28 junho 2008



escrito por alexandre antoio shawadawa

estou afirmando com os dois comentários sobre o assunto
nós indigenas estamos firme com a nossa bandeira e samos a natureza
estamos presente em todo os lugares defendendo a floresta e a nossa indentidade cultural
não queremos entrar em influências com outras doutrinas
queremos a nossa liberdade

tuku udi shawadawa

26 junho 2008


abrir perspectivas pelas quais se escape à uma imagem de educação que tenda ao senso comum, à imagem estabelecida pelo consenso;
nesse sentido, para a experiência particular/singular do juruá, já se constituíram agenciamentos de enunciação e agenciamentos processuais para a concepção de práticas de pesquisa, práticas de construção de conhecimento que escapem ao circuito oficial escola-universidade-laboratórios-empresas;
essas práticas de pesquisa estão associadas ao discurso combativo relacionado à biopirataria [e seu mercado jurídico] e remetem ao trabalho dos agentes agroflorestais nas comunidades;



os agenciamentos de enunciação foram proporcionados pela convergência dos debates em torno da biopirataria que ocorreram concomitantes às discussões sobre a universidade da floresta, isto é, a possibilidade e um conhecimento outro, proporcionadas pela possibilidade de um financiamento do estado para a região, uma extensão da universidade federal;
e o discurso dos conhecimentos dos povos tradicionais foi utilizado mais uma vez, desta vez para justificar uma suposta universidade popular [que no caso também não tinha sustentação política em práticas e sim em projetos e legislações], para legitimar políticas públicas em bases legais 'legítimas';
a semelhança de outros processos, a falta de uma base de sustentação em práticas de pesquisa e construção de conhecimento, no caso, levou a um descompasso entre o que se debateu, definiu e escreveu e aquilo que foi efetivado a partir das forças políticas que colocaram o projeto em ação;
o que se sucedeu foi que impera o jogo de forças de uma universidade convencional, dado que o projeto não foi construído em práticas políticas de conhecimento;
apesar de funcionar tão bem no papel, na prática constatou-se um projeto inviável na prática da política de conhecimento oficial;
nesse processo, constituiu-se um agenciamento de enunciação largamente experimentado pelos indígenas do juruá a respeito da pesquisa indígena em nível médio e superior;
a experiência com esse agenciamento de enunciação se deu tanto no contexto da elaboração do projeto da universidade da floresta, que teve diversos patrocinadores e interessados como o governo do estado e deputados federais e estaduais, como no contexto do debates sobre os conhecimentos tradicionais e seus direitos em torno da questão da biopirataria;
para tirar conclusões mais aprofundadas desse processo pode-se recorrer a um estudo mais detalhado do contexto do qual emergem esses dois acontecimentos;
tanto o fenômeno do mercado jurídico como do próprio mercado genético entre outros mercados que trouxeram a questão para a pauta do senso comum;
para uma abordagem crítica desse processo será crucial considerar esses interesses que envolvem a questão;



um suporte político para possíveis investimentos nesse campo foi efeito que esses debates tiveram no senso comum da opinião pública;
a possibilidade e a força jurídica que esse projeto teve e sua conseqüente aprovação fez com que, ainda que de forma um tanto folclórica, o tema chegasse ao domínio público;
a imagem de universidade da floresta se popularizou e proporcionou um clima propício para investimentos nesse sentido;
além do apoio popular e sua força política, a bem sucedida campanha dos deputados em torno da questão propicia um apoio parlamentar para tais investimentos;

pode ser interessante investir nesses agenciamentos visando indiretamente a escola, visando deslocar a imagem tradicional do ensino escolar;
esses espaços diferenciados, em que se debate a gestão do conhecimento a partir perspectivas não-escolares pode ser utilizado numa configuração/dinâmica outra [devir] do conhecimento escolar;
o modelo do ensino escolar é de uma opressão que dificilmente podemos enxergar a não ser que consigamos escapar dela;

por outro lado a pesquisa, a construção de uma imagem do conhecimento que suscite processos de subjetivação que venham a confrontar a imagem de um saber-poder homogêneo, consiste [como a experiência política brasileira contemporânea pode atestar] num norteador crucial de qualquer proposta de política cultural;
portanto, os povos indígenas não poderão se furtar, visando o amadurecimento de seu processo de afirmação política, de elaborar e desenvolver propostas de conhecimento [saber-poder] que se constituam em práticas de subjetivação;

a prática da pesquisa deverá menos informar, acumular informações e mais transfigurar linguagens, criar novas formas de escrever, novas inscrições, outras maneiras de dar forma ao material, explorar outros materiais;
daí o perigo de se cair numa prática de pesquisa que vise a reprodução de um mesmo campo de sentido, suprimindo sempre e mais a diferença no pesquisar;
daí o perigo das metodologias de pesquisa que visem uniformizar as práticas de construção de conhecimento;
daí a opressão de um 'fazer certo' que paira sobre e assombra as práticas escolares;
a criatividade da pesquisa precisa ser enfocada em detrimento da padronização de métodos;
o modelo pseudo-científico dar lugar ao processo artístico;
essa dinâmica se desdobra imediatamente em processos subjetivos, pois se troca um procedimento que visa a modelização e a padronização subjetiva por uma prática de pesquisa afim com processos de subjetivação, de autopoiesis;
daí a relação de conhecimento, a relação com o conhecimento desdobrar-se na forma de se conceber a subjetividade e, mais que isso, na forma de manipular com ela, de intervir nela, de construí-la;
não se trata de conhece-la na dinâmica do exame que a projeta como ideal transcendente, como forma acabada;
dessa forma, uma subjetividade viva, operando em devir, libera para uma experiência viva da cultura, em que esta igualmente libera sua forma pressuposta, acabada, conformada, para assumir igualmente seu devir, seu caráter processual;

uma prática de conhecimento efetivamente construcionista pressupõe a problematização de práticas políticas;
nossas práticas cotidianas estão assentadas em valores que dependem mutuamente delas;
rever valores equivale a rever práticas reprodutoras de valores;
se o conhecimento cumpre a função de informar, isto é, de reproduzir palavras de ordem, ou seja, de reafirmar os pressupostos em que se acentam os seus próprios campos de sentido, ele está inviabilizado para a prática do construcionismo;
portanto, para um conhecimento que minimamente se pretenda competentemente construcionista, deve-se circunscrever o discurso informacional [práticas de linguagem que visam a representação de uma suposta realidade] e caracterizar os seus efeitos;
circunscrevendo essa prática discursiva e seus efeitos poder-se-á começar então a definir usos para a linguagem, práticas discursivas que escapem a essa reiteração de pressupostos e de valores própria ás palavras de ordem;


o impacto desse processo no senso comum foi notável, visto que, o que para os milton/kuntanáwa fazia todo sentido no contexto de sua experiência de caboclos, continuou parecendo algo artificial e absurdo na experiência do senso comum que os envolvia;
esse senso comum continuava a conceber o processo da etnicidade como uma progressiva ocidentalização das diferenças;
assim, o que há de mais interessante nessa abordagem relativista [barthiana] do processo é a associação da subjetividade cabocla ao senso comum, a expectativa do senso comum quanto ao processo de ocidentalização, bem como a ruptura que os milton fazem com essa expectativa, com essa concepção da etnicidade e da identidade ao tomarem contato

diferença entre alteridade e alteração, visto que a noção de alteridade comporta duas concepções muito diversas de outro: o outro relativista e outrem;
a imagem de si barthiana está associada à noção de alteridade, mas não à de alteração que opera articulada à concepção de perspectivismo;


o impacto desse processo no senso comum foi notável, visto que, o que para os milton/kuntanáwa fazia todo sentido no contexto de sua experiência de caboclos, continuou parecendo algo artificial e absurdo na experiência do senso comum que os envolvia;
esse senso comum continuava a conceber o processo da etnicidade como uma progressiva ocidentalização das diferenças;
assim, o que há de mais interessante nessa abordagem relativista [barthiana] do processo é a associação da subjetividade cabocla ao senso comum, a expectativa do senso comum quanto ao processo de ocidentalização, bem como a ruptura que os milton fazem com essa expectativa, com essa concepção da etnicidade e da identidade ao tomarem contato

diferença entre alteridade e alteração, visto que a noção de alteridade comporta duas concepções muito diversas de outro: o outro relativista e outrem;
a imagem de si barthiana está associada à noção de alteridade, mas não à de alteração que opera articulada à concepção de perspectivismo;


uma política lingüística que afirma a diversidade vem na contracorrente do ensino tradicional do idioma;
esse ensino tradicional que privilegiava o sistema lingüístico, tendo por objetivo um ideal de língua que era projetado numa variante de prestígio social, a norma urbana culta;
lidar com a diferença, com o diferencial exige uma concepção diversa da linguagem;
no entanto, impor a diferença como política públca resulta em remetê-la novamente ao mesmo modelo epistêmico e de educação excludente;
trata-se de domar a fala, dimensão selvagem e imprecisa da língua;


a apropriação da pragmática via análise do discurso, que se tornou um referencial alternativo à velha abordagem historicista do positivismo, ainda não é tomada em todas às suas conseqüências por que desprovida de seu caráter epistêmico, de sua revolução epistêmica e posta para conviver em harmonia com a abordagem historicista do positivismo;
enquanto isso a linguagem permanece chapada à folha de papel e não ganha a rua, não ganha a cor e os movimentos, as dimensões da imanência;


