31 janeiro 2009

inventando para ser inventado

a relacionalidade na antropologia
em roy wagner o que se tem é uma circunscrição fundamental dos problemas implicados no relativismo e no interpretacionismo que desponta principalmente com geertz;
não se trataria de descrever a cultura, pois a cultura está sendo desconstruída como objeto numa relação sujeito-objeto que pressupõe a ambos, ou uma imagem de ambos;
a invenção da cultura proporia desconstruir a imagem de uma antropologia descritivista, de uma etnografia como descrição ou pelo menos com descrição realista, se pensarmos em termos literários;
trata-se de desconstruir essa imagem da antropologia colocando em relação ‘a’ cultura e as culturas;
as culturas e a cultura como produtos de nossa cultura e não objetos transcendentes desprendidos de sua realidade política e valorativa;

não se trata propriamente de dialogismo, visto que o dialogismo remete ao contexto lingüístico e político em que se movimenta bakhtin e apesar de ele trabalhar subjetividade ou intersubjetividade a partir do regime literário de subjetivações, ele ainda se mantém preso a preconcepções de sujeito e objeto em seu referencial producionista [sujeito produz objetos];
preferimos aqui tomar como referência a noção de discurso ou discursividade de foucault por seu caráter ‘mais’ antropológico, isto é, pressupondo a desconstrução do sujeito transcendental, do sujeito como forma pré-concebida;
foucault já trabalha com a diferencialidade do sujeito, uma imagem da subjetividade como linha de fuga, como o que escapa, ou como relação, para entender o poder como força de subjetivação;
o sujeito se descontroi a partir da relação, mas não de uma relação identitária, que constitui identidades, uma subjetivação do devir;
uma experiência de pós¬antropologia que será levada a cabo nos mil platôs, esse misto de filosofia e literatura, estética e arte...

28 janeiro 2009

foto: txuta tenê
a disputa por conceitos
relato eventos que embasam as reflexões que se seguem;
há alguns anos, presenciei uma palestra de gilvan müller num evento denominado diálogos interculturais que trouxe ao acre ailton krenak;
o palestrante fazia uma interessante desconstrução dos conceitos de cultura e identidade;
terminada a palestra, ailton tomou a palavra e o que se seguiu foi um debate acalorado;
ailton colocava em questão o que estava sendo dito diante das noções de cultura dos povos indígenas, da identidade que advém dessa noção de cultura;

os kuntanawa
outra situação, deu-se na última reunião com os kuntanawa e opirj, em que, entre outras eles reivindicavam uma forma de reconhecimento que não seja intermediada por antropólogo, mas que seja realizada por eles mesmos;
no disco que gravaram recentemente, há uma música que relata antropologicamente o massacre dos kuntanawa e o que se sucedeu, terminando com um apelo ao 'presidente' que lhes reconheça a terra;

não se trata da relatividade dos conceitos ou de relativizar conceitos [o que remete ainda a alguma convergência, algum universalismo];
trata-se, antes, dessa necessidade de verdade, de convergência em torno de uma verdade, da verdade como convergência, unidade do sentido;
trata-se dessa disputa pela verdade, pela posse da verdade, pela propriedade do conceito;
trata-se dessa força que movia, no debate, de um lado, gilvan, no personagem conceitual do antropólogo, e, de outro, ailton, encarnando o personagem conceitual do nativo;
que os movia a disputarem o conceito de cultura e sua legitimidade [do conceito, de seu uso, de sua enunciação, de sua definição];
trata-se dessa força de convergência que os movia a impor, a partir da legitimidade de seu meio, antropológico e indigenista ou indígena e antropológico, sua noção do conceito sobre o outro;
que inviabilizava qualquer possibilidade de divergência ou partilha do conceito, a partir da igual legitimidade de seus contextos;
que impossibilitava a partilha do conceito segundo seus usos em campos distintos, segundo suas necessidades, suas realidades, seus pensamentos;
isso parece se dever, em grande parte, à idéia, à imagem do pensamento, como universo, como realidade unificadora da multiplicidade, como imagem da realidade e da verdade como unificação;
não se identifica nenhum fora do pensamento, em vez disso, investe-se a noção de cultura num mesmo plano de pensamento, unificado num mesmo plano político de realidade, isto é, investindo numa mesma ontologia ou numa ontologia uma;
não se identifica um pensamento outro, um pensamento não-ocidental, um pensamento nativo;
a ontologia da unidade, de um único mundo, uma única dimensão, uma única realidade e muitas culturas, resulta na imagem do pensamento/pensado como universo, identidade objetivada para ser pensada;

