apreender que o que constitui a antropologia é a abordagem e não o tema; qualquer tema pode ser abordado do viés antropológico;
como vimos, o que caracteriza a antropologia é estar no mesmo nível epistemológico do objeto, sem desnível; essa é a primeira simetria que define já a antropologia desde as teorias nativas;
acompanhamos o processo de formação das instituições modernas de vigilância e punição que instauram processos de constituição de subjetividades que levam à homogeneização (direito, educação, saúde) ao elaborar a forma sujeito que conduz a individualização característica do capitalismo;
nossos métodos de pesquisa (exame) foram elaborados no interior desse universo mental institucional, estadista, cujo intuito é o de controlar os contingentes urbanos, liberando-os, cada vez mais, para agirem com maior complexidade, o que vai permitindo a adaptação das instituições a essa maior complexidade de variantes;
sim, o discurso positivo afirma mais liberdades individuais e mesmo se podem ver tais liberdades, o que não se pode enxergar é o que está velado exatamente na superfície dessas liberdades; sim, os direitos se constituem e democratizam, o que serve uma complexidade cada vez maior das instituições jurídicas; a educação se torna um direito, o que a faz obrigatória e faz de todos dependentes das instituições que oferecem o serviço; o serviço de saúde serve às massas urbanas, que se tornam dependentes desse modelo de saúde, descartando qualquer outra possibilidade de tratamento para restarem nas filas a espera de atendimento;
são discursos eficazes que exigiram ouvidos que lhes fossem moldados;
todo esse processo de constituição desses saberes, de instauração desses discursos se dá no universo da representação, que comunga com a tradição metafísica pré-moderna/pré-capitalista;
a constituição de nossa forma sujeito, nosso processo de individuação ocidental se configura a partir da matriz antropológica da representação;
no entanto, tais processos em si, já se constituem como processos de produção, no caso, de subjetividades;
o que é dado possui uma eficácia simbólica tal que todos nos acreditamos de fato sujeitos individualizados, seres desnaturalizados pela cultura;
os processos de construção de pessoas, de formação de sujeitos vão se caracterizando como dispositivos de controle, como máquinas de vigilância e modelagem;
processos e produtos: parece que tais instâncias não se separam, parece haver uma continuidade entre os processos e os produtos;
parece ser aí que entra a antropologia; num primeiro momento para reafirmar essa distinção entre sujeitos criados e criação de sujeitos, entre dado e produção;
configura-se então num discurso, num saber cuja valoração se torna evidente; a antropologia observa aqui a forma sujeito de nossa teoria política, generalizando-o/a;
esse outro disforme é apresentado como caricatura, não tem voz, não tem vez; são anômalos não identificáveis em nossas categorias, são não-sujeitos, afirmados, ainda, apenas, em sua negatividade;pode ser que a antropologia só se formule, em sua especificidade, quando os tais processos - sujeitos produzidos e produção de sujeitos - são colocados em contato, quando os fios descascados se tocam e se faz o curto-circuito;
29 junho 2006
a partir do séc XIX, começa-se a dar conta e operar cada vez mais correntemente com os simulacros; a comunicação projeta-se como a grande instância de controle liberal, ela mantém uma relação distinta com a s demais instituições em relação ao estado;
o discurso político que sustenta as demais tribunas do estado e das elites, tribunas da sociedade, também serve aqui: segundo a matriz da representação a imprensa deve apresentar os fatos;
o sujeito criado pelas instituições públicas encontra na imprensa seu processo de democratização; a imprensa, ao longo do séc. XX, ergue o império da representação no interior do qual fabricará sujeitos em massa; finda a era do artesanal;
com o poder afirmado pela imprensa na construção de realidades entra-se, enfim, na era do puro simulacro; a discurso político tem agora como referência a imprensa e seu funcionamento; os fatos são criados cada vez mais rapidamente, sucedem-se uns aos outros, se tornam descartáveis, como os sujeitos produzidos em massa, em excedente;
e, ainda assim, sob a lógica cínica do país dos ladrões, sustenta-se ainda a distinção entre fatos e produtos; não nos assumimos como produtos, pois isso seria operar com a matriz antropológica que nos forma, nossa herança metafisica;
adaptamos toda nossa realidade - simulacros, híbridos, redes - à parlenda providencial que herdamos do medievalismo jesuíta;
onde encontramos os olhares que se voltam a essa máquina: não consciências políticas que se libertaram do processo de alienação, e sim recortes perceptivos comuns a todos que fermentam neste útero;
nessas trocas de olhares nessas entre-vistas, que buscamos nosso material; construindo e amarrando, costurando, articulando as experiências desses sujeitos;
como os processos de homogeneização são vivenciados por esses singulares?
