29 maio 2010

imagem de em lugar algum

Estava na graduação. Fazia Letras na USP. Morava com um amigo no CRUSP, no apartamento 303. Ele se chama Eduardo de Paula, o Dú. Ator e estudante do curso de Artes Cênicas.

O Dú já tinha experiência em teatro antes de entrar na faculdade. Já havia feito teatro de rua.

Nosso apartamento era decorado com cartazes de peças de teatro. Era um apartamento em que já tinham morado outros atores, estudantes do curso . Era esse o clima.

O Dú comentava às vezes comigo sobre suas leituras, os livros que comprava. Lembro quando ele comprou Canoa de Papel, do Eugênio Barba. Cheguei a ler, mas como não tinha muitas referências, só guardei o clima do grupo e dos países referidos. Depois reli para nosso curso de extensão.

Ele tinha um grupo legal em sua turma de faculdade. Lembro da Ana Galloti... só. Foi esse grupo que fez um movimento junto à faculdade para trazer a professora Beth Lopes, lá do sul, acho que de Porto Alegre. Na época estava com a peça O Cobrador, baseada nos contos do Rubem Fonseca.

Não lembro bem por que eles queriam essa professora. Eu acredito que era por que ela tinha alguma experiência com o trabalho do Barba e a prática das partituras de movimento.

Lembro que eles começaram a trabalhar com o livro da Ecléa Bosi, Memória e Sociedade, lembrança de velhos. Lembro que o Dú tinha que encontrar uma boa foto de um idoso. Ele conseguiu a foto de seu tio. Parece que o velho segurava um cachimbo na mão e estava curvado. Era interessante, ele não imitava o velho da foto. Ele meditava na posição do velho. E aquela posição era um tipo de clave de sol de uma partitura que ele devia compor para o seu personagem.

Voltando ao livro, foi fascinante o processo da dramaturgia. Cada ator ficava com o relato de um dos velhos do livro e devia elaborar, com a orientação da diretora, a seleção das falas que iam compor o personagem.

Claro que essa seleção estava diretamente vinculada ao processo de construção da gestualidade do personagem. O que havia de fantástico para mim nesse texto era como a estrutura dramática proporcionada pela lembrança criava uma polifonia que podia abolir a fixação do texto nos diálogos. Também não eram monólogos. Era algo como falas diagonais, entre a horizontalidade do diálogo e a verticalidade do monólogo. E eles podiam falar com pausas livres entre as falas ou interpor 2 ou 3 falas. Fantástico.

As peças da Beth trabalhavam com uma forte base musical, uma trilha mesmo. E é aí que eu entro. Um dia o Dú me perguntou se eu não queria fazer o som do espetáculo, que se chamaria Doce lembrança. Talvez por que sempre conversávamos sobre seu trabalho, talvez por que eu discotecava nossas festinhas em casa. O caso é que eu topei e entrei pela primeira vez no mundo do teatro.

Que boa entrada os deuses me reservaram. Era como se eu estivesse atuando, no palco, com os atores. Afinal, também tinha minhas deixas.

O que parece é que deu certo, pois chamaram-me para a nova peça. Agora seria baseada na obra de Oliver Sacks, Tempo de despertar. Oliver Sacks é um neurologista que tratou experimentalmente alguns doentes de uma doença correlata ao Parkinson que deixa as pessoas paralisadas. Essas pessoas passam por entre momentos de recuperação e recaída.

Novamente, cada qual comporia seu personagem a partir de falas dos pacientes tratados pelo Dr. Sacks. Fico pensando se Sacks soube da peça ou chegou a assistir algum vídeo. Acho que ele ficaria emocionado.

Além dessas características dramatúrgicas, a trilha sonora também teve similar função nessa peça. O que diferenciou é que em lugar de eu chegar com a peça pronta, dessa vez eu pude participar, como sonoplasta, do processo de criação.

Já ia me esquecendo, dessa vez, acrescido às falas, entraram alguns poemas. Lembro do Fernando Pessoa.

Se o cenário antes era composto por um mobiliário antigo que ia sendo descoberto de lençóis pelos personagens no início da peça, agora tínhamos cadeiras de rodas, camas de hospital, mas também caixas e trapézios que faziam do cenário algo mais abstrato com a ajuda da luz.

Se o trabalho antes era um estudo sobre os personagens idosos e seus movimentos, agora se tratava de um estudo sobre o movimento e a imobilidade.

Não me ocorre agora o nome dessa peça. Creio que é Lugar algum.