mas não se trata de partilhar experiências;
o conhecimento não se constitui à imagem da partilha e sim, na dinâmica da disputa pela razão e a verdade;
assim funciona o conhecimento conceitual;
a disputa pela verdadeira imagem da cultura era o que estávamos assistindo;
não a simples disputa pelo conceito, mas a disputa pelo conceito a partir de seu uso, de seu campo de utilização, de seus agentes;
o que via, de fato, era o[s] indígena[s] desautorizando o antropólogo [que 'desautorizava' o conceito de cultura ao desconstrui-lo] quando este propõe um conceito de cultura que escapa ao jogo das políticas identitárias de estado, ou mesmo sua utilização pelos indígenas em suas políticas internas;
[se não me engano, gilvan pode ter feito uma referência qualquer com relação ao uso do conceito de cultura e de identidade pelos indígenas [cf. weber]]
de fato, a disputa não seria propriamente pelo conceito, senão pelo território a que o conceito dá acesso e domínio;


sabe-se que a retórica da afirmação cultural e do fortalecimento identitário foi a política indigenista de estado que garantiu as últimas décadas de direitos fundiários aos povos indígenas;
desconstruir agora esse procedimento, ao mesmo que urgente se mostra bastante doloroso, visto que esses povos se construíram, se constituíram como identidades e como povos a partir dessa política que muitos crêem ser tradicional ou mesmo natural;

antropólogos e indígenas nunca cessaram de disputar territórios, o que aliás, pode definir a relação entre;
certo que o antropólogo sempre teve acesso ao mundo indígena na medida que dava acesso ao mundo branco, ao seu funcionamento, aos seus recursos;
que não se discuta aqui o valor e as conseqüências disso, questão problemática que remete a utopias e tutelas;
portanto, seria balela definir o conhecimento antropológico, construído a tantas mãos, como resultando de um trabalho colaborativo, como parceria;
trata-se, antes, de exploração, de enganação, de ilusão, de promessas impossíveis;
o conhecimento antropológico, por mais que o antropólogo busque ocultar, por uma questão moral[ista], inerente a seu conhecimento, é sempre o lugar da disputa de território, quase sempre de barbárie e colonização;


o conflito como plano de imanência
no entanto, o próprio conflito, mais que essa convergência num mesmo plano de pensamento, diz mais, ou melhor, age mais em relação a uma diversidade;
não seria assim o conceito de cultura que precisaria de um plano em que pudesse ser projetado, mas ele próprio se constitui como esse plano, a partir dessa prática de conhecimento que se dá nessa disputa pelo conceito;

uma prática de conhecimento que se da como disputa de conceitos, no caso, o conceito de cultura, fundamento da prática antropológica, o que possibilita remeter a uma disputa da própria disciplina, de suas práticas;

aqui o conceito se confunde com sua disputa, é o próprio momento, o próprio ato, a própria prática da disputa;
por isso nosso interesse de cartografar conflitos equivalentes a esses, quando os indígenas partem para disputar a antropologia com os antropólogos, quando notam que as promessas, que as negociações com o antropólogo não vão a contento;