acompanhamos a formação da voz média, a voz da maioria, a voz do consenso que todos encarnamos quando se fala a voz da razão;
essa voz se caracteriza como a voz da maioria, daqueles que estão no poder por sua própria natureza consensual; como sabemos é uma voz bastante valorizada na cultura e na história brasileira, a voz do consenso que encarna o imaginário da ordem;
as outras vozes se constituem em tensão com o poder instituído e quando aparecem são sempre olhadas com aquele olhar de canto de olho, estigmatizada como voz da diferença em meio ao consenso estabelecido;
no âmbito da forma sujeito, sem saber bem ao certo o seu sentido, surgindo mesmo como incógnita em meio aos programas de vigilância ou, mesmo, já resultado seu, tem-se os territórios sendo por vezes invadido;
enfim, essa é minha introdução para o primeiro fenômeno a ser abordado: a produção de carolina maria de jesus;
como a escrita é material tradicional da antropologia, a obra da escritora vem à calhar; além do mais, seu caráter descritivo, que nos constrói uma etnografia, é outro elemento que nos aproxima dessa obra;
esse olhar, sensível por que retrata espiritualmente sua realidade, se caracteriza por sua liberdade, por voltar-se para a matriz formadora desses sujeitos, por configurar os próprios processos em que esses sujeitos são produzidos: há aqui um curto-circuito entre processo e produto;
tais processos, ao serem trazidos para o circuito da cultura, da voz média, só deixam entrever ecos de seu universo subterrâneo;
a secura com que narra a narradora reflete sobre o sapato apertado da forma-sujeito; isso que consideramos como um fato simples, não é tão certo quando se tem que comer lixo, e assim o olhar muda, o tom de voz se transforma;
o trabalho desbravado por essa criação tem sido hoje explorado em trabalhos como cidade de deus e falcão, meninos do tráfico;
a impossibilidade de dissociar vida e escritura chega a lembrar o teatro da crueldade vivido por pixote, o ator de babenco, o filme de hirshman sobre nelson cavaquinho, ou a música de cartola;
a partir daí, busca-se conduzir a antropologia para os processos de criação coletiva, de domínio público, que escapam à forma do autor, explorando a diversidade de materiais e de regimes enunciativos disponibilizados pela cultura popular;
28 junho 2006
o primeiro se constitui do discurso hegemônico ocidental, que acredita na educação como redenção dos povos sem cultura, sem consciência, sem história, sem civilização;
para esse discurso, a educação possui um poder redentor de levar a humanização;
caracteriza-se pela concepção da alfabetização como possibilidade de evolução à cultura letrada, passando à margem dos limites impostos à civilização letrada pelo logocentrismo escrito;
não pode ouvir ou sentir nada além de seu mundo de signos escritos, não pode conceber universos de sentidos outros, de outras sensibilidades;
esse discurso etnocêntrico, epistemocêntrico, está calcado na base dual do discurso da modernidade que conhece concepção no nascimento simétrico e mutuamente excludente dos discursos do saber e do poder, do conhecimento e da política, do discurso científico e do discurso político;
a relação entre esse saber letrado e seu alcance político teve uma primorosa e inalcansável abordagem por pierre clastres no seu primeiro vislumbre das sociedades contra estado, suas máquinas de guerra;
com elas que entramos no universo dos fogos cruzados, dos campos minados, dos territórios mistos, dos corpos híbridos;
hoje nossos processos em antropologia educacional consistem em dar forma aos agenciamentos ilimitados que pululam: livros, filmes, vídeos, discos, projetos etc são algumas das possibilidades de criar espaços de expressão coletiva, artística, política sobretudo;
conhece-se com tais processos uma redefinição do campo antropológico; uma revolução se produz: os agenciamentos encontram um espaço nunca visto;
estamos operando nessa esfera da reversão do discurso que formou nossa concepção da realidade através das representações científicas dos fatos que instauraram nossa fé num mesmo deus = a realidade, a natureza etc;