a abertura democrática, nome que foi dado à devolução do poder pelos militares, aqui foi feita com o consentimento do governo americano, foi marcada pela definição de alguns setores que já se definiam no circuito fechado de uma economia globalizada, de um capitalismo mundial integrado;
para isso, inclusive, serviram as ditaduras latinoamericanas: para não se atrasar o processo político que vinha da colonização e visava culminar com essa generalização do liberalismo;
na constituição desse mercado, alguns visionários da política ambientalista vislumbraram no líder sindical chico mendes uma nova dimensão desse setor que poderia ser explorada na instituição de políticas públicas para aquecimento do mercado ambientalista;
tratava-se da dimensão humana do ambientalismo;
eram os seringueiros, por essa época já considerados ex-seringueiros, pois davam lugar ás frentes de expansão agropecuária que hoje mais que nunca vemos chegar por aqui e rapidamente vão mudando a paisagem da floresta com sua monocultura;
eram moradores da floresta, os resquícios da política de exploração da borracha que atravessara o século vinte;



esse elemento humano, assim pensavam os ambientalistas, viria a calhar com a associação desses semi-escravos do seringalismo aos povos indígenas;
foi o que foi feito: os seringueiros foram transformados em extrativistas, povo a viver em harmonia com a floresta, e o regime do seringal completamente desassociado de sua figura;





o elemento humano na política ambiental consiste num problema que remonta a uma questão crucial da redefinição epistêmica que marca a produção de conhecimento ao longo do século vinte;
o século dezenove é caracterizado pela ambigüidade;
de um lado, esse século define com o positivismo a política iluminista de uma ciência régia ou de um conhecimento de estado, ou seja, o estado se apropria do conhecimento no funcionamento de suas instituições de controle social e no processo de homogeneização subjetiva ou normalização do indivíduo ou cidadão patriota;
de outro, é esse memo século que proporciona elementos e perspectivas de ruptura com essa aprropriação conservadora do conhecimento e sua reprodução;
pois é no contexto de uma perspectiva de conhecimento conservadora que se configura o quadro epistêmico que investirá sentido na ciência régia responsabilizada pela definição das políticas de estado;
desse quadro epistêmico, por exemplo, descende as concepções que colocam em relação ou em oposição homem e natureza, bem de acordo com a lógica capitalista arraigada não só no pensamento positivista mas mesmo em todo o pensamento dessa tradição histórico-transcendental que se pauta por uma imagem mítica da evolução e do progresso;
segundo essa concepção, tudo que se volta contra as necessidades do capital vai contra esse mito do progresso que parece no conduzir ao paraíso ou qualquer jerusalém celeste, tamanho o fanatismo que ele incita;

o movimento de separação do homem da natureza, imagem chave do mito de criação judaico, encontra sua justificativa na ciência biológica que o fornece ao estado liberal como instrumento político que atribui à sociedade ocidental o sentido de regime social mais evoluído na história;
o valor da socialidade capitalista conhece justificativa científica na mais conservadora das ciências, responsáve por forjar a imagem supostamente laica do ideal transcendente, ou seja, a noção de natureza que vem a substituir o lugar ocupado pela idéia de deus;

a incompatibilidade entre homem e natureza, portanto, resulta numa construção [discursiva] forjada a partir dessa mistura de ciência, política e religião;
essa construção visa determinar os parâmetros ou valores que embasam a configuração de subjetividades;
para se definir um tal projeto de homogeneização subjetiva como o do capitalismo ocidental a religião desempenhou um papel fundamental na convergência de valores;
reforçando que entendemos por convergência de valores o amaldiçoamento não só das outras religiões como de toda a cultura com a qual elas articulavam e articulam suas práticas de socialidade;
depois dela a apropriação que se fez da ciência para justificar a racionalidade do estado e do mercado;

parece interessante compreender esse movimento aqui denominado de epistêmico, mas que poderia se chamar de política de conhecimento ou economia de saberes, para se pensar o contexto da economia subjetiva com a qual estamos a lidar;
isso por que ele parece constitutivo do processo de configuração de subjetividades próprio do capitalismo;
esse processo que deve ser constantemente desconstruído para nos darmos conta das novas tecnologias capitalísticas para a produção e padronização de subjetividades visando o consumo;



pensando a subjetivação como movimento de resistência à padronização com que o capitalismo formata subjetividades de mercado, pode-se deduzir a subjetivação indígena como um importante projeto composto de diversas frentes;
a educação consiste no primeiro espaço para se problematizar constantemente sobre a subjetividade e a subjetivação indígenas, para se problematizar a dinâmica de captura e resistência que se constitui na escola;
pois como se viu, o projeto iluminista que promove o valor incontestável da educação generalizada resulta numa apropriação do conhecimento como máquina de captura e reprodução dos padrões subjetivos visados pelo estado liberal;
portanto, a educação fornece um espaço interessante para a desconstrução desse processo capitalístico de padronização subjetiva e a proposição de linhas de fuga a essas subjetividades, desde que escape a esse processo de captura o que precisa ser feito o quanto antes;
a escola consiste num espaço privilegiado para a abordagem e análise dos processos, dos dispositivo de cptura da sociedade ocidental;
pois se o exercício do pensamento e da leitura aparece como uma das demandas da sociedades indígenas e promete ocupar o espaço de outras importantes práticas subjetivantes, que esse exercício da razão se volte para a desconstrução da sociedades ocidental e não para a imitação dela;
trabalhar os fundamentos do conhecimento parece ser uma iniciativa estruturante para esse projeto de ensino;
situar alguns conceitos chave no contexto do movimento epistêmico do século passado até hoje, a disposição de certas noções cruciais no quadro do pensamento de resistência contemporâneo;
isso não servirá ao acúmulo de informações que se somarão ao conteúdo já adquirido até então;
esse programa se propõe estar focado no exercício de um pensamento de resistência;
a proposta para colocar em prática esse pensamento crítico de resistência consiste no exercício de desconstrução do conhecimento ocidental e sua função social, bem como na detecção de valores disseminados nas práticas desse conhecimento;
para tanto, pode se pensar numa abordagem que começasse desconstruindo as disciplinas por um procedimento de genealogia, em que se evidencie os valores que sustentam as disciplinas e a função social dessas disciplinas e seus técnicos na organização da sociedade dita moderna do século vinte;
para tanto, a compreensão do discurso como enunciado oficializado na disciplina será crucial;
por um lado, o uso social das disciplinas, focando tradicionalmente o caso da religião e do direito como disciplinas constitutivas da socialidade capitalística;
essa abordagem toda vem acompanhada da configuração dos dispositivos de normalização responsáveis pela ordem subjetiva proporcionada por esse controle social dos valores;
por outro lado

18 junho 2008



devemos em primeiro lugar aprender a ouvir um motivo, uma ária, de uma maneira geral, a percebe-lo, a distingui-lo, a limitá-lo e isolá-lo na sua vida própria;
(...)
o amor também deve ser aprendido;

nietzsche, a gaia ciência

não se trata de buscar ou de encontrar alternativas de mercado, mas de constituir alternativas ao mercado


comentário


valeu leandro
o texto vai na veia

de fato são os dois lados da mesma moeda
a ciência se sacralizou ao fazer do progresso, ou do 'crescimento', seu dogma;

com a decepção em que nos deixou nosso furor modernizador (o mesmo velho furor evangelizador) que cada dia mais se evidencia sem saída, não nos tendo conduzido, conforme as promessas liberais, a nenhum presente ou futuro redentor ou promissor, temos optado por essas deprimentes e nostálgicas voltas ao passado em que deus estava vivo;
com esse revival ressuscitamos as velhas fogueiras inquisitoriais que estão arraigadas em nossa intolerância monoteísta;
resta-nos agora restabelecer o ensino do criacionismo nas aulas de ciência e biologia, afinal em nossa democracia liberal tudo é mercado e lucro etc...
enfim, no dilema neoliberal estamos na dependência daquilo que dará mais lucro: o mercado da intolerância ou o mercado dessas novas subjetividades que os indígenas sabem melhor que ninguém como proliferar;
está nas mãos dos investidores...

grato pelo toque
o texto vai a veia


as três ecologias, no estabelecimento de seus pontos de referência cartográficos, precisam desprender-se dos paradigmas pseudo-científicos;
isso porque as três ecologias implicam uma lógica diferente daquela que rege a comunicação ordinária entre locutores e auditores e, simultaneamente, diferente da lógica que rege a inteligibilidade dos conjuntos discursivos e o encaixe indefinido dos campos de significação;
[...]
enquanto a lógica dos conjuntos discursivos se propõe limitar muito bem seus objetos, a lógica das intensidades, ou a eco-lógica, leva em conta apenas o movimento, a intensidade dos processos evolutivos;
o processo que aqui oponho ao sistema ou à estrutura, visa a existência em vias de, ao mesmo tempo, se constituir, se definir e se desterritorializar;
esses processos de 'se pôr a ser' dizem respeito apenas a certos subconjuntos expressivos que romperam com seus encaixes totalizantes e se puseram a trabalhar por conta própria e a subjugar seus conjuntos referenciais para se manifestar a título de indícios existenciais, de linha de fuga processual...
em cada foco existencial parcial as praxis ecológicas se esforçarão por detectar os vetores potenciais de subjetivação e de singularização;
em geral trata-se de algo que se coloca à ordem 'normal' das coisas - uma repetição contrariante, um dado intensivo que apela outra intensidades a fim de compor outras configurações existenciais;
tais vetores dissidentes se encontram relativamente destituídos de suas funções de denotação e de significação, para operar enquanto materiais existenciais descorporificados;