21 janeiro 2009

não se trata apenas de construcionismo, ou melhor de afirmar
qualquer procedimento que não esteja vinculado a uma dinâmica
reproducionista ou representacionista, como já repisamos tanto a
tradição interpretativista das ideologias que recobrem os verdadeiros
sentidos, velha herança ilusória das hermenêuticas bíblicas;
o sentido opera aqui como centro, como uma referência - o verdadeiro -
para as interpretações;
no entanto, e desse centro que nos queremos livrar para poder girar
com maior velocidade, para trabalhar com um eixo que esteja ele
também e sobretudo em movimento;


enfim, trata-se menos de afirmar tal contrutivismo que de desenredar
os pressupostos representacionistas que sustentam todo uma ordem
e uma tradição moral a configurar nosso pensamento e suas verdades;

de um construcionismo produtivista desdobram-se os agenciamentos;
os agenciamentos não lidam com produtos, nem mesmo co a produção
de subjetividades, não se trata de produção;
o agenciamento lida com processos inerentes de subjetivação, não
se desvinculando, portanto, subjetividade e objetividade, linguagem
e realidade;

a que se refere criar quando se lida com agenciamentos;
cria-se algo? cria-se com algo? nos criamos através de algo?
e de que forma ainda somos abatidos em nossa criação por
uma imagem representacionista do criar, pelos valores de uma
ordem da representação, por concepções que advem das
dicotomias típicas entre linguagem e realidade;

18 janeiro 2009


platôs
num livro, como em qualquer coisa, há linhas de articulação ou segmentaridade, estratos, territorialidades, mas também linhas de fuga, movimentos de desterritorialização e desestratificação; as velocidades comparadas de escoamento, conforme estas linhas, acarretam fenômenos de retardamento relativo, de viscosidade ou, ao contrário, de precipitação e de ruptura;
tudo isto, as linhas e as velocidades mensuráveis, constitui um agenciamento;
um livro é um tal agenciamento e, como tal, inatribuível; é uma multiplicidade mas não se sabe ainda o que o múltiplo implica, quando ele deixa de ser atribuído, quer dizer, quando é elevado ao estado de substantivo;
um agenciamento maquínico é direcionado para os estrato que fazem dele, sem dúvida, uma espécie de organismo, ou bem uma totalidade significante, ou bem uma determinação atribuível a um sujeito, mas ele não é menos direcionado para um corpo sem órgãos, que não para de desfazer o organismo, de fazer passar e circular partículas a:significantes, intensidades puras, e não para de atribuir:se os sujeitos aos quais não deixa senão um nome como rastro de uma intensidade;
...

não se perguntará nunca o que um livro quer dizer, significado ou significante, não se buscará nada compreender num livro, perguntar:se:a com o que ele funciona, em conexão com o que ele faz ou não passar intensidades, em que multiplicidades ele se introduz e metamorfoseia a sua, com que corpos sem órgãos ele faz convergir o seu;
um livro existe apenas pelo fora e no fora;
...

é preciso fazer o múltiplo, não acrescentando sempre uma dimensão superior, mas, ao contrário, da maneira simples, com força de sobriedade, no nível das dimensões de que se dispõe, sempre n 1 [é somente assim que o uno faz parte do múltiplo, estando sempre subtraído dele];
...
um rizoma não cessaria de conectar cadeias semióticas, organizações de poder, ocorrências que remetem às artes, às ciências, às lutas sociais;
...
a língua se estabiliza em torno de uma paróquia, de um bispado, de uma capital;

...

os fios da marionete, considerados como rizoma ou multiplicidade, não remetem à vontade suposta uma de um artista ou de um operador, mas à multiplicidade das fibras nervosas que formam por sua vez uma outra marionete seguindo outras dimensões conectadas às primeiras;

...

um agenciamento é precisamente este crescimento das dimensões numa multiplicidade que muda necessariamente de natureza a medida que ela aumenta suas conexões;

