27 abril 2007

idealismos 1

uma ética da construção histórica dos valores, definida por parte dos sujeitos do poder como o estado e as oligarquias nos possibilita, não chegar à verdade absoluta sobre o que são de fato os valores dos brasileiros;

o que essa análise permitirá será, a princípio, despistar o discurso conservador que tende a naturalizar a moral para que, desde o princípio, ela não seja objeto do pensamento, mas apenas sua imaculada condição, seu pressuposto, pré-existente e pré-definido;

tomar como objeto de pensamento equivale a dessacralizar essa ética idealista; vamos lidar com um conjunto de valores construídos socialmente, segundo as regras dos poderes dos homens que estão no poder e não governam idealmente para a população, principalmente numa província como o brasil, em que o povo é estritamente um projeto do estado, já que o outro povo, o da revolta e da luta, esse é caso de polícia;

o problema posto, portanto, não é a verdade dos fatos, e sim o problema da verdade;

como se pode afirmar uma leitura de fatos históricos e processos sociais, como é o Direito, desprovida de sua contextualização social, política, econômica?

seria, no mínimo, passível de suspeita, ainda mais quando (ou justamente porque) se pretende a verdade objetiva, neutra, absoluta;

creio, sobretudo, na vantagem discursiva de tal análise/prática, já que o que nela importa não é chegar ou não mais ou menos próximo de uma verdade pré-estabelecida, à qual se busca imitar ou aproximar;

a verdade aqui, a forma da verdade aqui é a de um devir, de um processo;

a análise dos enunciados é só (e tudo) o que se pode ter aqui; a verdade é a constituída pelos homens em seus discursos, por mais que esse material humano ainda seja desprezado em benefício do que se deveria ser, fazer ou pensar idealmente;

a análise dos enunciados do idealismo é uma possibilidade que não se restringe a refutar suas teses, e sim fazer sua crítica epistêmica, ou seja, a crítica do idealismo arraigado em nosso pensamento, enquanto, se estabelece, na própria prática um modelo de produção de conhecimento e verdade, o discursivo, contraditório à concepção idealista de mundo e pensamento;

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24 abril 2007

a questão da etnicidade

a etnicidade já foi vista, e ainda pode ser, como um problema racial; ainda se acredita na pureza racial para a definição daqueles que pertenceriam a culturas não-ocidentais, já que somos uma maioria e tudo o mais deriva de nós;

essa concepção racista da etnicidade, que busca na biologia e na genética a definição da etnia, abriu espaço em meados do século vinte, quando já não se sustentava mais, para a concepção culturalista de etnia;

a partir de então, saber se alguém pertencia ou não a uma etnia era provado com a cultura;

a antropologia já debutava e podia fornecer método etnográficos satisfatórios para se refutar o cientificismo racista que estava na origem da própria disciplina;

apesar de agradar mais que o critério racista, que tanto tempo levou no Brasil para sair de circulação (e ainda não saiu...), mostrou-se um conceito igualmente problemático, como que provisório;

seu problema era operar numa chave parecida com a da etnicidade racista; atribuía-se o título de etnicidade àqueles grupos cuja pureza cultural fosse constatada; trocava-se a pureza genética pela pureza cultural, valorizando-se da mesma forma o original ou o puro do critério racista;

cabia-se fazer, a partir daí, a revolução copernicana que possibilitasse valorar a transformação, ou pelo menos, não estabelecer-se sobre o critério da pureza, da imobilidade cultural;

valorizava-se então o objeto de análise mais adequado teoricamente à comprovação, que obedecia aos critérios lógicos e científicos, que possibilitava a partir de um método seguro definir por parte do antropólogo e de sua competência quem seria e quem não seria ío seria quem nompetpor aprte um mrnrar a transformaçma o original ou o puro do critfiniçndio, e se esquecia do problema incontornável da prática;

sua reformulação veio com a concepção segundo a qual a etnicidade não seria produto da cultura, e sim a cultura seria produto da etnicidade;

segundo essa concepção, a cultura não comprova a etnicidade do grupo, não se estuda a cultura para se atribuir a etnicidade (ou não do grupo);

a cultura servirá, antes, como instrumento do grupo para construção de sua identidade étnica, a qual perde sua substancialidade para adquirir o caráter dinâmico que a define como conjunto de relações que resultam na auto-imputação étnica e no reconhecimento do grupo por parte de outro grupos;