guattari, as três ecologias


em lugar de afirmar o que se percebe, o que já está definido no senso comum, em lugar de conservar o já sabido, trata-se antes de conhecer o que não é comum, desconstruir o que já se sabe, resultando em algo que possa dar lugar ao novo;
por isso não se trata de informar, mas de escapar do esquema comunicativo dos modelos explicativos conservadores da história, do jornalismo, da ciência;
trata-se de desconstruir esses discursos para, a partir dessa desconstrução, dar chances do novo escapar em linha de fuga, traçar linhas de fuga para o novo se constituir enquanto prática e não como idéia;

portanto, não se trata daquilo, tão valorizado na perspectiva científica conservadora, que se cristaliza numa forma e pode ser capturado na objetividade;
trata-se antes do movimento, que se associa mais apropriadamente às desvalorizadas imprecisões da subjetividade;

se são os processos de ruptura com os encaixes totalizantes dos modelos subjetivos que nos proporcionam o contato com essa lógica das intensidades própria à subjetivação proposta nas ecologias, os processos de resistência subjetiva indígenas nos proporcionam uma experiência sui generis com essas intensidades e os movimentos que as dispõem;
não se trata de cristalizar uma forma, uma falsa subjetividade indígena forjada a partir de nosso idealismo, trata-se de operar com práticas de subjetivação das quais se deduza essa lógica de intensidades que opera com movimentos em lugar de formas;


fazer antropologia no brasil dos anos sessenta com o referencial marxista e fazer antropologia hoje são duas coisas muito distintas;
nessa época desenvolve-se uma antropologia marcada pela visão do estado sobre as sociedades indígenas, tratava-se de resolver o problema do estado;
hoje o que se procura mesmo é romper com essa perspectiva única que procura encaixar esses grupos na história das sociedades ocidentais;
a própria noção de história é marcada por esse processo, ela própria é opressora em relação a essas outras possíveis histórias;
por isso não se trata de reduzir tudo ao ocidental, mas de combater pela diferença;
trata-se de trabalhar com processos de subjetivação pós-históricos, que percebam a história como esse aparelho de captura, percepção essa que consiste na busca por outros desdobramentos subjetivos que escapem aos trilhos da história e seus modelos subjetivos;

mas como romper a perspectiva de estado fazendo um trabalho de estado, assessoria, numa área de estado por excelência, educação;
trata-se de não fixar a subjetividade desses personagens, pois se os próprios indígenas podem se tornar agentes de estado, por que não se pode desenvolver uma política educacional de estado que assuma características de contra-estado, por que essa política não pode ser pensada em função das linhas de fuga em relação ao aparelho de captura da educação e seu regime de valores;
em lugar de operar com as grandes consensualidades, os grandes pressupostos implícitos que referencializam campos gravitacionais de práticas subjetivantes, trata-se de operar na desconstrução dessas noções;
subverter aquelas práticas que se observa estarem de alguma forma articuladas com os procedimentos de captura;

o capitalismo não possibilita processos subjetivantes que lhe escapem;
a noção de liberdade do capitalismo e do estado neoliberal redunda em noções como liberdade de imprensa ou de mercado;
essa liberdade restrita exclui a liberdade em relação aos processos de subjetivação, em relação a processos de subjetivação que escapem aos modelos subjetivos dispostos no mercado de subjetividades;

trabalhar com os povos indígenas não consiste simplesmente em buscar um ideal transcendental no passado para estabelecer programas de subjetivação;
trata-se, por exemplo, de se trabalhar a partir da conjuntura problemática que se tem, como nas práticas subjetivantes com que o mercado assedia os jovens indígenas com os valores homogeneizantes dos brancos, com passes livres para usufruir os bens de consumo;
a partir desse contexto problemático trata-se de pensar processos de resistência calcados em práticas coordenadas os projetos de resistência que afirmem territórios existenciais possíveis para processos de subjetivação;


a subjetivação possui um marcador conceitual que a distingue de um processo passivo de produção de subjetividades, da confecção de subjetividades capitalísticas;
será inerente aos processos de subjetivação o seu caráter ativo que se coloca na contra-corrente dos processos de homogeneização subjetiva;
à subjetivação serão inerentes os processos de singularização, as linhas de fuga existenciais que subvertam o conjunto de valores consensuais e suas fórmulas subjetivas;

os processos de subjetivação se distinguem de ou mesmo se contrapõem a processos de conscientização que operam tomando como pressupostos não só a forma do sujeito humano como um regime de valores que incide sobre ela;
a subjetivação opera nas práticas ativas de configuração subjetiva que se projetam enquanto agenciamentos de enunciação, no caso da linguagem verbal, e em agenciamentos processuais, quando se ultrapassa a verbalidade ao lidar com outras práticas;


num primeiro momento foi a guerra, o genocídio, com que o nosso estado, com que nós estabelecemos relação com os povos nativos;
essa linguagem era comum a esses povos, guerreiros experientes cuja guerra consistia mesmo em elemento central de sua socialidade;
a guerra pelo espaço, pela terra, e também a guerra pelo domínio, pelas mulheres, pela religião, pela cultura, pela mão de obra;
a conquista das terras indígenas, quando ocorre, já ocorre num contexto em que o domínio territorial já perdeu sua posição para o domínio cultural, em que a raça dá lugar à cultura;
a raça já não é mais um ameaça pois enxerga-se na supremacia da raça e da cultura branca um horizonte de ocidentalização inevitável em suas formas sutis de violência social;
o que não se contava seria com a valorização dessa etnicidade em um mercado global;
o que se presencia é o embate de forças políticas que representam diferentes mercados, o conflito desses mercados;
de um lado um mercado emergente das minorias, das subjetividades diferenciadas e diferenciantes que o mercado visa absorver seja pelo esquema ambientalista do desenvolvimento sustentável ou por onde quer que se possa constituir um mercado a partir daí;
a antropologia trabalha articulando no mercado demandas como conhecimentos tradicionais e biopirataria, políticas públicas, organizações indígenas além de, entre outros, o velho mercado da demanda territorial de novos povos e até de povos emergentes articulados aos quilombolas e extrativistas;
de outro lado, o velho mercado da produção de alimentos do hemisfério sul, articulado ao velho mercado de terras;



ao conceder a terra ao povos nativos, o estado estabelecia uma estratégia de desmobiliza-los com o seu sistema de assistência, que operaria paralelamente às pressões locais como invasões, preconceitos em geral, política local e sua assistência, escolas, consumismo etc;
colocou-se e se generalizou a seguinte idéia: com a conquista da terra o povos indígenas não devem criar mais problema;
essa idéia foi aceita pelo próprios indígenas de que a luta concluíra com a luta pela terra, ou então que conquistada a terra agora os indígenas lutariam para ter as mesmas condições que o branco e que o estado seria seu parceiro para tanto, este foi mesmo o espírito das instituições do estado para a 'proteção' dos índios;
se por um lado a gestão territorial acaba se definindo hoje como demanda de assistência para o estado, esse processo de estatização da gestão territorial não deixa de ter sua ambigüidade;
constata-se um processo generalizado e supostamente inevitável, desde que olhado com os olhos da história colonizante, de ocidentalização das terras indígenas, processo inevitável do assistencialismo com que o estado invade as reservas impondo o dinheiro e o capitalismo com os nossos padrões de consumo, nossas mercadorias simbólicas etc
ainda que tenha demorado para se tornar um projeto para fazer frente a esse processo de ocidentalização, o projeto de gestão territorial com seu complexo conjunto de práticas concorre ainda entre constituir-se como processo de autonomização dessas sociedades e um projeto controlado pelo estado;
para se apropriar do processo de gestão territorial de uma forma que seja a mais típica por parte dos indígenas é necessário refrear os projetos do estado, liberar ao máximo essas práticas dos valores institucionais do estado que visam suprimir a diferença e impor o seu modelo de organização e os seus valores liberais;
o problema consiste em suprimir uma forma de 'ajuda' ou de 'assistência técnica' proveniente do estado por conta dos valores que ela contrabandeia;
no entanto, não se trata de trabalhar com a conscientização desses agentes e sua ação;
trata-se de trabalhar com a forma com que eles tomam esses agentes, de observar onde eles desenvolvem resistência;
trata-se especialmente de identificar entre a resistência ao estado [ou seja, o que é o estado, que ação o define: a massificação, o capitalismo liberal] e aquilo que considera-se aqui como ação de estado;
em que consistem estas linhas que escrevo... em resistência ou em ação de estado...