agenciamento, não poderia tudo que se perseguiu durante aqueles anos ser sintetizado no vislumbre de um agenciamento;
quando renunciamos a e denunciamos o representacionismo como forma de controle, como tecnologia, dispositivo de controle, ainda era o negativo preparando os caminhos da criação, da concepção com toda sua tragicidade, com todo o fenômeno temporal que ela implica, fenômeno de alteração de velocidades, de escapar à configuração histórico:transcendental de um tempo como pressupostos de ordem, de evolução, de progresso;
só quando se passa a lidar mesmo com a criação, com suas compressões de tempo, com suas sínteses simbólicas, com seus vislumbres oraculares, então é que o agenciamento opera;
quando fizemos uso dos rituais descritos por nimuendaju era porque havia ali uma comunicação entre o que se descrevia e o processo de expressão da experiência de temporalidade e devir presenciada naquele ritual;
criar, portanto, exige uma outra experiência temporal, exige trabalhar o texto em sua materialidade a procura de sínteses que não se encontram num devir explicativo, a se colocar objetivamente diante dos processos;

não se trata, nunca, de explicar em que consiste um agenciamento, ele escapa sempre a explicações, trata-se sim de simular o agenciamento de simular processos, velocidades, cortes, linhas de fuga, movimentos, devires;
o agenciamento não se presta a explicações, não se pode parar o tempo para explica-lo, trata-se de pega-lo como se pega uma onda, como se pega um poema, uma onda de inspiração mística;
só se sabe estando nele sem querer domina-lo;

03 janeiro 2009



mas o que há de tão intrigante nessa simples assertiva...
hoje, para os indígenas, é claro o vínculo entre o projeto político-pedagógico desenvolvido para sua comunidade e os demais projetos em andamento;
a escola de hoje não é a escola de há vinte anos;
os indígenas amadureceram certa relação com certo estado que lhes permite ver a escola como parte de seu projeto de interação com a sociedade não-indígena;
não se vive mais o tempo das garantias territoriais;
vivemos hoje os tempos da gestão territorial em meio ao capitalismo financeiro globalizado;

pense-se, a escola não consiste numa instituição per si, num valor pré-definido, a escola pela escola;
para os indígenas a escola só faz sentido num projeto que a englobe e dê sentido;
um projeto de vida como dizem os ashaninka;
no entanto, esse é um limite para muitos dos indígenas, que quando chegam até esse ponto da argumentação, mordem o próprio rabo dizendo que a educação é um direito ou que a educação é uma compensação pelos males causados pelo contato;

só para nós e nosso sistema de linguagem e conhecimento que pode a educação assim como outras instituições, encerrar-se em si, desvinculado de outras dimensões da sociedade;

além do mais, como justificar a escola indígena funcionando desvinculada das demais experiências e instituições sociais;
afinal, os recortes da sociedades indígenas nem de longe correspondem aos nossos;
ainda que possamos definir campos como religião, educação, medicina entre outros, tais campos estão em outras relações, em outras interações;

esse automatismo do sentido, esse não:dito que sustenta as instituições em suas tramas discursivas são o modus operandi de nosso plano de transcendência;
essa dinâmica dos discursos e das instituições se constituírem como valor em si é algo típico de nossa episteme;

é interessante que isso chame a atenção desses mestres;

é interessante sobretudo que esse seja um problema levantado pelos ashaninka, que são o povo do devir-segredo por excelência;
os ashaninka parecem possuir uma capacidade extraordinária de perceber as coisas que querem escapar, que querem se esconder;
algumas coisas dos brancos parecem agir dessa forma e a antropologia ashaninka se especializa em perceber esses procedimentos brancos de cercar o adversário com seus valores;

esse automatismo parece operar como um pressuposto;


são tantas as imagens da escola indígena;
vão desde as mais otimistas até as mais pessimistas, vão desde a imagem do bom selvagem até o ceticismo histórico;

não vejo sentido proliferar imagens da escola indígena sem compreender em que consiste o projeto de escola indígena do estado;

