04 julho 2008



a antropologia conquistou um espaço a ser expandido: o estado não define quem é ou não é indígena;
esse espaço de ação e de intervenção política até o eduardo respeita, pelo menos até segunda ordem...
a questão é que baseado na força política desse quesito, qual seja, o dos próprios povos indígenas, definição etno-cultural [ou extrativistas, definição econômico-cultural];
essa concepção de definição étnica ou das fronteiras étnicas, que remete à barth, fez escola no brasil;
ela tem servido hoje como suporte teórico para trabalhos como os reconhecimentos de grupos em processo de ressurgimento étnico ou revitalização étnica;
esse referencial teórico também tem servido a trabalhos com grupos e movimentos sociais os mais diversos em trabalhos de garantia de direitos sobre territórios;
é o caso do projeto nova cartografia social, coordenado pelo antropólogo alfredo wagner;
o princípio é o de dar visibilidade, dar voz, criar um espaço ou agenciamentos de enunciação [que podem se desdobrar em agenciamentos processuais] para a expressão e a afirmação desse auto-reconhecimento;
esse auto-reconhecimento não se limita [apesar de se justificar e apoiar sobre esse ponto] a reafirmar os direitos constitucionais e infra-constitucionais dessas populações;
esse procedimento, esse agenciamento de enunciação antropológico visa definir fronteiras no interior de uma homogeneidade da qual o capitalismo se aproveita;
a homogeneidade que configurou o projeto de nação já trazia em seu germe os princípios do liberalismo, tais como o indivíduo-cidadão, a propriedade privada e seus direitos entre outros que geralmente se desdobram desses;
no entanto, é com o neoliberalismo, que os projeto do estado se fundem, ou melhor, se diluem [ou melhor ainda, assumem essa velha identidade] numa política voltada exclusivamente para a troca de privilégios com o mercado;
assim, as lutas de classe e metamorfoseiam na mobilização das minorias [ou diferenças, para forjar uma expressão diferente], de movimentos sociais, de grupos étnicos;
em lugar da questão da exploração capitalista e das relações de classe, que ficou fora de moda ou inviável teoricamente no campo do inimigo [globalização ou capitalismo mundial], assume a subjetividade travestida de etnia, cultura, conhecimentos tradicionais;
não se trata simplesmente de um vocabulário jurídico;
como tudo que diz respeito ao jurídico, trata-se da constituição de mercados, de velhos-novos mercados;
colocado nesses termos o problema se aprofunda ou fica mais delicado;
já era tempo, pois já debutou e alcançou a maioridade a crítica à apropriação dos movimentos sociais;
apropriação por partes tão diversas como a esquerda partidária, o ambientalismo não governamental, intimamente ligado ao ambientalismo de estado, todo o mercado do direito ambiental, que se desdobra no mercado dos direitos sobre os conhecimentos tradicionais, entre outros que instituem a hipocrisia de um neoliberalismo participativo;
não nos esqueçamos: afirmar direitos é afirmar o direito, pedir reconhecimento ao estado é reconhecer o estado e sua política;
essa é a lógica do 'quem não chora não mama', expressão que ouço com freqüência de meus interlocutores indígenas;
no entanto, essa lógica do assistencialismo é uma lógica do oportunismo, da vantagem imediata, do se dar bem em curto prazo;
parece, portanto, incompatível com um projeto de longo prazo que idealizo como possível alternativa ao assistencialismo e suas armadilhas;
voltando à questão, essa opção de mobilização guarda semelhança com processos anteriores que levaram a impasses e linhas de fuga conhecidos e desconhecidos;
impasses conhecidos são os que temos procurado identificar nos processos de desmobilização comunitária de reservas extrativista pelas práticas administrativas do estado que visam 'beneficiar e levar direitos';
práticas que caracterizam a gestão pública da população ao alcance de uma prefeitura como a de marechal taumaturgo [e do estado de forma geral];
faz-se sentir nessas práticas os impactos sobre a dinâmica comunitária dos 'direitos concedidos' pelo estado visando a 'melhoria da qualidade de vida' dessas populações;
são os programas de educação e saúde do estado, programas de assistência social, os benefícios, incentivo agropecuário e assistência técnica, a concorrência por cargos e remunerações, enfim, um conjunto de procedimentos políticos que articula a velha política assistencialista da colônia com a lógica neoliberal o capitalismo generalizado, colocando os processos subjetivantes a girar em função dos valores urbanos da administração pública e desse capitalismo;



quais possíveis saídas para operar no sentido de uma mínima autonomização que não seja legitimar ou reafirmar o poder de estado, o poder do jurídico;
como escapar a essas instâncias afirmando poderes que lhes escapem, construindo, montando, equipando máquinas de guerra;
a problematização se dá num limite difícil de superar: em que medida afirmar um direito diferenciado não é também propor novas apropriações, novos aparelhos de estado, formas da estrutura jurídica aprofundar seus tentáculos, ramificar-se na estrutura de poder indígena, a qual ela tem sistematicamente sedentarizado com a disseminação de sua lógica, de seus valores;

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