aprendeu-se que o que muda está na esfera cultural, social, e a natureza seria esse espaço a ser decifrado, a ter suas leis a espera dos decifradores de códigos;
com essa reversão é necessário trafegar deixando tais pressupostos, pensando a partir de outras referências;tudo passa a constituir campo de transformações e de construções, inclusive essa esfera constituída pelo discurso científico e considerada imutável;
a naturalização dos valores serve para garantir a manutenção dos valores morais; assumidos naturalmente, tais valores constituem-se numa “segunda natureza”;
essa propriedade dos valores faz deles, sobretudo, um instrumento político de alto calibre; através deles instituem-se realidades, instauram-se verdadeiras dimensões ônticas;
segundo a autora, o comprometimento da moral com o caráter positivo do costume, sua propriedade de perpetuar-se, sua tenacidade, oculta-se nas próprias expressões que cristalizamos como objeto de estudo da área: moris e éthos, equivalentes de costume;
ao abordar a constituição do brasil enquanto semióforo, a autora propõe um estudo de caso de um processo histórico de naturalização de processos histórico-culturais;
ao estudar a sagração dos três elementos que constituem o semióforo brasil, ou seja, ao estudar os processos de naturalização da constituição espacial, temporal e do poder, a autora define nossa constituição ética, a constituição de nossos valores morais através da leitura de sua construção pelas elites e governantes e da forma como as camadas populares se constituem como campo de definição, onde esses valores rebatem e tem seus efeitos;
ela analisa sob os nossos olhos a constituição de um campo moral, a constituição de um universo ético, num recorte de quinhentos anos;
elabora assim uma leitura filosófica do processo de formação de nosso universo moral;
havíamos visto com foucault a metamorfose moderna do direito, ou do direito moderno, com a modificação da função atribuída às instituições jurídicas;
tais atribuições convertem-se de seu sentido negativo de punição, de coerção, para um processo afirmativo de constituição de subjetividades para a instauração de uma configuração mental comum aos civis urbanizados em massivos conglomerados humanos;
esse processo foi inicialmente afirmado como o fundamental da relação ética/direito;
para nós, num primeiro momento, a ética se alinha às disciplinas que formam o direito, devido a essa função atribuída ao direito na constituição da sociedade moderna, função que o colocou num lugar estratégico na sociedade configurada em nossos dias;
todorov, nós e os outros:33
o problema moral, problema ético, o eixo gravitacional dos valores, tem como ponto nevrálgico a genealogia;
deve-se desconfiar dos valores, estes têm espíritos épicos e ao contar sua história, costumam fantasiar-se;
tudo certo, quando só há fantasia, mas ainda não fomos tão longe; lembremos que o campo dos problemas morais é o campo do positivismo muito antes de ser o do relativismo;
portanto, deve-se desconfiar de uma história dos valores para se buscar uma genealogia dos valores;
com isso desloca-se a perspectiva, reconhece-se a perspectiva comprometida com os valores vigentes;
há sempre um vento que bate e nos leva pra longe de onde partimos;
26 junho 2006
seu tráfego entre a brutalidade do mundo e o universo interior de seu narrador, trouxe-me pela primeira vez a experiência do uma vida;
a narrativa sagaz do autor, sua agilidade, conquistou minha percepção; lembro que por vezes, no escuro da primeira manhã, matava aula para saborear a leitura daquelas curtas passagens intimistas;
sua narrativa caleidoscópica e cinematográfica nos rende os sentidos, fazendo-nos sentir o gosto de uma narrativa;
essa característica fragmentar de sua obra, narrada em breves esboços parece uma conquista da narrativa;
em ruptura com a narrativa do séc. XIX, descritiva, jornalística, compacta, essa narrativa ágil e impressionista tem por técnica os efeitos de sentido que a vontade de verdade de outrora;