é bastante comentada a atitude dos indígenas de receberem tudo o que chega de fora, de serem muito receptivos às novidades, de serem um povo da alteridade mais que da identidade;


o que assombra é que na maior parte dessas perspectivas de estado, em que esses intelectuais orbitam, pensam a escola em si mesma, a escola pela escola, sem perspectiva-la em sua socialidade;
é aí que esses intelectuais de estado se furtam a uma análise do período político e histórico que vivemos, é aí que se furtam de analisar o caráter que eu chamaria de foucaultiano do processo que estamos vivenciando;
trata:se como se as políticas de subjetividades fossem um bem em si sem buscar compreende-las nos contexto extremamente opressivo do capitalismo que estamos vivendo;
negligencia:se a história como só uma mentalidade colonialista e entorpecida pelo autoritarismo pode fazer;
trata:se a constituição, documento positivista por excelência, como ruptura histórica em relação à onda repressiva que tomou conta do estado e desenvolveu sua vigilância ideológica de forma violenta durante o último período de definição política no país, pois depois disso não saímos da mesmice pseudo-democrática da manutenção do poder do capitalismo financeiro dos países de primeiro mundo;
ver a escola indígena desprovido das lentes do contexto de saber:poder em que nos encontramos conduz à miopia da retórica de estado, desvinculada das experiências contra-capitalistas e contra-civilizacionais de sua forma de vida;

muitos povos já percebem o logro dos valores etnocêntricos que chegam junto com a televisão e outros bens de consumo;
as intervenções de estado que visam hoje transformar em consumidores a maior parcela possível da população, tomam um critério de valores uniforme para definir o grau de pobreza das populações não urbanizadas;
como outrora se valorizavam soldados, hoje se valorizam consumidores;
esse olhar míope do estado tem gerado confusões em cadeias e os prejudicados em seus projetos de organização e autonomização são os indígenas que acabam se envolvendo e identificando nesses projetos de estado;

os professores indígenas criticam nos olhares de seus assessores pedagógicos brancos a incapacidade de enxergar uma escola para além da escola em si, da escola pela escola;
em suas palavras, a escola não deve ser um valor em si, deve se constituir em função dos projetos comunitários, se esses projetos não assentam a escola, dificilmente esta, instituição já tão problemática em sua natureza, poderá encaminhar tais projetos;

creio que a produção de conhecimento indígena passa por uma antropologia nativa que deve desconstruir as máquinas de valorar do pensamento ocidental;

é interessante que gilvan se ocupe de demonstrar o contexto em que emergem as regras gramaticais e qual a sua função política nesse contexto, assim como a forma como elas se reproduzem nas práticas dos lingüistas quando colocados em contato com sociedades em que esse regime de ordem ainda não está definido;
segundo o autor, diante desse contexto o lingüista identifica automaticamente como sua função estabelecer esse regime de valores em torno de questões de mera convenção;
o lingüista prontamente identifica como sua uma função de estabelecer valores em torno de práticas normativas, bem como dispor aos professores esse exercício de poder tão útil para a configuração das práticas pedagógicas enquanto aparelhos de captura;

discurso da violência
não esquecer a pesquisa sobre os discursos militares de vigilância discursiva;
lembrar também que um dos objetivos dessa pesquisa é misturar enunciados registrados de memória com enunciados literários que visam descrever a modelagem das mentes pela censura de pensamento e discurso proposta pelos militares em sua função de conformadores de uma realidade maleável ao autoritarismo, tendo como ferramenta principal o medo e todo um regime de imputação do terror para o controle o outro em dimensões inconscientes, isto é, dimensões que devem se desdobrar em processos criativos futuros;

lembremos por hora o texto de rolnik, deleuze esquizoanalista, e a carta recebida por viveiros de castro;
podemos ainda tomar, em alguma medida, o conceito de palavra de ordem de mil platôs;
temos ainda o poema de brecht, sobre a voz (um dia eles entram em sua casa e arrancam sua voz) que sintetiza bem o processo ao qual buscamos recompor, demonstrando como esse regime autoritário que nos é imposto está impregnado em nossa configuração e como o engolimos diariamente em nossas refeições;
não se trata de aceitar o que foi feito, a tortura e o assassínio, trata:se de nosso assassínio cotidiano, da tortura de nossas mulheres;

outro exemplo será o dos enunciados colocados no tribunal de pequenas causas que visam antes intimidar que informar o princípios das práticas de seus funcionários;
cabe ainda aprofundar a associação entre os militares e o regime jurídico liberal e anti-democrático instalado nessas plagas;