assim, não se trata de conscientização desse processo, mas de sua vivência;
o que mobiliza às ações nem sempre é a consciência [fixação de padre], mas são sempre os valores;
assim, o que subjetiva não é propriamente a consciência, mas os valores que estabelecem consensos e mobilizam as pessoas;
é necessário para mim compreender o circuito dos valores, sua apropriação e reprodução pelas instituições, mas nem todos precisam compreender isso;
o cabe a cada um em seu processo de subjetivação;


quem me diz que esse pessimismo não faz parte do consenso generalizado que prega e propagandeia o fim e a insanidade de toda resistência;
certo que se estabeleceu um consenso derrotista por uma esquerda que viu seu universo unidimensional e sua prática conscientizante ser absorvida pelo mercado com mais facilidade que movimentos de adolescentes suicidas, com a diferença que o estrago destes não se compara com o mercado das utopias e dos movimentos sociais tornados em políticas públicas e que nos mass mídia tornaram-se referências cada vez mais ridicularizadas;
para nadar contra a corrente é preciso não se deixar levar pela correnteza;
não se trata de velhas utopias, isso por que as velhas utopias que puseram à venda os seus sonhos também quiseram nos enganar, como se não percebêssemos que seus pressupostos, seus ideais, seus processos partilhavam a mesma natureza de seus supostos inimigos;
bom serviço prestaram os utopistas ao status quo capitalista: limparam o terreno para os que podem resistir nesses novos campos de batalha;
trata-se mais uma vez de enfrentar e deixar em pedaços os consensos, as certezas diante da 'realidade dos fatos';
escapar aos consensos com a linguagem cotidiana: o verbal, a narrativa conservadora, a linguagem da propaganda, o representacionismo das artes, a educação crítica e conscientizadora;
e escapar daquilo que estaria acima de qualquer suspeita: da nossa estrutura psíquica egóica, da nossa vontade de poder travestida em vontade de potência, do poder libertador da arte;
colocar a prova nossos próprios totens: a arte tornada mercadoria ou a arte como aparelho de estado;
como lidar com essa arte, com esse peixe que vendemos...
para não se cair no maniqueísmo simplista do ressentimento, pois o outro sou eu;
se não se pode escapar ao capitalismo, nem por isso toda inserção nele permanece equivalente;
como utilizar o capitalismo contra ele mesmo...
quais as possibilidades de continuar a resistir...
especialmente pequenas possibilidades, nas mínimas relações, nas relações consigo mesmo;

e o que não é mais arte...
o que já não é mais ritual, mas o que deixa de ser ritual para não se tornar arte...
o que [e como] escapar ao complexo de midas, que a tudo torna mercadoria;

17 junho 2008



eu não preciso ler jornais
mentir sozinho eu sou capaz
raul seixas


trata-se de se apropriar do conhecimento para explicar uma suposta realidade;
isto é palavra de ordem;
dizer: o mundo é assim;
nesse princípio de ideal transcendente se baseia, está matriciado não só nosso conhecimento como seu uso para a formatação de nossa subjetividade, que obedece ao mesmo princípio;
o próprio relativismo está definido a partir dessa concepção, desse uso da linguagem;
é por isso que o relativismo se faz tão potente quando no plano da representação, quando apoiado por um plano de transcendência, aquele que oculta seus pressupostos, que oculta como se produzem massivamente subjetividades para naturaliza-las em modelos biológicos travestidos de processos psicológicos;
quando se traz o relativismo para o plano de imanência, para o plano em que a linguagem constitui o discurso e assume a autoria dessa construção [em lugar de se ocultar disfarçada de neutralidade axiológica], para o plano em que o ideal transcendente se revela em sua função de dominar com suas leis a imanência, o relativismo se desmistifica por revelar seu compromisso com a abordagem histórico-transcendental do positivismo racionalista;
trata-se aqui, portanto, de uma outra abordagem da linguagem e da relação passiva entre linguagem e mundo;
de uma linguagem que opera no movimento do devir e não nos desdobramentos fantasmáticos do ser;
por isso a esse processo é inerente uma dinâmica desconstrucionista ou genealogista;
usar a linguagem para a fabricação de mundos possíveis equivale à desconstrução de valores que persistem na ação de conservar, de reafirmar incessantemente um mundo que é;
essa ação valorativa assume a forma de um sem número de agenciamentos de enunciação: enunciados, corpos etc;
a partir da identificação dessa característica crucial do modo de ação do conhecimento, de sua função opressora reconhecida no status social que eleva seus detentores, como propor um processo de desconstrução que seja ao mesmo tempo processo de subjetivação, ou seja, como escapar do plano armado pela ciência régia e suas palavras de ordem e ao mesmo tempo abrir linhas de fuga para possíveis diversos...
como propor agenciamentos de enunciação, como construir máquinas de guerra, como experimentar nossos córpos sem órgãos...
daí opera algo que não se limita à esfera da racionalidade técnica, algo que exige capacidades cultivadas como atenção, intuição, percepção, sensibilidade etc com as quais se deverá perceber em campo quais os problemas;
certo que para quem está habituado à desconstrução das forças que em nosso mundo da razão ocidental compõem subjetividades em afetos, percepções, idéias etc e/ou quem estuda ou está familiarizado com o conhecimento cultivado em uma tradição oral, xamânica, sensível às subjetividades não-humanas etc, ganha novos olhos e ouvidos;
a percepção desses agenciamentos, dessas máquinas de guerra, se dá tanto pela percepção de proposições criativas para impasses ocidentais como pela oposição a práticas que nos pareceriam naturais;
certamente não se trata de simples observação mas de um apuro do olhar, de um cultivo da intuição que resulta em muito de um enfrentamento contínuo na desconstrução dos consensos aceitos usualmente em nossa sociedades os quais vão desde os afetos que ligam e desligam as pessoas até o uso da língua;
tudo deve ser traduzido na linguagem dos valores e todos os fluxos axiológicos mapeados, todas as suas correntes estudadas e percebidas constantemente;
o processo é de incessante estranhamento numa constituição psicológica programada para acomodar ao máximo tudo;

10 junho 2008



para deleuze e guattari, o desejo não carece de nada, não porque possa atingir a plenitude de uma satisfação, mas porque a falta só pode ser pensada do ponto de vista de um sujeito, que se orienta pela cartografia de um ideal transcendente;
é esse sujeito que, ao ver sua figura desestabilizar-se pelos movimentos do desejo, o interpretará como sinal de uma carência de completude;
no entanto, se tiramos o ideal transcendente de cena e examinamos esses mesmos movimentos com a escuta sintonizada no corpo sem órgãos, aquilo que para o sujeito é falta revela-se como excesso de singularidades que transbordam e desmancham sua figura, levando-a a tornar-se outra, se o processo seguir seu curso;

a partir daí, a questão do desejo não mais se coloca em termos de uma escolha entre o possível e o impossível, mas sim de uma viabilização do trânsito em mão dupla entre o plano virtual das intensidades e o plano atual das formas;

deleuze e guattari examinam essa concepção de desejo, que o associa à falta e ao ideal transcendente, em muitas passagens de sua obra;
destaca-se o platô consagrado justamente ao corpo sem órgãos, em seu livro mil platôs, onde com seu humor eles afirmam que esse tipo de associação é coisa de 'padre';
seriam como maldições lançadas contra o desejo, por meio das quais ele é traído, arrancado de seu campo de imanência (o corpo sem órgãos), onde precisamente ele se define como processo de produção;


suely rolnik


trata-se de duas coisas distintas;
uma é a apropriação passiva [digamos assim] da função do agente agroflorestal, algo formatado como uma proposta de estado, ou seja, uma proposta que imagina as sociedades indígenas como grupos em harmonia ideal com o estado e, a partir daí, elabora um projeto segundo os valores do estado de organização social, segurança alimentar, educação ambiental, vigilância territorial etc;
outra muito diferente diz respeito ao que pode ser o trabalho e mesmo a função social do agente agroflorestal se imaginarmos os grupos indígenas como sociedades em que a resistência à institucionalização do estado sempre os caracterizou e quase sempre garantiu-lhes a sobrevivência;
de um lado, tem-se o que é essa categoria, esse trabalho e essa prática subjetiva, de outro, tem-se tudo aquilo que conseguiu ser e ainda pode ser;
para uma apropriação no processo de construção de um projeto comunitário que paute um projeto de ensino [médio] interessa sobretudo todas as ramificações que esse trabalho possibilita, especialmente as apropriações feitas no âmbito do projeto comunitário de futuro que certamente não são as mesmas que compõem a função técnica do agente para o estado;
percebe-se que as possibilidades oferecidas pelo trabalho do agente agroflorestal harmoniza-se com o projeto comunitário de forma distinta da escola;
a escola opera com um sistema de valores que leva o estudante para uma formação técnica que diz respeito a uma realidade externa á comunidade;
sua práticas subjetivantes possuem palavras de ordem, ou seja, cadeias implícitas de valores, distintas daquelas que configuram a escola;
a escola possuiria em suas práticas e na sua produção subjetiva pressupostos mais arraigados devido às linguagens de que ela faz uso darem suporte à forma corrente das palavras de ordem;
desde o uso do espaço até à expressão verbal a escola possui uma gramática definida e cada vez mais objetivada em seus sistemas de habilidades e competências;
muitas comunidades acreditam ter direito ao status proporcionado pelo estudo e pela carreira profissional sem perceber que tal status é equivalente ao compromisso com os valores capitalistas da sociedade branca, os quais vão de encontro aos valores das sociedades indígenas;
não se trata é claro de um tradicionalismo burro, trata-se antes de possuir clareza quanto aos objetivos da escolarização generalizada no projeto de futuro das comunidades indígenas;

ainda é recente a garantia dos povos indígenas ao usufruto de reservas de terra de propriedade a união;
mais recente ainda [e de importância crucial para o projeto de vida das sociedades indígenas, de seus projetos de futuro de organização interna] são os projetos de gestão territorial com que esses povos garantirão uma resistência organizada ao capitalismo do modo de vida e relação brancos;
as instituições em funcionamento nas sociedades indígenas precisam estar articuladas nesse importante processo que é uma forma segura de se garantir os direitos constitucionais dos povos indígenas;
uma instituição como a escola, principalmente quando se começa a pensar em termo de ensino médio, deve estar consciente de seu projeto de futuro para não reproduzir um ensino médio branco ou para se frustrar com um ensino diferenciado e qualidade duvidosa;
e o objetivo é o vestibular, a faculdade e o mercado de trabalho, esse objetivo precisa ser justificado com um projeto de futuro;