23 junho 2006
estávamos estudando, então, a forma do diário, mais especificamente em marques rebelo;
o texto que passei a estudar foi o observador do escritório, diário de carlos drummond de andrade;
a partir de alguns trechos, em que o autor se refere ao seu estilo fragmentado de composição, fiz uma releitura da teoria do romance de bakhtin, em que o monológico estilo compactado e discursivo do romance e seu narrador resulta na polifonia fragmentada dos monossilábicos resmungos dos personagens;
apoiava-me ainda no leitor contemporâneo de calvino, da prosa leve resultante de nossas narrativas cada vez mais rápidas e obtusas, das narrativas policiais, do cinema com sua narrativa elíptica conduzindo a narrativa literária, enfim, toda a transformação por que passara nossa percepção e de que forma a escrita do diário desde os ensaios de montaigne até os contos de edgar alan poe tinham-na assimilado;
o resultado não foi bem apreciado. minha nota foi sete;
não mais esqueci as teses desse trabalho e quando me ocorreu escrever sobre o formato blog, a criação literária e a pesquisa, lembrei-me novamente da poesia diária de drummond em sua articulação entre vida e escrita;
de certa forma, esta lógica do fragmento esteve presente igualmente em minha pesquisa, os recortes vão constituindo um percurso, o qual vai sendo reconhecido a medida que é traçado;
além disso, esta forma cultiva o prazer da escrita e o da inspiração; a cada momento que se estuda determinado autor e texto, define-se o que dele mais importa, extrai-se o sumo;
dessa forma, vão-se articulando percurso em campo e percurso teórico; o texto vai ganhando a forma dinâmica do devir, do aprender, constituindo-se em rizoma;
com isso, redefine-se a constituição linear e progressiva, cuja dinâmica é a da forma acabada do texto; diferentemente, o que se tem aqui é um texto composto na dinâmica da intertextualidade, pois o texto, de partida, já assume sua natureza textual;
dissolve-se concomitantemente, assim, o apelo referencial do empirismo, pois o texto não se propõe comprovar algum referente, por estar voltado para sua natureza textual, campo do qual deve dar conta;
foucault, definindo a disciplina, traça o plano em que se ativa o discurso das ciências humanas, discurso do indivíduo, do sujeito;
as disciplinas nascem como um sistema de vigília e punição, equipado com um sistema de registro; essa sociometria insípida ensaia o primeiro discurso da individuologia ou sujeitologia;
como afirma foucault, o discurso das ciências humanas se gesta na sombra, em meios aos arquivos empoeirados dos orfanatos, hospitais e tribunais do século XIX;
esse sistema de registro e controle de informações é denominado exame, é o fator saber do complexo saber poder que está sendo estudado;
o exame cria um universo de sistemas de informação, é a instância onde o mundo está representado nas informações;
produzir informações é a tarefa do exame, desses instrumentos que servem aos acúmulos de informações, aos sistemas de informações;
os resíduos ainda se fazem presentes em nossos currículos com nossas aulas de estatística, nosso olhar sociológico sobre as sociedades;
dessa forma, o discurso das ciências humanas se constitui com tarefa política clara e definida;
o exame, esse instrumento político marca a natureza das ciências humanas por estar encravado em seu meio, em sua forma de expressão;
nossas pesquisas estão caracterizadas em sua gênese por esse circuito pré-estabelecido de circulação de informações; que dirá então dos procedimentos de pesquisa que herdamos;
buscar definir os enviesamentos que marcam nossas práticas de pesquisa para possíveis críticas é uma tarefa da antropologia do conhecimento;
20 junho 2006
16 junho 2006
antropologias simétricas
qual o nosso objetivo prático ao estudar antropologia simétrica: ter consciência discursiva do teor político do viés antropológico imanente ao texto, à pesquisa;