também cabe uma brincadeira com o imaginário guerreiro dos militares;

por esse devir não nos conformarmos com as migalhas e com um discurso de vencedores democráticos que não é nosso;
é necessário que perdemos, que perdemos violentamente, que idealizamos nossa liberdade na forma do estado e se vamos continuar a reprodução dessa imagem de liberdade oficial herdada dos militares como prato feito;

a importância de se retomar tais enunciados está não só em exorcizar os fantasmas que impregnam os nossos discursos, mas também no fato de nossos processos de subjetivação atravessarem necessariamente tais enunciados, tais palavras soltas outrora mas que continuam reverberando até serem silenciadas, até os nós serem desfeitos em nossas produções discursivas, até esses peixes serem pescado em nossas redes enunciativas;

enquanto maria inês de almeida propõe que se atue, crie, agencie uma escola indígena como texto em constante reescrita, ou seja, como prática textual e não cânone sagrado e imutável, regime legal, gilvan müller acena com a possibilidade de se imaginar a escola indígena e suas práticas criativas tomando mesmo a dinâmica da oralidade contra o chamado 'escritismo';

o nomadismo próprio da socialidade ainda tende a nos assustar;
nossa segurança ocidental, o espírito conservador que baseia nossas instituições assenta:se na concepção sedentária de nossa legislação, nossa economia, nossa ciência;

atingir o caráter sedentário de nosso saber, de nosso discurso burocrático que opera de sua base as estratégias bélicas de localizar e destruir, pois a segurança de nossa ciência, a garantia de suas verdades está assentada na tradição de conformar verdades herdada da hermenêutica religiosa, da hermenêutica jurídica que configuram a segurança da sociedade em face do estado;

essa necessidade de segurança, de previsão, que assola o homem responsável da genealogia da mora de nietzsche;

trafegar entre uma diferencialidade discreta, associada a práticas ingênuas e mesmo conservadoras (como as que tomam por objetivo a comunicação, a produção de textos 'informativos') e uma diferencialidade radical que passa rente aqueles abismos da ruptura de sentido, da linha de morte;

uma diferencialidade radical que não visa perder:se nem traçar regras;
uma diferencialidade inspirada na singularidade das falas ou de uma língua em lugar de a língua;

toda fixação de nosso pensamento, de nosso regime, de nossos recursos que podem enriquecer ou fortalecer a experiência indígena serão relativizados a partir desse nomadismo como estratégia/tática para afetar o saber sedentário de nossas instituições, discursos e intelectuais de estado;

da oralidade á música, pensamos em regimes e recursos que tracem linhas de fuga aos arsenais de conformação e controle, aos aparelhos de captura mais bem intencionados;

o perigo maior dessa retórica estatal consiste em sua lógica das boas intenções, que geralmente oculta, característica que compartilha com os discursos religioso e científico, sua lógica de poder, seu saber:poder, sua natureza política de centralização de poder, enquanto faz um discurso para fora, projetado como plano de transcendência, enquanto sua prática, seu plano de imanência, sua ação discursiva é ocultada;

o que há de antropologia do conhecimento, noção redundante, já que toda antropologia propriamente consiste numa relação entre conhecimentos, é tudo o que vai além de uma sociologia do conhecimento;
a antropologia nesse sentido é tributária dos processos de genealogia das categorias ocidentais que valoram esse conhecimento como instituição social;
não se pode tratar de conhecimento na perspectiva antropológica sem irmos direto para a desconstrução de categorias, de pressupostos, de princípios indiscutíveis, das verdades, dos não:ditos que projetamos ao considerar outro regimes sociais de conhecimento;