há muito [pelo menos desde a esquerda ter tomado o poder graças aos acordos com o capitalismo, quando banaliza em mercadoria todo discurso de resistência e põe a venda os movimentos sociais na forma de políticas públicas neoliberais, e ter reconstruído uma história da conquista democrática ante a suposta decadência do regime militar ou, para variar essa retórica da traição, pode-se pensar por outro lado que essa conquista do poder só foi possível por conta dessa operação, enfim...] que o discurso crítico se tornou uma mercadoria de consumo, a ser servido desde as crianças até os velhos, tendo sido absorvido pela retórica da pseudo-democracia neoliberal;
o discurso negativo da crítica se volta contra tudo e todos e reproduz fielmente as palavras de ordem do mercado, mesmo quando o criticado é o mesmo mercado que ela alimenta;
críticos profissionais, a visão crítica está entre os valores estimulados no programa democrático, indignados de todos os tipos jornalizam suas indignações, bradam em favor da ordem, da ética, dos valores, sempre num discurso recheado de palavras de ordem: são bons moços num mundo de injustiças;
serão os valores tão inevitáveis assim que possamos universalizar uma retórica jornalística [que ainda que ou quanto mais crítica mais conservadora], serão os valores tão inerentes que justifique um relativismo radical que redunda no solipsismo;
mesmo na construção de um pensamento crítico há nuances e mesmo concepções de abordagem crítica muito diversas;
de nossa tradição histórico-transcendental, a mesma epistéme que dá origem ao marxismo, herdam-se noções como alienação, consciência, consciência histórica, ideologia etc, todas noções que pressupõem uma noção de verdade una e predeterminada;
por outro referencial tem-se a abordagem genealógica que desmistifica os pressupostos de positivismo inerente ao historicismo;
uma abordagem genealógica opera uma transvaloração de valores, uma desconstrução de pressupostos valorativos de complexidade superior, que proporciona um discurso crítico que integra e dá conta de processos que a abordagem histórica sustenta como pressupostos;
isso possibilita a própria concepção de discurso, ou seja, da ordem de enunciados que configura a ciência, assim como a desconstrução de seus pressupostos inerentes, das palavras de ordem que o comprometem com o poder estabelecido, revelando então sua função na conformação e manutenção de uma ordem de poder de estado neoliberal;
tem-se com isso duas formas bastante distintas do espírito crítico;
uma conformada aos valores estabelecidos, que por suas práticas subjetivantes acaba por reafirmar valores conservadores, e outra que propõe a constituição de ferramentas para a subjetivação de valores diferenciais;
enquanto a primeira sustenta os valores conservadores na concepção ordem de valores única e superior, a segunda valoriza sobretudo a diferença como valor;
enquanto o primeiro redunda na homogeneização, o segundo busca suas linhas de fuga na diferença e na singularização, nos processos criativos de subjetivação;
enquanto o primeiro se conforma no instinto de conservação e na acumulação, o segundo opera por devires, ou seja, dispende-se em sacrifício;




por isso não se trata de conscientizar, pois conscientizar é a forma de subjetivar própria à nossa tradição;
nela estão implicadas toda uma estrutura toda uma ordem do discurso que opera por palavras de ordem;
trata-se de trabalhar com práticas subjetivantes, com processos de subjetivação que tenham por dispositivos os agenciamentos de enunciação, que se constituam em agenciamentos de enunciação;
não se trata de conscientizar de uma verdade pré-concebida, trata-se de proporcionar linhas de fuga em relação à homogeneização massificante, à monocultura das subjetividades capitalísticas;
trata-se de linhas de fuga para possíveis que proporcionem experiências que singularizem as narrativas ou territórios existenciais;

por isso não se trata de restringir-se à passividade de um processo de informação ou de conscientização em que ainda funcionam como massa, como reprodutores, por mais que o resultado seja positivo;
trata-se de se transfigurar, de experimentar-se em práticas de subjetivação que desloquem os referenciais valorativos dos regimes de sentido, da territorialização que nos cerca e referencializa;


poder e potência
chamar de potência a disputa de poder, de vontade de conservação ou achar que a disputa de poder nos termos compassivos, nos critérios ressentidos de nossas subjetividades capitalísticas será confundi-la com o espírito trágico do sacrífico que define a potência;
sacrificar-se, atribuir um valor positivo à morte como o faz o guerreiro indígena contrapõe-se aqui ao agarrar-se à vida e ao bem estar;
uma economia da dilapidação, que se coloca à prova contrapõe-se a uma economia do acúmulo, da manutenção;
a disputa capitalística visa a autoconservação e as doutrinas evolucionistas confirmam essa imagem da vida e seu sentido;
não há espaço aí para o desperdício, para a espontaneidade, para nada que escape ao controle rígido da máquina;
a morte e mesmo o suicídio nunca podem ter valor positivo nessa economia;
o gozo e o dispêndio devem submeter-se à contenção, ao acúmulo;


nunca pensei em trabalhar com povos indígenas por conta de seu risco de extinção, para conservar essas culturas como patrimônio da humanidade;
o que me deslumbrou desde a primeira vez que os vi: vivendo, conversando, cantando, recebendo etc, o que me deslumbrou foi sua socialidade viva;
acreditei nessa socialidade, nessa subjetivação como algo, como um processo e um ato de resistência;
foi isso que vislumbrei quando vi aquelas crianças cantando;
era naquilo que queria me dedicar, pois não entendia como o capitalismo brutal deixava aquilo sobreviver;
não entendia ainda como o capitalismo fazia pra lucrar com aquilo;
em contato com a ansiedade do antropólogos, ainda que esse assédio seja menor com os mendicantes guaranis de dourados ou mesmo de são paulo, passei a começar a compreender o seu lugar no mercado;
minha decepção inicial foi com a retórica vazia da educação indígena e a negociação discursiva que acabava em nada ou em oficialização de uma educação escolar, de um enquadramento escolar e oficial para uma 'cultura indígena' ou seu fantasma;


quando se pensa em educação indígena diferenciada, o fluxo imaginal corre logo no sentido de apropriar nossas disciplinas e conteúdos à realidade indígena;
no entanto, a experiência de gestão [e vigilância] territorial tem dado lugar nas comunidades indígenas a uma figura bastante interessante para se imaginar uma educação desvinculada da disciplinariedade e todos os pressupostos subjetivos e palavras de ordem capitalísticas que ela carrega;
a figura do agente agroflorestal tem sido rapidamente apropriada pelo discurso tecnicista e tecnológico que situa essa categoria tanto enquanto processo de formação técnica e práticas subjetivantes, como categoria profissional reconhecida pelo funcionarismo estatal;
no entanto, o espaço criado pelo agente agroflorestal trabalha com elementos chave para o processo de homogeneização subjetiva do estado neoliberal;
alimentação: autonomia da indústria alimentícia, uma das mais fortes imposições culturais do capitalismo aos povos dos quatro cantos do mundo;
gestão territorial: relação diferenciada com o espaço e com a terra, desvinculada das divisões políticas dos municípios e estados, desvinculada da geopolítica capitalista de estado, retirada da terra do mercado e garantia de sua manutenção;
manejo de floresta: o manejo de floresta tem sido responsável por uma grande inserção do capitalismo na floresta e no discurso dos povos da floresta; grande parte das florestas públicas e das reservas extrativistas estão destinadas a passar pela lâmina do manejo madeireiro; os agentes estabelecem outras relações, relações não-capitalísticas e mesmo sagrada com as árvores, os alimentos;
manejo de caça: relação diferenciada com os animais; trabalho do xamanismo com as demais subjetividades que se proliferam no cosmos xamânico;
educação: há toda uma dimensão apropriada como educação ambiental que contrabandeia para o discurso dos agentes agroflorestais uma gama de conceitos e palavras de ordem; esse discurso precisaria ser desconstruído e analisado para separar o joio do trigo;
vigilância territorial: pode tender para uma experiência mais nômade de educação que não esteja presa ao culto do espaço escolar;
audiovisual: desenvolvimento de cursos filmados, atividades em mutirão ou na escola e diários de campo audiovisuais; a própria gerência indígena pode estar assumindo essa produção audiovisual de material;

o que interessa numa educação pensada a partir dessa experiência são as inúmeras possibilidades de desdobramento para práticas de subjetivação e práticas econômicas anti-capitalísticas;
pensar o trabalho o agente agroflorestal no contexto das práticas não-monetárias problematizadas pelo pingo em nossa conversa;
a partir das atividades proporcionadas pelas práticas de agrofloresta estudar o avesso desse processo de autonomização e os custos da facilidade capitalística e de seu circuito monetário que nos tornam dependentes do dinheiro e do trabalho/emprego, prática subjetivante capitalista por excelência;