o que ocorre com a ruptura em relação à concepção culturalista é que o enfoque sobre a etnicidade deixa de constituir-se no “centro” da sociedade, para se constituir em suas borda, em suas franjas, em suas fronteiras sociais;

identificar-se e ser identificado equivale a distinguir-se e ser distinguido;

esse será o critério para a definição da etnicidade, que o grupo se identifique como tal e que seja identificado por outros, diferença e identidade;

o que constitui um salto nessa crítica ao substantivismo culturalista é certamente o movimento de sustentar a etnicidade, um dos problemas mais insolúveis da disciplina devido ao seu envolvimento com as teorias racistas que estão na gênese da antropologia, sobre o devir das relações sociais e da construção e resignificação de identidades, colocando a disciplina apta a enfrentar problemas atuais, que exigem uma concepção mais dinâmica e menos substancialista de cultura;

não se trata, no entanto, meramente de dar conta de novos problemas, trata-se, ao mesmo tempo que isso, de uma ruptura com uma antiga matriz epistêmica que, se não for analisada, nos manterá aquém dos possíveis desdobramentos da referida ruptura;

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23 abril 2007

som e fúria pressupostos da diferença
A ordenação linear e progressiva do tempo definida pela ciência histórica forneceu um instrumental metodológico eficaz e sintomático, que possibilitou ao evolucionismo do século dezenove definir-se não só como pensamento da evolução na natureza, no mundo orgânico, mas também como modo de explicar a dinâmica cultural (e de forma neutra) dos povos.
O tempo, na confusão entre história (os fatos) e História (ciência), passa a entidade híbrida, definindo tanto um fenômeno cultural, uma ciência, como um fenômeno natural, universal e invariável.
O que se vê aqui é uma indistinção e uma identidade entre o discurso do conhecimento e discurso da natureza, do cognoscível.

É uma tendência do pensamento objetivista naturalizar fenômenos culturais. Naturaliza-se por que o uso que se faz da história não se volta à contextualização do pensamento ou dos valores que o sustentam, a história aqui terá a função de legitimar a dinâmica do progressivo que atesta a supremacia política dos narradores da história.Nessa apropriação, a história tem pouco a ver com o processo de relativização dos valores, que persistem no etnocentrismo próprio do pensamento hegeliano.
O valor antropológico e filosófico que a história teria numa crítica epistemológica dá lugar a sua utilização como cortina de fumaça, numa apropriação política e epistêmica dessa disciplina.
A noção de modernidade guarda em si a idéia de um programa que visa harmonizar, humanisticamente, a sociedade ocidentalizante/ocidentalizada, potencialmente global nesse momento quanto aos seus mercados, que passa a deixar sistematicamente, após as revoluções do século anterior (claro que me refiro às industriais), a condição/(forma da) sujeição tradicional de colonização para assumir uma outra, da qual, inclusive, o programa da modernidade deverá orientar;

O projeto da modernidade (strito sensu) retoma os princípios do iluminismo, intermediados pelo século dezenove.
O discurso da modernidade consiste na herança deixada por esses impulsos universalistas do pensamento europeu do século dezoito e dezenove.
A antropologia ao colocar em questão, em termos metodológicos a princípio com boas e malinowisk, e, depois, em termos epistêmicos, com mauss e lévi-strauss, aponta uma via para se escapar ao modelo histórico-transcendental da tradição filosófica ocidental.
Averiguar o sentido das instituições indígenas não é mérito do estruturalismo. Outros autores já faziam e continuaram a faze-lo sem que isso se caracterize estruturalismo.
A diferença do estruturalismo para outras abordagens se define pela passagem secreta que este revela entre metodologia e epistemologia. Trata de problemas epistemológicos muitas vezes, tratando-os, estritamente, como problemas de método.
Pois o problema metodológico se mostraria insolúvel pela via do relativismo cultural, o multiculturalismo, que revelaria seus limites.
Portanto, não se trata de uma solução tão natural quanto aquela que propõe que trabalho de campo tenha sido o responsável pelo barulho que a antropologia vai causar nas ciências humanas, especialmente na filosofia que é a área aqui enfocada.
Não é tanto o encontro do antropólogo com o contexto do nativo, seu contato direto e os mistérios dele advindos, responsáveis por reformulações metodológicas definitivas na disciplina, que surtirão tal efeito.
No entanto, tal operação metodológica, que implica em colocar de lado não só o referencial histórico, definindo um outro referencial, ou uma reformulação de referenciais e, com isso, de paradigmas.
O que constituiu o caráter revolucionário de tal ruptura parece ter sido a descoberta dos fundamentos, das bases em que estava assentado esse método e até onde iam retumbar suas ondas e ecos.
Toda a unidade que sustentava esse modelo veio abaixo quando a antropologia afirma uma diferença epistemológica, um outro do nosso pensamento.
Esse outro, como se pode pensar logo reinvestindo nesse paradigma histórico-transcendental, não é o outro como figura transcendental, o que manteria intacto nosso modelo de pensamento fundado no uno e no ser.
Esse outro se desdobra em nosso próprio pensamento, o que significa que não se trata (mais) de justificar nosso ponto de vista, nosso regime enunciativo, nosso plano de transcendência que persiste ocultando sua fonte, seu plano de imanência.
A epistéme revela o incontestável valor político desse conhecimento e do modo com que ele se coloca em relação às coisas e aos outros (conhecimentos).
A diferença ressoou nos princípios desse modelo calcado na identidade do Ser, modelo que fora tão exacerbado no neoiluminismo do século dezenove, que então não faria resistência, dado o seu desgaste.