é interessante que o texto de rajagopalan encerre uma questão;
ainda mais interessante que essa questão envolva a possibilidade de uma crítica radical da linguagem;

o que se vê de fato hoje no campo dos estudos lingüísticos [e a retomada entusiástica com uma popularização extraordinária de autores como bakhtin, que acabou se tornando dos ano noventa pra cá um autor pop, denota isso] é a necessidade da linguística situar:se no campo das políticas públicas a partir de sua malfadada tradição científica;
enquanto lhe caia modificar a noção de ciência, os seguimentos mais conservadores se contentaram com adequar-se à ciência tradicional, a ciência régia do estado, concentrando-se numa lingüística da língua, fenômeno cientificizável por excelência;
se o estruturalismo levou a lingüística a essa política científica, o mesmo não ocorreu na antropologia que se utilizou do mesmo estruturalismo para traçar sua desconstrução do pensamento ocidental via pensamento selvagem dos nativos;
à antropologia o estruturalismo serviu para exorcizar a tradição histórica da sociologia positivista com sua imaginação metafísica, isto é, proliferando essências numa linguagem explicativa do objetivismo neutro da universalidade;

enquanto os estados se modernizam inspirados na racionalidade positivista e sua imaginação metafísica, cuja obsessão é unificar a nação sob um mesmo mito histórico, uma mesma cultura e uma idéia universal de cidadania herdada da concepção jurídica do estado-nação;

repatir, repetir até ficar diferente...
os pensadores o século vinte, principalmente aqueles que se debruçaram mais atentamente nas propostas criativas de nietzsche, propõem dar uma guinada radical em relação à sociologia do conhecimento esboçada em marx a partir de conceitos como ideologia, superestrutura, infraestrutura entre outros;
para esses novos autores interessa sobremaneira circunscrever a tradição de pensamento em que se insere marx, evidenciando que sua concepção histórico-transcendental não resistiria à crítica da linguagem e que, assim, sua concepção de consciência não sobreviveria à crítica radical a subjetividade;


dificilmente se poderá, sem alguma pretensão, definir-se hoje os objetivos de uma escola indígena;
a complexidade que atingiram tanto a relação dos povos indígenas com a sociedade ocidental (especificidade política de cada povo, projetos desenvolvido em cada comunidade etc), como a relação do povos indígenas consigo próprios, fez proliferar um sem número de imagens da escola igualmente [in]válidas, das quais não se sabe bem o que vingará a médio/longo prazo;

no acre podemos imaginar uma articulação internacional que vem se desenhando há tempos;

outra contribuição acreana para o quadro nacional consiste na forma com que se percebeu e se tem refletido aqui sobre a política de identidades, a negociação em torno da identidades que pauta a construção de políticas públicas na relação indígenas/estado;
essa política de identidades possibilita lançar um olhar crítico sobre a naturalização em torno de uma concepção de cultura e processos a ela atrelados que não fazem parte do repertório epistêmico dos povos indígenas;
os indígenas podem se apropriar dessas noções propostas pelas políticas públicas, as quais muitas vezes são bastante alheias a seu pensamento, mas que acabam incorporadas em seu repertório político;


a produção de diferença
não será possível produzir diferença a partir da perspectiva comunicacional;
a diferença está em estreita relação com o agenciamentos;
o agenciamento pressupõe a alteração, propõe afetar os circuitos de comunicação e sobretudo os princípios que definem a linguagem;
sendo a linguagem em nossos circuitos geralmente definida por critérios de identidade e representação, por critérios sedentários da ciência régia, do saber-poder dos aparelhos de controle social de estado, imaginar a linguagem a partir e práticas nômades, de textos em constante construção, de processos de autoria sempre inacabados e de fronteiras subjetivas indefinidas [como propõe a imagem de subjetividade a partir de uma reflexão sobre a autoria, michel foucault, quando demonstra o usos da autoria em função de uma imagem pré-definida de subjetividade, com sua dimensão política já comprometida a princípio];

maria inês de almeida, tomando a tão cara expressão para a antropologia americanista de sociedades contra o estado, fundamental para traçar os princípios de uma antropologia que pudesse produzir conhecimentos de perspectivas diversas daquela patrocinada pelo estado em suas instituições e sua imaginação jurídica, propõe imaginarmos a escola indígena a partir de um conceito mais amplo de autoria, inspirado nas práticas dos indígenas acreanos e seus intercâmbios de conhecimento;
ela propõe a escola indígena que resista à retórica e aos discursos prontos das burocracias de estado através de sua textualidade, inspirando:se na idéia de textualidade de roland barthes, segundo a qual se destaca o caráter provisório, efêmero, de devir, nômade mesmo, do saber e da autoria indígena;