05 junho 2008


desenho de haru shinan kuntanáwa

qual o quadro que se compõe hoje na reserva extrativista do alto juruá com o processo de revitalização étnica vivido pelos kuntanáwa;
os kuntanáwa eram então conhecidos como os milton, a família de seu milton;
os milton foram uma família central em todo o processo de constituição dessa reserva;
por sua condição de seringueiros ao longo do século vinte, participaram como extrativistas do processo de constituição da reserva;
esse processo de organização dos seringueiros/extrativistas colocou-os em contato estreito com os movimentos indigenas e assessores que trafegavam por esses dois universos;
esses contato com outros mundos e outros universos de valor deu início a um processo de revisão de sua auto-concepção, deu partida ao processo de transfiguração [valorativa, subjetiva, econômica, social, informacional] a que foram convidados todos os 'extrativistas' especialmente os milton, reconhecidos sob a alcunha de 'caboclos';
os milton reconheceram um status atribuído aos povos indígenas antes nunca visto por eles;
um status construtivo, afirmativo e de organização, bastante diferenciado daquele atribuído à sua indianidade cabocla, a qual resultava numa mistura em que o elemento indígena era a parte marcada e valorizada negativamente pela sociedade em que estavam imersos;
segundo os valores da sociedade seringalista a dimensão indígena dos caboclos tendia ao desaparecimento em relação à parte branca que devia predominar e com a qual se deveria identificar;
sua porção indígena funcionava como parte maldita servindo à economia de valores dessa sociedade;
o caboclo foi um marcador subjetivo oportuno para essa sociedade de exploração seringalista pois estabelecia uma hierarquia naturalizada na relação com [e em relação a] os nativos;
essa hierarquia de valores subjetivos atravessada pelos racismo em relação aos nativos operava oportunamente na relação colonialista do opressão ocidental que impunha e impõe o modelo capitalista de gestão não só como o único possível, como o único imaginável;

articulado a isso, é inegável que os milton foram acompanhando o prestígio dos povos indígenas em relação ao reconhecimento do estado e às políticas públicas, ao mesmo tempo que amargavam a marginalização que persistia, ainda que abrandada com os novos tempo de reserva extrativista;
enfim, em termos de poder e reconhecimento públicos, ser índio fora do 'senso comum' racista dos seringais, ou seja, ser índio, ainda que marginal, naquilo que ficou conhecido como 'tempo dos direitos' era melhor do que destacar-se entre os extrativistas da reserva, ainda mais em tempos de decadência da ordem comunitária [e dos projetos] da reserva;


foi a partir desse encontro, também conhecido como encontro de povos da floresta, quando os brancos pela primeira vez reconhecem nos [e necessitam dos] índios a definição política e jurídica de suas demandas, que o sentido de afirmação da etnicidade indígena se definiu para os kuntanáwa;
foi a partir daí que deixaram de aceitar sua condição étnica como processo passivo de progressiva e irreversível ocidentalização para assumirem sua subjetivação kuntanáwa;



desenho de haru shinan kuntanáwa

nesse momento, em que os próprios extrativistas 'brancos' reconhecem sua proximidade em relação ao modo de vida, aos costumes, à cultura [e, portanto, aos direitos constitucionais] dos povos indígenas, os milton, família de 'caboclos', toma contato com a cultura de seus ancestrais de uma forma que os transfigura, de uma maneira em que eles se transfiguram definitivamente;
a ordem da história que sempre valera para os milton na forma opressora do irrevogável, mostra-se como operacionalizável;
o processo de conquista dos seringueiros que haviam se tornado extrativistas, bem como a organização e enfrentamento com que os povos indígenas passaram a se afirmar para a garantia do seus direitos inspirou os milton a investir em sua subjetivação kuntanáwa;

o impacto desse processo no senso comum foi notável, visto que, o que para os milton/kuntanáwa fazia todo sentido no contexto de sua experiência de caboclos, continuou parecendo algo artificial e absurdo na experiência do senso comum que os envolvia;
esse senso comum continuava a conceber o processo da etnicidade como uma progressiva ocidentalização das diferenças;
assim, o que há de mais interessante nessa abordagem relativista [barthiana] do processo é a associação da subjetividade cabocla ao senso comum, a expectativa do senso comum quanto ao processo de ocidentalização, bem como a ruptura que os milton fazem com essa expectativa, com essa concepção da etnicidade e da identidade ao tomarem contato...

desvincular o impasse vivido hoje por toda a reserva [projeto e pessoas] do processo vivenciado por essa família pode empobrecer seu entendimento;
isso porque, na abordagem aqui proposta, o que de mais importante se constitui no projeto coletivo dessa primeira reserva extrativista [no momento de sua constituição], mais do que qualquer projeto de viabilização econômica para ex-seringueiros, consiste nesse devir, nesse processo de subjetivação resultado dessa aliança com os povos indígenas;
ao optar por se reconhecerem e serem reconhecidos como extrativistas, os seringueiros identificavam-se mais ao modelo sustentável da socialidade indígena, renunciando ao capitalismo predatório da exploração madeireira e da pecuária [que pensavam combater] identificado à figura dos paulistas;
no entanto, apesar da força que agrega o grupo, não foi possível romper com o senso comum em relação ao valor da socialidade indígena e resistir às investidas do poder público na gestão da reserva;
parece mesmo que não foi possível nem uma identificação mais efetiva dessa experiência de subjetiva já na formulação dos primeiro projetos que visaram desde o início a perpetuação de um modo de produção dependente do capitalismo e a política de estado, os dois maiores adversários de uma experiência de gestão comunitária autônoma;
o que sustentaria o discurso extrativista de forte apelo ambientalista desempenhado então pelos seringueiros e seus assessores não seria as boas intensões como pensaram [ou acharam melhor pensar então] e sim um processo de subjetivação como esse vivido pelos kuntanáwa;


foto de haru shinan kuntanáwa

dessa forma, na pele dos kuntanáwa, essa família traça uma linha de fuga para o impasse vivido hoje por seus antigos companheiros, os ex-seringueiros que cada vez mais se identificam com a vida urbanizada trazida pela administração pública do município [esses, para os quais a reserva era simplemente sinônimo de melhoria de vida a qualquer custo, nem se lembram mais dela] e mesmo por aqueles que ainda não compreendem o que houve com o projeto da reserva, ou que, como a maioria, acredita que o impasse da reserva deveu-se a um problema de índole pessoal dos envolvidos ou de oportunistas;

de certa forma, pode-se dizer que o futuro [o que equivale ao nosso presente] da reserva teriam sido os kuntanáwa;
no entanto, muitas das armadilhas em que os mesmos kuntanáwa caíram no processo da reserva ameaçam-nos novamente;
a começar pela própria armadilha da indianidade/etnicidade, a idéia de que é necessário ser indígena para estabelecer um programa de socialidade que se contraponha diametralmente ao capitalismo e à ordem pública do estado;
há uma ambigüidade no discurso kuntanáwa que pode levar a uma confusão entre os kuntanáwa que desapareceram no século vinte e os que emergem no século vinte e um;
um dos problemas que leva a essa confusão muitas vezes é a necessidade de se justificar perante do senso comum [que não reconhece processo subjetivante que não seja o ocidental-capitalista], de justificar seus 'direitos' perante o todo poderoso estado;
outra dessas armadilhas foi confundir o projeto da reserva com a disputa ou conquista de terras;
essa terra que seria o princípio definiu-se como fim;

entre os perigos dessa etnização se perder em sua sombra e se subestimar, ou seja, dos kuntanáwa se acreditarem um povo indígena como os demais, está a subestimação de sua experiências no processo [de dilapidação] da reserva extrativista do alto juruá;
os kuntanáwa por tanto quererem ser como os demais perderem sua especificidade e a sua contribuição específica aos processos de autonomia e gestão organizacional com que os indígenas ainda podem lutar para combater o capitalismo em sua terra, sua vida, suas relações;
isso pode tornar-se por exemplo uma conseqüência dos discursos que visam justificar a emergência kuntanáwa;
a justificativa dos preconceitos sofrido enquanto caboclos vai de encontro a um discurso afirmativo em que se problematiza um modelo de gestão territorial que hoje não existe na realidade da reserva;

por outro lado, os kuntanáwa têm uma contribuição insubstituível ao processo de imersão nas políticas públicas vividos pelos povos indígenas resistentes no acre e mais especificamente na região do alto juruá;
o processo de desestabilização da reserva motivado por uma municipalização agressiva, pelo conflito de interesses com o poder público e privado local, pela cooptação dos 'extrativistas' pelo modo de produção paulista;
enfim, a face e as funções do estado, os modos de operação dos aparelhos de estado, a articulação entre esferas municipais, estaduais e federais, toda essa concatenação que levou à desmantelação da frágil organização comunitária da reserva pode contribuir na definição dos projetos de gestão territorial indígenas;
porfim, a experiência kuntanáwa deve servir, como bem tem percebido os ashaninka, para uma aproximação com as comunidades locais e colaboração na constituição de um projeto coletivo de futuro comunitário que substitua o cenário caótico de futuro oferecido pelo capitalismo e sua economia da exploração predatória;


dissociar a antropologia do passado


não se trata tanto de associar o objeto da antropologia ao passado, se para isso não se tratasse de associar a sua abordagem à abordagem do passado, a história;

portanto não se trata de abrir mão dos fatos, ocorrências, acontecimentos, de algo que possamos chamar de materialidade histórica, trata-se sim de levantar os pressupostos do método histórico arraigado no pensamento antropológico;
refletir sobre o valor argumentativo do passado, mas não em si e sim para a ciência régia de tradição positivista;
ao lado do passado refletir sobre os outros tempos e os outros objetos de temporalidade ofuscados pela ordem e disposição dos dados segundo o referencial historicista;

por isso não se trata de pensar essa tradição positivista da antropologia como um problema de conservadorismo ou modernização da disciplina, isso seria retornar o problema para um quadro referenciado pela concepção do tempo que configura a noção de modernidade e seus pressupostos evolucionistas;
trata-se, antes, na chave das abordagens foucaultianas, de levantar a articulação saber-poder que configura a antropologia nessa epistême, de definir sua função entre aparelho de captura de uma ciência régia e máquina de guerra de práticas nômades de subjetivação [inerentes a outras imagens do saber e da verdade que não as oficiais];