todo discurso está centrado na voz média; é ela seu modelo, seu padrão, a voz que agenciamos em nosso cotidiano por conta de nossos papéis sociais;
quando se pratica o discurso acadêmico, estamos num campo em que predomina essencialmente a voz média;
a ciência se constitui em uma prática política por sua relação com a voz média, com o discurso positivo do poder, do dominante, da maioria;
assim, torna-se tema delicado envolver outras vozes no discurso acadêmico, convidar esses outros eus para trafegar nesse campo minado do etnocentrismo;
ao se propor a escrever – ou a devir – sobre a experiência de menores prostitutas, os anjos da noite, a pesquisadora assume o risco da dissimetria entre o discurso acadêmico do pesquisador, eivado da voz média da ciência do homem branco ocidental;
o caráter antropológico, especificamente da antropologia simétrica, consiste em converter o discurso acadêmico, deslocá-lo de sua unilateralidade, de fazê-lo devir na experiência daquele a quem o canal está sendo aberto;
nisso consiste a tarefa do agenciamento, fundamental para compreender a antropologia, principalmente a antropologia simétrica;
quando definimos a antropologia por este ad-vocar, por esse falar a voz alheia, enfim, por esse conjunto de recursos discursivos, enunciativos e narrativos que permitem a articulação das perspectivas envolvidas na pesquisa e, principalmente, no texto;
toda dimensão discursiva explorada pela antropologia tem como objetivo, fundamentalmente, dar conta da voz média;
dar conta desse narrador etnocêntrico que, ao distinguir ciência e política, método e problema, objetividade e subjetividade, ao neutralizar a abordagem antropológica, criar automaticamente o híbrido: o texto etnocêntrico, o intensificador de poder;
quanto mais força fazermos para sermos objetivos e separarmos ciência e política, mais as misturamos, criando o texto “puro”, “livre de interpretações”;
centro livre
como pensar a antropologia de centro livre: descentralizar a antropologia; tirar sua base metafísica, seus princípios transcendentais que sustentam seu princípio; se a primeira antropologia está fundada na concepção de um centro, de uma perspectiva, de um normal, de um evoluído, como proceder para chegar numa antropologia de centro livre; oroboros, devorar o próprio rabo;
a implosão do centralismo começa com a proliferação dos centros de emissão, das perspectivas, dos pontos de observação, dos observatórios; como montar observatórios nos mais diversos pontos, nas mais diversas perspectivas;
percebe-se que, desse impulso cauteloso, cheio de precaução, extrai-se a forma da antropologia simétrica;
14 junho 2006
a lembrança me remeteu aos seus escritos sobre a fotografia como saída para se reformular a dinâmica evolucionista de se pensar a história;
a fotografia, para benjamin, redefine a história contada pelo discurso verbal, cuja natureza é seqüencial; em nove teses sobre a história, a dinâmica de sua inscrição de uma história propõe uma história que parece escrita por iluminações;
depois de lembrar esse seu viés, corri às páginas finais da segunda dissertação da genealogia da moral, para conferir a concepção de genealogia aí esboçada;
realmente batem tais concepções, enviando, no que nos interessa, ao método etnológico de lévi-strauss em sua intenção de romper com o método histórico da sociologia e sua dinâmica evolucionista, marcante na gênese da antropologia;
09 junho 2006
sociedade autoritária
elemento fundamental de compreensão do estudo de marilena chauí sobre o semióforo, foi compreender seu processo de construção do mito fundador por meio da sagração da natureza, da história e governante em relação ao discurso político da modernidade como vimos estudando em latour;
como vimos em latour, o discurso político fundado por hobbes constitui-se pela noção de representação política;
a concepção política de hobbes visa uma ruptura com os fundamentos políticos do discurso medieval que funda o poder do soberano na vontade divina, ou seja, na vontade da igreja, deslocando esse foco de poder, essa fonte de poder para a vontade dos cidadãos de atribuir poder ao soberano;