Também tinha o figurino. Enquanto as roupas do primeiro espetáculo eram simples roupas antigas, aqui desfilava um figurino mais abstrato, feito de borracha fina, como daquelas luvas cirúrgicas. E também alguns pedaços de tecido, algodão cru, da cor da pele.

Hoje percebo o quanto aprendi em meio a esse processo. Lembro de outra experiência que fez reavaliar completamente o trabalho que relatei.

Tenho um grande amigo. Ele é músico, seu nome é Nei. O Nei há anos trabalha no grupo Playback de teatro. Eles trabalham com improvisação. O público relata histórias que eles devem encenar em seguida. O Nei faz a improvisação musical da parada.

Percebo hoje uma relação entre o processo proposto pela diretora e a dinâmica de trabalho desse grupo que dá corpo às experiências das pessoas. Trata-se de elaborar uma dramaturgia colhida direto das experiências vivas relatadas pelas pessoas que as viveram.

28 maio 2010


Acredito que o ponto de partida para um comentário da abordagem de Stanislavski consiste no seu contexto. Será difícil o entendimento de sua concepção da interpretação, do ator e de seu processo criativo se não contextualizarmos minimamente sua proposta de teatro, incluída aqui sua proposta de recepção do público, já que propor novos sentidos pressupõe novas sensibilidades.
Nesse sentido é interessante que se compreenda todo o contexto da arte na transição do Século XIX-XX. Nessa transição, o problema do real, da realidade e da melhor maneira para representa-la, para desdobrar a realidade é um problema das artes e das ciências.
Hoje, numa visão retrospectiva e historicista podemos compreender a importância desse processo de virtualização do real, ou melhor, de realização de um possível, já que o pressuposto do real se caracteriza como a marca fundamental de nossa cultura ocidental globalizada.
O problema da representação do real foi também um problema, senão 'o' problema, para Stanislavski.
Assim como Appia busca libertar o movimento daquelas telas pintadas em duas dimensões, utilizando-se da luz, Stanislavski quer libertar não apenas o ator da tipificação na elaboração de personagens, mas também o público.
Se o primeiro passo consiste em distinguir o ator de seu papel, é porque estamos preparados para dar autonomia ao movimento. O movimento como expressão, como construção. Tal como o impressionismo desfoca, cubismo estilhaça, o surrealismo distorce nossa impressão do real, também aqui nos apropriamos de técnicas que começam a trilhar um novo caminho para a representação, para a simulação do real.
Pausa. Por aqui cabe um comentário quanto ao caráter historiográfico de nossa abordagem. Se seguimos a abordagem nietzschiana segundo a qual o presente devora os vestígios do tempo e define as coordenadas do passado segundo sua vontade de potência, entendemos que falamos de diversos Stanislavskis, como se entrevê em nosso texto sobre tradutologia.
Como nos furtamos à busca frustrada por um verdadeiro ou mesmo original, nos regozijando com a multiplicidade de apropriações e recriações de uma interpretação criativa, focada no corpo, cabe aqui operar a desmistificação desse contexto original que estaríamos nos propondo a rabiscar, pois o contemporâneo emerge em nosso texto, em nossos comentários.
Enfim, estamos aquecendo nossa voz para não entrarmos em um personagem da estatura de nosso pensador com tantos reducionismos e generalizações.
A importância de Stanislavski pode estar em seu método, mas apenas se entendermos que não estamos a nos referir a um método ideal concebido e acabado, vindo direto da mente do pensador, e sim a coordenadas que seguem sendo apropriadas e recriadas e só fazem sentido nessa dinâmica.
Nesse processo, assim como Stanislavski rompe com determinadas limitações da interpretação e da concepção de teatro em sua época, cabe identificar o que em seu vocabulário será burilado ao longo das gerações que o sucederam.
Vou identificar tão só o psicologismo, que caracteriza uma via principal da apropriação de Stanislavski. É natural que hoje se evidencie o histrionismo na busca de um Stanislavski pela abordagem psicológica. Isso porque a psicologia pós-estruturalista (ou melhor pós estruturalismo) viu no sujeito mais um efeito de linguagem, desmontando de vez a aparelhagem que sustentava a alma e seu pressuposto cartesiano, a consciência racional (ainda que a psicologia educacional insista na abordagem desenvolvimentista).
Assim, quando a mente se percebe uma dimensão do corpo, como diria (poderia ter dito) Nietzsche, compreende-se também que Stanislavski continuará vigorando entre nós, mas um outro Stanislavski.
Esse Stanislavski será atravessado por um século de vanguardas, de revoluções e, principalmente um século que experimenta o mergulho da realidade no mundo virtual.
Por um lado, o psicologismo foi a dimensão fundamental do trabalho desse primeiro teórico da interpretação no ocidente. Isso se deu na preparação de atores para o cinema, a televisão e certo teatro que ou reproduz a realidade conforme o século XIX, ou reproduz a realidade produzida pelos filmes ou novelas.
Por outro lado, em vez de reificar subjetividades estagnadas, gangrenadas, num sistema de controle para o consumo, o Stanislavski que seguirá funcionando nas pesquisas de novos teatros, de novas linguagens vai apropriar-se igualmente de novas imagens da subjetividade.
Nessas imagens da subjetividade o corpo, a voz, articulados com os demais recursos, dissolvem aquela estrutura com que se acreditava representar a realidade.