enfim, a noção de verdade com que se busca desconstruir a imagem do conhecimento da ciência régia frustra as espectativas de descrição, de fornecimento de informações, de neutralização das tensões próprias às práticas de produção de conhecimento em tais fronteiras políticas, de fornecimento de respostas no papel que não condizem com a realidade, enfim, a arte aqui será mais a de problematizar o que foi simplificado;
problematizar o que foi simplificado: problematizar o caráter descritivo das abordagens que geralmente sirvam para estabelecer critérios etnocêntricos, soluções definidas a partir de um único regime de valores, práticas que visam à constituição de subjetividades padrão da sociedade dominante, o pensamento homogeneizante implicado nessa simplificação;

a partir disso, trazer elementos que possibilitem a uma antropologia do futuro, o que implica não só uma revolução epistêmica como uma transvaloração;


acho muito interessante essa parte;
sinto falta da micropolítica desse processo, algo que sempre me interessou;
não se trata de nomes de pessoas, mas de uma descrição da atuação da prefeitura e do poder público para a desmobilização dessa categoria e de sua socialidade;
o caso das escolas é interessante, mas mais interessante são os valores que apoiam o discurso de uma prefeitura ou de um estado e que fazem sentido pra essas pessoas, a imagem do futuro configurada nesse discurso do estado;
a relação de dois modelos: um que pode ser dito responsável socialmente e comunitariamente viável e outro capitalista que se mostra inviável;
como o estado sustenta esse modelo insustentável ambientalmente e inviável socialmente...

acho que isso seria indissociável de uma crítica do discurso e das práticas subjetivas capitalísticas, bem como por outro lado da descrição tensiva [ou em tensão] das subjetivações anti-capitalisticas e contra-estado [visto que o estado brasileiro pós-ditadura se define por uma conservadora política neoliberal;
no entanto, o objetivo não é a macropolítica de uma crítica ao governo, mas a descrição micropolítica da ação do capitalismo neoliberal nas práticas subjetivas das políticas públicas e sua intolerância em relação a modelos alternativos de subjetivação bem como o seu processo de mercantilização do ecologismo, da indianização e outras subjetivações possivelmente contra-capitalísticas;
demonstrar como as políticas públicas evidenciam uma articulação entre as práticas do estado e os valores do mercado, demonstrando como funciona essa prática e apontando os desafios de movimentos que visem futuramente traçar linhas de autonomização em relação ao estado;
por exemplo: demonstrar a importância de uma autonomia subjetiva e as armadilhas de ela se tornar mercadoria e ser colocada no circuito capitalista;
lembre-se aqui o contraste entre o prgrama da rede globo sobre o acre e a falência atual, atestada pelas principais entidades e personalidades do meio, do modelo de organização extrativista para uma possível resistência ao modelo agropecuário de seus adversários, os paulistas;
pois é, os acreanos teriam virado paulistas...


talvez esteja discordando de você, mas vamos lá...;
coloco o problema: você coloca o problema da reserva: cita a prefeitura mas fica na citação;
que a reserva esteja encaminhando a modificação do perfil dos moradores: por isso que sinto falta daquela análise micropolítica, para construir máquinas que simulem a ação do estado neoliberal contra o modelo de autonomização política e social dos extrativistas até então seringueiros;
não gostaria de ficar na crítica passiva do estado, culpando o ibama por ter tirado o corpo fora quando viu a chegada dos abutres;
para mim a ação mais interessante do estado foi a sabotagem da política partidária local, mas sem responsabilizar pessoas, e sim simular o processo;
gosto da descrição das eleições mas a considero muito sutil, penso que se poderia com a mesma técnica irônica adentrar em outros processos, trabalhando a abordagem antropológica;


certo que as pessoas aceitaram e trocaram o projeto da reserva pelo projeto da política local, mas não me interessaria reafirmar isso em meu texto, e sim seguir lutando com a evidenciação de como opera o estado, que foi, admito, pelo lado federal, distante e omisso, mas por outro, pelo local, que mais me interessa, agiu ativamente na desmobilização de uma socialidade que escapava de seu domínio;
meu problema não é com a ausência do estado (ibama etc), acredito que coisas muito criativas podem ser criadas sem a intervenção do estado, diria mesmo que o estado tolheria a criatividade;
penso que algo de muito interessante possa ser tirado de uma análise desse processo de crise que atravessa a reserva;
não sei se ele servirá para revitalizá-la, quem sabe..., mas ele servirá para conhecermos melhor como o estado neoliberal opera a desmobilização de iniciativas populares de organização social diferenciada;
vejo nessa abordagem um link legal que possa ser apropriado em processos de resistência das socialidades indígena como processo anti-capitalista que me interessa e que faz barricada contra esse processo estatal neoliberal que tomou de assalto a governança da reserva;
penso ser necessário o texto não lamentar, mas funcionar para simular a operação desses aparelhos de estado que tem sido implantados, inoculados na reserva para minar suas fontes de força, seus valores, seus processos de subjetivação;
visando outros grupos, tais como os indígenas que vivem o momento de planejamento da gestão de seus territórios [os quais já vem sendo formatados com a 'ajuda' do estado] em tempos de hipercapitalismo e de estado neoliberal, penso que pode ser muito válido o trabalho de mapear as formas, os processos de ação do estado, de cooptação, as maneiras como ele se apropria da linguagem e da dinâmica do capitalismo para operar o desmembramento/esfacelamento das socialidades e das forças de solidariedade, geralmente estabelecendo frentes nos valores desses povos;
um bom exemplo é o dos benefícios do estado que são facas de dois gumes, pois operam com valores ilusórios ou valores que vão de encontro aos valores que unem os grupos em torno de um projeto comum;
é assim que o estado, apenas ajudando com seus benefícios, faz para sabotar os projetos coletivos e seus processos de subjetivação, que fogem do controle dos processos subjetivantes de estado;

03 junho 2008



os kuntanáwa
que experiências, que exemplos levaram o grupo a acreditar e atravessar essa linha e o sentido irreversível que leva do índio ao caboclo e ao branco;
essas experiências poderiam fornecer a materialidade que proporcionaria uma escritura efetiva [efetivamente antropológica] desse processo, que não fosse uma explicação ou uma justificativa de porque eles estão fazendo isso [que por vezes parece simular um pedido de perdão, de clemência por eles estarem supostamente desrespeitando supostas leis];
não se trata de descrever, que fique claro, esses processos;
consiste em algo mais sutil, numa forma de apropriação estética desses fenômenos em sua dimensão estética;
o que há de estético nos processos de subjetivação que conduzem ou são conduzidos nesses processos de revitalização étnica;

não se trata de explicar o processo [mesmo e por mais que a situação o exija] para extrair-lhe dados, informantes, relatos, provas etc, trata-se de estabelecer vizinhança com ele para extrair-lhe partículas, dinâmicas, velocidades, impressões, ambientes, ares, cores etc;
por isso procurar um plano, o estético, que seja comum a ambas linguagens: esse plano possibilita o devir;
lévi-strauss estabelece em sua obra um comércio entre linguagens ao abordar o mito e inspirado nele e em seu estruturalismo muitos antropólogos buscarão as linguagens nativas que podem ser colocadas em vizinhança com a linguagem da antropologia, resultando numa inscrição já muito diversa da descrição etnográfica;
as linguagens da corporalidade desdobraram-se numa vasta teorização antropológica em que o xamanismo possui função similar ao mito para o pensamento de lévi-strauss;
isso porque o xamanismo elege a linguagem do corpo para sua expressão de enunciados;
essa linguagem colocada em relação com a linguagem antropológica rendeu aberturas para campos inexplorados até então;
além disso, o corpo é um elemento paradigmático para a literatura das sociedades contra-estado, pois se toda a epistême descritivista do positivismo guarda relações com a alma, com o caráter transcendental do pensamento-linguagem, com um plano de transcendência que explica sem ser explicitado, o corpo está marcado por uma epistême diversa;
desde sua polissemia, o corpo e sua linguagem são princípio para um conhecimento da imanência;
por isso não se trata de explicar, de referir, mas de construir, de compor;

e, a partir daí, tirar as conseqüências mais diversas desse contraponto epistêmico;
de um lado teremos uma escrita descritivista, amparada pela concepção positivista da linguagem e por sua função política, a qual encontrará similaridades com a história, com a sociologia, com a etnografia e toda a abordagem descritivista da oficialidade de estado;
por outro lado, lado mais árduo por que menos óbvio ou consensual, trata-se de tratar a antropologia como um devir, como uma linguagem em construção, trata-se de uma antropologia experimental que visa abrir caminhos, perspectivas, abordagens, formas, mais que cumprir com sua funcionalidade de estado colonialista;
trata-se de fazer da escritura antropológica um campo de tensão entre linguagens em lugar de pressupor uma linguagem definida e definitiva arraigada nos valores que a constitui;
esse campo de tensão estabelecido pela escritura antropológica não remeteria a qualquer realidade exterior, não busca explicar qualquer coisa, antes simula o encontro de linguagens, materialidade da antropologia;
trata-se de uma outra concepção de verdade, de imagens diversas do pensamento;
de um lado, tem-se o processo histórico, as referências, as origens, as pessoas;
de outro o processo de subjetivação que se compõe de uma gama variada de práticas;
será que se trata de abrir mão de um pelo outro, de optar por um em detrimento do outro;
acredito que o problema é outro, que se trata antes de um problema epistêmico de escritura antropológica;
não se trata de trabalhar exclusivamente com a sincronia ou com a diacronia, pois elas se implicam mutuamente;