a produção de diferença e não um objetivo final de definir uma escola indígena estável;
trabalhar uma escola indígena diferenciada que possa acompanhar os movimentos nômades desses povos que, diferentes de nós, não se fixam em um território nem se imaginam como povos fixados a partir de um regime burocrático de estado;
sem dúvida que prosseguimos com ela, algo que constitui eixo central de nossa dissertação de mestrado, mas também o próprio foco da antropologia brasileira recente: as formas, estratégias, recursos com que podemos nos imaginar a partir dessas outras perspectivas e nos afetarmos a partir delas, nossos valores, princípios, pressupostos, etnocentrismos, verdades, nossa noção de justiça, de autoridade, de economia etc;
enfim, não se trata tanto de imaginar como podemos nos relacionar a partir de nosso ponto de vista e nossos conceitos e categorias com esse outro conhecimento e sua socialidade, quanto se trata de imaginarmos a potência, os recursos, as estratégias com que podemos afetar nosso saber e a socialidade que ele pressupõe;
a curto prazo, é evidente o vazio na universidade pública brasileira em torno da sua dimensão de extensão;
vivemos a experiência de alguns anos de debate na universidade de são paulo em relação às experiências de extensão a partir de um projeto multidisciplinar de atuação com indígenas guarani;
dessa experiência tiramos como reflexão sistematizada em dissertação um balanço das influências sofridas de ambos os lados, isto é, busquei tirar o máximo de conclusões em relação a o que havíamos assimilado dessa experiência de troca de saberes e experiências entre índios e brancos da universidade;


a escola indígena a serviço do diverso e do singular
assim entendemos a escola indígena, pelo lado da linguagem, do trabalho das formas sobre as consciências, a serviço do diverso e do singular; no entanto, resta a pergunta que tem levado a vários debates e que ações governamentais têm respondido com a tentativa de efetivar a municipalização das escolas indígenas: haveria um espaço, um lugar possível, em que as sociedades indígenas poderiam atuar com o estado, sendo contra o estado;
observando, de modo geral, a situação de contato das comunidades indígenas com a sociedade brasileira, podemos considerar que esse entrelugar, novo espaço em construção, é mesmo um espaço textual; o que é um texto... uma forma de organização que decorre de uma tensão entre a escrita que o atravessa e impede a cristalização do sentido e seu próprio limite enquanto enquadramento (fragmento de um dizer, que em si, é verdadeiro); o texto é um lugar que viaja, em deriva, assolado pelas inúmeras vozes que o assaltam;
o que a criação da escola indígena está tentando, já o podemos afirmar, é garantir um espaço em que as diversas línguas, linguagens e vozes se entrelacem sem eliminarem, nesse tecido, a precariedade do transitório;
apenas quando os índios puderem detonar, um a um, os sucessivos clichês e discursos do estado, das instituições, da escola, da ciência, da arte, é que eles poderão dizer que fizeram uma escola indígena diferenciada; qual aparelho burocrático, municipal, estadual, federal, poderá lidar com isso... com o inacabado do texto indígena... com o que não cessa de se escrever, e que é sempre passageiro...

maria inês de almeida, escola indígena: que lugar é esse... : povos indígenas o brasil (2001:2005)


de fato, sucessivas gerações de lingüistas quase nunca deram qualquer sinal de estar minimamente perturbados com esse truísmo um tanto embaraçoso de que, após anos de pesquisa, os lingüistas ainda não apresentaram uma definição satisfatória, que utilizasse apenas critérios lingüísticos, do que se já ‘uma língua’ (em oposição a ‘língua’ – sem a anteposição de um artigo);

rajagopalan: o conceito de identidade em lingüística: é chegada a hora para uma reconsideração radical?