a partir desse discurso e do momento histórico que o legitima, a política passa a ser pensada como instância de decisões humanas e não mais como produto da vontade divina, isto é, deixa de ser naturalizada por uma esfera transcendente aos homens;
em marilena chauí, o que se vê é a proposta de se constituir o ethos do povo brasileiro, como ele é constituído em instrumento de controle social político pelas classes políticas dominantes, pelos oligopólios e as elites;
essa constituição se dá a partir dos processos de sagração das esferas referidas, sagração que está de acordo com o processo de naturalização da moral que ela define como a forma de apropriação dos valores em instrumento político que consiste em ocultar a essência da moral, qual seja, sua natureza histórico-cultural;
08 junho 2006
o tema corpo exige uma abordagem corporal; a filosofia trágica, que se consome em seu próprio fogo, pode ser pensada uma filosofia muscular;
a palavra chave deste pensamento: imanência;
em termos antropológicos, o estruturalismo propõe um debruçar-se sobre o texto, sobre a criação de sentido no texto etnológico;
totemismo hoje: inicia-se por comparar a ilusão totêmica à produção social do louco: o selvagem seria produto de nosso pensamento, das civilizadas abordagens objetivas, de procedimentos de estudo e de análise próprios à ciência da época;
o estruturalismo, assim, não se define facilmente por seus temas, por seus objetos: ele problematiza a forma do texto etnológico, conduzindo a uma metateoria, e essa forma em sua função de produzir sentido;
o sentido não mais emana das coisas, ele circula em códigos, em circuitos fechados, sendo mais um problema de significantes em relação;
a ruptura com essa maneira de relacionar palavras e coisas, discursos e referentes, conduz a um método próprio, que inscreva em seu próprio corpo, que participe de sua composição, de sua construção;
a construção do sentido rompe com o primado do ser, com o primado do significado, trazendo à frente o significante, o corpo, o devir;
são dois métodos, pois dois modos distintos de proceder com o conhecimento; o primeiro, marcado pela revolução hegeliana da história, apega-se à tradição da metafísica transcendental que atravessa o pensamento moderno, coroando-se no marxismo; o segundo se volta à imanência, aos processos de produção de verdades e de criação de sentido, cujos discursos fornecem material de primeira;
o sentido não está dado, ele é construído, constitui-se socialmente através de procedimentos diversos; essa naturalização dos sentidos resulta dos próprios processos de produção de verdades e sentidos;
as máquinas que produzem verdades, sentidos, realidades, estão ocultas por entre a selva de discursos que nos enreda;
quando Carlitos é devorado pela máquina e depois cuspido fora - cena precursora de todo o Matrix - a máquina que engole o homem resulta num complexo processo de disciplinarização;
o homem engolido: tem seus sentidos engolidos, sua percepção é engolida, não pode ver o que o envolve e naturaliza sua condição, não a reconhece como processo;
05 junho 2006
sei isso muitas vezes,
mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
dobrada à moda do porto fria?
não é prato que se possa comer frio,
mas trouxeram-mo frio;
não me queixei, mas estava frio,
nunca se pode comer frio, mas veio frio;
(ficções do interlúdio)
come chocolates, pequena:
come chocolates!
olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates;
olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria;
come, pequena suja, come!
pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estânho,
deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida;
(ficções do interlúdio)
02 junho 2006
e se pensarmos que essa imagem não é apenas uma construção ideológica e que não haveria uma história real que ocorreria por trás dessa imagem?
se pensarmos que a própria história materialista, dos interesses econômicos, é parte dessa construção, sendo igualmente uma apropriação política?