no teatro da vida
pra sobreviver
já fui palhaço
tomei chute na bunda e
torta na cara
já fiz papel de tolo
tomei tabefe
fui espinafrado
já atuei de bobo da corte
foi quando vi minha cabeça rolar
já me fiz de morto
pra sobreviver
no teatro da vida
já representei bufão
quando perdi esse braço
e parte da perna direita
e todo dia desempenho o zé-ninguém
pra ver se me erram
mas não tem jeito
essa luz me persegue onde vou
e lá estão eles de novo
pregando-me peças
e lá estou eu novamente
fingindo que não sou eu

extraído do livro notas de um estudante (quase) reprovado em laboratório 2

16 maio 2010

desacato ao autoritarismo

eu, racista?!...


primeira parte do vídeo kene, realizado junto com os estudantes de pedagogia da ufac floresta aqui em cruzeiro do sul em janeiro de 2010;



continuação do vídeo kene;


para baixar o vídeo kene inteiro do 4shared;

08 maio 2010


só pra lembrar (de belo monte:) o buraco é mais embaixo ou

por que nunca é demais combater os agenciamentos de enunciação fascistas...


A afirmação "só é índio quem nasce, cresce e vive em um ambiente cultural original" é, repito, grotesca. Nenhum antropólogo que se respeite a pronunciaria. Primeiro, porque ela enuncia uma condição impossível (o contrário de uma condição necessária, portanto!) no mundo humano atual; impossível, na verdade, desde que o mundo é mundo. Não existem "ambientes culturais originais"; as culturas estão constantemente em transformação interna e em comunicação externa, e os dois processos são, via de regra, intimamente correlacionados. Não existe instrumento científico capaz de detectar quando uma cultura deixa de ser "original", nem quando um povo deixa de ser indígena. (E quando será que uma cultura começa a ser original? E quando é que um povo começa a ser indígena?). Ninguém vive no ambiente cultural onde nasceu. Em segundo lugar, o "ambiente cultural original" dos índios, admitindo-se que tal entidade exista, foi destruido meticulosamente durante cinco séculos, por epidemias, massacres, escravização, catequese e destruição ambiental. A seguirmos essa linha de raciocínio, não haveria mais índios no Brasil. Talvez seja isso que Veja queria dizer. Em terceiro lugar, a revista parte do pressuposto inteiramente injustificado de que "ser índio" é algo que remete ao passado; algo que só se pode ou continuar (a duras penas) a ser, ou deixar de ser. A idéia de que uma coletividade possa voltar a ser índia é propriamente impensável pelos autores da matéria e seus mentores intelectuais. Mas como eu lembro em minha entrevista original deturpada por Veja, os bárbaros europeus da Idade Média voltaram a ser romanos e gregos ali pelo século XIV -- só que isso se chamou "Renascimento" e não "farra de antropólogos oportunistas". Como diz Marshall Sahlins, o antropólogo de onde tirei a analogia, alguns povos têm toda a sorte do mundo.

E o Brasil, será que temos toda a sorte do mundo? Será que o Brasil algum dia vai se tornar mesmo um grande Estados Unidos, como quer a Veja ? Será que teremos de viver em um ambiente cultural que não é aquele onde nascemos e crescemos? (Eu cresci durante a ditadura; Deus me livre desse ambiente cultural). Será que vamos deixar de ser brasileiros? Aliás, qual era mesmo nosso ambiente cultural original?

eduardo viveiros de castro

03 maio 2010


esta é a atuação do grupo feminino trabalhando a voz com a enteada de seis personagens...

02 maio 2010

o pai


oficina de microatuação na uab dia 29 de abril de 2010
cena chave de seis personagens a procura de um autor de luigi pirandello