por isso a noção de caboclo é tão significativa para colocar em contato essas duas formas de abordagem a subjetivação: seu processo estático na imagem diacrônica do tempo e seu processo dinâmico na sincronicidade;
essa noção guarda essa ambígüidade entre o processo histórico e a sua confecção ideológica;
o conceito opera como palavra de ordem ao apoiar-se em pressupostos valorativos e querer veementemente caracterizar um suposto processo histórico e social: o irreversível embranquecimento da sociedade;
a forma de pedrinho abordá-la desconstrói a noção, evidencia seus pressupostos, seu contexto e função;
além disso, sua abordagem do termo [termo que marca profundamente sua experiência de vida, sua consciência] não só diz como faz: essa desconstrução do termo caboclo com que eram conhecidos [devido à referida irreversibilidade do embranquecimento] faz parte de um processo efetivo de subjetivação que evidencia [para os demais] e põe em prática [para si] a reversibilidade do embranquecimento;
caboclo como um purgatório, como um espaço intermediário entre a branqueza ideal e a indianidade pura;
entre esses dois pontos ideais que se perdem no infinito, as experiências da etnicidade e os valores que dão sentido a elas;
entre esses valores, o consenso sobre a irreversibilidade do enbranquecimento, pólo de referência para o qual toda etnicidade [e toda cidadania] converge;

por isso me posiciono tão incisivamente contra a noção de raça ou de cor enquanto identidade que tenta parecer a redenção as minorias raciais, mas só serve pra reproduzir um sistema que tem o 'branco' como matriz;
o branco não se contrapõe [tão simplesmente quanto querem as mentes simplificadoras no intuito e reafirmar as categorias simples que conseguem compreender] ao negro ou ao índio;
o branco, por encarnar a idéia de pureza, opõe-se ao mestiço, à mistura, à fusão de povos ou à noções etéreas ou nômades como culturas indígenas ou povos indígenas;
chamou-me a atenção o problema da noção de etnia [até pelos ecos com que remete à velha noção de raça] ao trabalha-la no contexto jurídico [contexto positivista por excelência] com os próprios indígenas;
percebi um mal estar generalizado com a noção até que ele veio à tona na forma de discordância explícita;
o grupo me afirmou discordar da noção e não ver validade efetiva nela e por isso defenderam seu boicote;
em lugar da noção biológica de etnia afirmaram as noções de povo ou cultura;
assim, a noção de etnia que reforça a identidade e, portanto, pareceria reforçar cada grupo em sua identidade, pode ser pensada, pelo contrário, como estratégia de marcar uma identidade, característica própria da socialidade branca;
então teríamos de um lado o 'branco', ou seja, a identidade, e de outro a diferença marcada numa socialidade como a indígena marcada pela guerra e as alianças de casamento;
a noção identitária de racialidade [por seu caráter excludente e maniqueísta [oposicionista/dicotômico], que pode se estender à autoconcepção generalizada das minorias] é facilmente assimilada pelo mercado de subjetividades, que define e controla cada vez melhor os nichos de consumo e consumidores;
assim os conflitos raciais são tornados problema de consumo [espaço na mídia com cotas para atores negros, toda uma indústria do politicamente correto etc] e a resistência das minorias passa a ser encarada como potencia de consumo;
segundo essa apropriação capitalista da resistência subjetiva o objetivo das mobilizações, dos projetos etc será a qualidade de vida garantida pelas políticas públicas, isto é: que as minorias tenham direito ao consumo, que nossos jovens indígenas possam estudar para disputar uma vaga no ercado de trabalho, para que os jovens negros não se sintam inferiorizados por não terem seus tênis e precisem assaltar para garantirem a autoestima e o amor das minas;
são esses enunciados que estão latentes no discurso da identidade;
tudo isso por conta de uma associação da subjetividade racial à cor da pele ou às características fenotípicas, por conta da concepção monolítica de identidade que valora, por exemplo, os níveis de negritude ou indianidade, sempre se pautando pela supremacia da pureza de raça;




o que surpreende as pessoas que estão às voltas com a família d'os milton quando esses deixam de ser caboclos para se entenderem como índios;
talvez a opinião ou o reconhecimento dos demais não tivesse tanta importância se a antropologia não determinasse o reconhecimento alheio como um dos critérios para reconhecimento oficial de etnicidades;
enfim, o que surpreende as pessoas...http://www.blogger.com/img/gl.bold.gif
o que surpreende as pessoas ao seu redor é a inversão de um processo que se acreditava irreversível: a lei da gravidade da subjetividade étnica só prevê o embranquecimento, a história só teria lugar para a assimilação das etnias indígenas, quando muito para sua precária manutenção, mas nunca para uma revitalização;
um processo como esse por não caber na história poderia ser pensado mesmo como processo anti-histórico;
assim, não teria nada de errado com ele [inclusive para que precisássemos justificá-lo e desculpá-lo] mas com a história e seus pressupostos;
o que se quer com isso é evidenciar que o que sustenta essas categorias [da etnicidade, tais como caboclo ou índio] na história são valores bem determinados no senso comum, nos consensos sociais, nos preconceitos, enfim, nas diversas formas do controle social, e que seu caráter explicativo, descritivo, histórico, definidor da realidade pode consistir numa linguagem perigosa e numa concepção da linguagem que se apóia em valores que podem nos escapar;
a menos que se opte efetivamente por conservar a linguagem e a concepção de linguagem e conhecimento do estado, com seus pressupostos, suas funções e os interesses daí advindos;




a relação dos processos histórico de um lado e de outro o processo de produção subjetiva, de ‘ressurgimento’ ou revitalização étnica;
a matéria desses dois processos é diversa;
não se pode mistura-los simplesmente, o que se pode fazer é imaginar sua articulação, mas diferenciando sua especificidade;
o processo histórico se dá, mas esse processo histórico pode ser apropriado e se desdobrar de formas diversas;
o que não dá é para historicizar o processo subjetivo, pois ele reformula certa imagem da história;
não dá também para abolir a história nesse caso, pois o processo de subjetivação no caso é imaginado por uma relação de ascendência étnica, marcada por eventos imaginados na forma da história;
a própria história, no caso, possibilita um processo de diferenciação que é distinto de sua função de integração do diferente (indiferenciação) numa homogeneidade envolvente;
as diferenciações internas desses regimes de socialidade é reduzida a uma única socialidade definida como indígena;
apagam-se as diferenciações que fazem desses regimes um complexo de relações sociais;
seus processos de subjetivação constituem a chave da dinâmica diferenciante nesses regimes de socialidade;
nesse processo há perspectivas diversas: dessa miríade de pontos de vista dos povos que se diferenciam em suas práticas diferenciantes de socialidade à perspectiva englobante e homogeneizadora da sociedade envolvente;
trazer para o pensamento e para o papel a possibilidade de outros pontos de vista, de perspectivas diversas, é romper com a imagem de um universo monolítico e etnocêntrico;
cabocla regina: história ou mito;
qual a matéria da história e a matéria do mito?
o mito e a história são incompatíveis?
segundo qual imagem do conhecimento histórico o mito lhe seria incompatível?
o interesse nessas questões se deve ao fato de se perceber que não existe um ponto em que acaba a história e começa o mito;
o que há são forma de elaborar, escrituras e maneiras de imaginar diversas, formas de dispor e de considerar o discurso;
a teoria do enunciado de foucault visa demonstrar o caráter de convenção dessa linha demarcatória que definiria a diferença entre o discurso científico da história e a ficção mimética do mito;
trabalhar com histórias de vida já é uma opção por se abandonar a grande e não para vivenciá-la de dentro como se poderia pensar;
as micro-histórias e micro-políticas servem mais para se voltar contra o método histórico, para contradize-lo, que para aperfeiçoa-lo;
o caso dos milton é um caso paradigmático disso, pois com eles a história se transforma em experiência, ela deixa o espaço intocável dos livros e dos documentos, das datas irreversíveis e dos macroprocessos;
o flerte entre antropologia e história no livro d’os milton pode servir para reforçar a dependência disciplinar da abordagem antropológica em relação à história, a antropologia como discurso inerentemente histórico (e, daí, sociológico) ou para revelar pressupostos do discurso histórico, para demonstrar que, no limite, não existe história (que não seja um intensificador de poder), que não existe a história como a imaginamos, como uma grande narrativa científica dos acontecimentos definitivos, contraposta ao discurso mítico;
a idéia de verdade que daria sentido a essa imagem da história pode ser desconstruída como exigência extrínseca, como valor atribuído por sua função (de instrumento político);

nessa relação e nesse embate entre história e mito, o mito assume aqui uma função que sempre foi a dele mas que agora se evidencia: é a de articulador de um complexo de subjetivação;
esse complexo é composto de uma série de processos articulados;

o contrário ou o inverso desse processo que aqui sugiro é a intenção de se utilizar da autoridade de um discurso histórico para provar o processo subjetivo, para lhe dar legitimidade;
o discurso de poder histórico, com suas provas factuais, legitimaria assim a suposta verdade jurídica do caso, como tantas vezes tem sido feito na configuração da legislação ambiental brasileira, com seus ‘laudos científicos’, ou como sempre o fez a própria antropologia que reconhece no discurso histórico o discurso de estado que pode viabilizar a chamada ‘identificação’ e sua legitimidade jurídica;