PRECONCEITUOSO, CONDUZIDO PELA SOBERBA DE UM DISCURSO ETNOCENTRICAMENTE MORAL. pOR SE APOIAR EM CATEGORIAS UNIVERSALMENTE CONSENSUAIS, APRESENTA NATUREZA NATURALMENTE CONSERVADORA.

21 fevereiro 2006

Ética e Saber da Floresta


Ética: um conceito construído em cooperação

A partir desse tema, que proponho para o início de nossos debates, gostaria de ouvir a primeira impressão que suscita em cada um de nós esse termo: ética.
Bom, ouvindo essas impressões gostaria de expor meu ponto de vista articulando-o com os demais. A partir disso, devo delinear um primeira versão desse termo. Essa primeira versão será o ponto de partida para os nossos primeiros trabalhos (e para pensarmos a Pesquisa)

Esse ponto de partida não se refere somente às idéias que estamos expondo sobre nossa noção de ética. Esse ponto de partida está também/principalmente na forma coletiva de chegarmos à definição de ética.
Poderia chegar aqui e copiar no quadro a definição de um dicionário. Vocês copiavam, eu explicava. Vocês entenderiam a idéia de ética, mas não a prática.
Essa forma de construirmos o significado da palavra ética a partir do olhar e da compreensão de cada um de nós, nos leva não só a compreender a idéia de ética, mas também a praticá-la ao mesmo tempo.
O que quero dizer com isso é que a ética está no âmbito da prática e não pode ser pensada fora dela. Assim, para falarmos dela, é preciso pratica-la.
Como se pratica? Para essa prática, devo apontar um primeiro princípio: é uma prática que se dá na relação.
Podemos pensar que a ética está associada a uma conduta rígida, a uma pessoa que tem princípios fixos, que não muda.
No entanto, o princípio de que a ética está na relação nos conduz a outra idéia, de que a ética está associada àquele que ouve os outros, que procura sempre estar revendo seu ponto de vista.
Disso, apuramos o primeiro princípio da ética: a cooperação.

Quando falo em cooperação aqui não me limito em falar de cooperação entre homens. O sentido que quero invocar aqui para cooperação vai além da coperação entre homens.
Durante muito tempo se pensou que só havia cooperação entre os homens. Que não havia inteligência na natureza e só o homem era o possuidor da sabedoria.
Durante esse tempo o homem tratou o sol, a lua, a terra, as árvores, as plantas, os pássaros, os peixes e tudo o mais como se fosse coisa. Coisas que nunca se acabariam. Era isso que justificava a exploração predatória. Por causa disso o homem matava o que não ia comer, sujava onde não ia se banhar, poluia onde não ia respirar, depredava onde não ia morar.
Ainda hoje se faz isso como nunca. E o homem ainda se considera inocente, como se não tivesse nada a ver com isso.
O manejo está apoiado em outros princípios. No pensamento do manejotodos os seres vivos na natureza tem inteligência e interagem entre si. Toda Natureza resulta de um contínuo processo de cooperação.
É nesse processo de cooperação que o manejador se insere. De que forma? O manejador aplica sua ética à Natureza. Ele pode ouvi-la e reconhecer de que forma cooperar com ela. Nessa cooperação, como o próprio nome está dizendo, manejador e Natureza trabalham em conjunto e se beneficiam um ao outro.
Ao invés de explorar a terra, o manejador é o homem que aprende a trabalhar para manter a sua fecundidade, a sua riqueza. Ao invés de praticar uma ação hoje, sem pensar no amanhã (por exemplo, exterminar um bando de queixada, pescar com tingui ou caçar com cachorro), o manejador é aquele que coloca o tempo a seu favor.
Como ele coloca o tempo a seu favor? Essa é um dos pontos mais interessantes de nosso tema. O manejador coloca o tempo a seu favor através do domínio de uma ciência chamada previsão.
O que é previsão? (EXPLORAR com os cursistas) Isso mesmo, é saber o que vai acontecer. Como é possível saber o que vai acontecer? O manejador pode ouvir e, dessa forma, conhecer o comportamento dos seres vivos. Saber como se comportam nesta naquela situação, o que vai acontecer se ele fizer isto ou aquilo.
Sabe que se queimar hoje, não pode plantar amanhã, ou depois de amanhã, sabe que se extinguir o peixe com tingui, não pode mais mariscar, sabe muitas coisas sobre a necessidade do homem da floresta de lutar contra a exploração predatória.
Mas, além disso, ele sabe outras coisas: sabe quais plantas podem recuperar o solo degradado, que esta planta combina com aquela, mas não com aquela outra, sabe que os animais colaboram no replantio de certas árvores, que certas plantas ajudam no combate de pragas. Sabe, enfim, que a floresta é um organismo vivo e inteligente, com o qual é necessário interagir para produzir riquezas.
Todos esses conhecimentos fazem parte do repertório do homem do manejo. Ele foi recolhendo, organizando, pego um pouco aqui, outro pouco ali e montou seu repertório: sua pesquisa.
Todo esse conhecimento produzido no manejo é resultado de pesquisa. O homem do manejo é o homem que está estudando constantemente, é um pesquisador. Está sempre aprendendo e ensinando.

Por que gostaria de começar falando sobre isso. Por que o manejo, assim como o curso que estamos realizando, marca uma mudança, uma aprendizagem em cada um de nós. Essa mudança é a seguuinte: Não somos mais alunos passivos que ouvem e anotam as instruções que os professores nos passam. Somos, ou estaremos nos emenhando para nos tornar, produtores de conhecimento, agentes formadores, pesquisadores: tudo isso é o mesmo que (é sinônimo de) manejador.
Temos agora responsabilidade extra aqui. Não devemos simplesmente aprender. Devemos pensar o tempo todo. Como posso ensinar isso para outra pessoa.

Vimos que a ética é uma prática. Assim como vimos sobre a ética, o manejo também é uma prática. Vimos que a cooperação é fundamental à ética. Definimos, igualmente, o manejo pela cooperação homem-natureza. O manejo, ao estudar a ciência das relações na natureza, para daí produzir riqueza, demonstra uma afinidade com a ética. Se pensarmos que o manejo estuda e pratica a cooperação na Natureza, podemos deduzir que o manejo é uma ética.
Se o manejo é uma ética, quem é que coopera, quem é que interage, quem é que deve ouvir quem? No manejo, a cooperação se dá:
1) entre homem e homem (nós, hoje, aqui; vocês, amanhã, lá: agentes, técnicos e outros; agroextrativistas e sociedade, governo e outros);
2) entre homem e Natureza (interação entre o manejador e a Natureza na produção de riquezas e contra as práticas exploratórias de extinção);
3) entre Natureza e Natureza (como a Floresta resulta da relação dos seres entre si e como o homem aprende a interagir com ela a partir daí).

Assim, a Floresta que era vista como uma coisa sem vida a ser explorada, passa a se configurar como ser vivo e inteligente, como um vasto campo de estudos. Aqui, o homem tem um vasto aprendizado sobre a cooperação.
Fotos: Curso de formação de agentes florestais e técnicos do CTA no PAE Cachoeira, fevereiro de 2006