Isso só nos interessa não por querermos tirar o chão materialista da história, por acreditar que não houveram eventos como os genocídios, etnocídios e escravismos, e sim por uma problema de método;
ao sustentar uma realidade de fato, escamoteada por detrás do discurso ideológico do estado, não estamos ainda na mesma dinâmica de interação entre ciência e política, conhecimento e poder;
por isso que, em latour, não é possível pensarmos as três críticas no mesmo nível; a dimensão dos discursos tem uma eficácia simbólica, ou melhor, tem um poder de desdobrar-se sobre si mesma que as demais instâncias não possuem;
isso define a agilidade de teorias que colocam como ponto de partida, inclusive o próprio latour e sua antropologia simétrica, o discurso, a metateoria;
o que é urgente aqui, no caso chauí, é apreender as duas dinâmicas de produção de saberes que se apresentam;
a primeira sustenta uma realidade empírica, acessível à dimensão discursiva, que traria para a história a tensão dos interesses sociais de classe: a história se constitui das construções simbólicas dos agentes sociais;
essa concepção ainda sustentaria característica da tríade cristianismo, iluminsimo, marxismo, atravessadas pela dinâmica transcendental do pensamento de tradição metafísica;
essa característica é aquela apresentada por latour da cisão entre física e metafísica, natureza e sociedade, natureza e cultura, ciência naturais e ciências humanas, saber e poder;
como vimos em latour, quanto maior foi o nosso ímpeto por separa as instâncias de natureza e cultura, e assim, fazer um discurso neutro, objetivo, universal sobre o homem, o que se deu foi o momento de maior apropriação político-ideológica do saber, das ciências humanas;
a segunda, de certa forma, institui-se no campo criado pela teoria dos discursos, campo em que se situa o próprio latour, em que se desdobram, enquanto dimensão crítica, enquanto instância discursiva estes campos: natureza, cultura, discursos;
há que se operar sobre esta zona intersticial em que tais instâncias entram em contato; o processo de desdobramento dos discursos sobre si, marcante no estruturalismo de lévi-strauss e em toda dimensão metateórica que caracteriza hoje a antropologia;
mais forte são os poderes do povo...
assim, ela discrimina duas instâncias distintas; uma da história, que se desenha como pano de fundo à construção de outra, o mito fundador que caracteriza a imagem do brasil e do brasileiro;
a distinção dessas duas instâncias é um processo fundamental para o antropólogo, para a compreensão do processo político que se constitui no processo da construção do pensamento social: historia, sociologia, antropologia;
aqui, compreende-se que o processo de constituição antropológica brasileiro possui uma zona intersticial, que é confundida no pensamento positivista que constitui o nosso pensamento;
a apropriação política do conhecimento em ciências humanas num primeiro momento, e das ciências naturais então, é caracterizado como instância distinta à história materializada;
em nosso processo, neste processo, quanto mais nos dedicamos à afirmação positiva da imagem do brasileiro, uma imagem científica, inspirada nas ciências naturais, maior foi o teor político ideológico de nosso discurso antropológico;
é esse processo de apropriação da imagem do brasil e do brasileiro e sua utilização pelas elites brasileiras que a autora analisa como discurso autoritário, visto que ele produz uma imagem sob medida para aquilo que convém a essas elites de acordo com o momento;
dessa forma, a autora nos revela como se dá o processo de constituição da antropologia brasileira, da construção da imagem do brasileiro e de como essa imagem, elaborada por nossas ciências sociais, sustenta as ações políticas do estado;