22 abril 2007


o estado será entendido, num primeiro e vasto período, em termos culturais como uma força de homogeneização que precisa criar o brasil, o sentido de nacionalidade;
esse processo se constitui, segundo chauí, estudiosa da autoritária ética brasileira, como processo ideológico de violência e determinação ou submissão da maior parte dos cidadãos por uma minoria;
interessa saber a apropriação feita por essa minoria dos recursos de exercício do poder do estado;
o aparelho jurídico é estudado por sérgio adorno numa perspectiva que se consolida na sociologia brasileira desde então;
o estado e seu aparato jurídico são o espaço da identidade, instauram com seu poder um campo homogêneo da igualdade formal que sustenta seu discurso positivo que o mantém como dupla e mesma fonte de emanação: de poder e de discurso;
constituindo-se como essa fonte de emanação de discurso que se oculta como fonte, assim como a fonte de poder, o estado e seu aparato jurídico modelam uma imagem do saber que sirva à perpetuação de si como fonte imperceptível, ainda que instaurada e mantida pela violência, cujo discurso dissipa na forma da ordem;
a imagem de um saber tradicional, até bem pouco tempo, estava estranha(da) dessa pasta homogênea transcendental decretada como saber oficial...

a porta de entrada desse saber na lei foi o inofensivo espaço da catequese escolar; professores formados no modelo branco viveram por tempos situações difíceis nesse conflito; inofensivamente começou a problematizar o que seria e será um saber indígena; não se imaginava que isso seria uma máquina de criar indianidade, dada a precariedade e a simplicidade tosca da mentalidade positiva que impera em nossa concepção e no sistema de ensino oficial do Brasil;

portanto, mais que a força da cultura indígena, o que valeu foi a precariedade das bases epistêmicas e metodológicas que sustentam o ensino; o construtivismo passou longe da mentalidade positivista e não pudemos compreender o pensamento freireano e seus desdobramentos, para tomar um autor dito popular; milhões de crianças estudam num modelo de educação que só se democratizou em quantidade;


Escrevendo filosofia
(Crônica filosófica)
Como vim parar aqui
Ao final de uma de minhas aulas de Ética (é fato, sou professor de Ética no curso de direito da Uninorte), fui abordado por um distinto estudante. Era João Joaquim, diretor deste portal.
Falou-me sobre o portal, sobre o trabalho que vem desenvolvendo, a linha editorial. Nesse contexto, colocou sua intenção de oferecer ao leitor um espaço de reflexão filosófica e ética.
Lembrei-me, na hora, de um espaço de reflexão filosófica que acompanhei ao longo do ano passado num jornal da cidade. Seu responsável era o professor e filósofo Paulo Pinheiro.
Dizia João que pensava num espaço que relacionasse a Ética a acontecimentos cotidianos. Tal espaço convergirá nessa linha editorial mais voltada para a cultura.
Vim, então, para casa e me pus a pensar-me como porta-voz público da filosofia. A responsabilidade chegou a me intimidar.
Logo me veio à mente que, a princípio, deveria elaborar alguma definição de filosofia, uma referência. Agora, trata-se da questão: de que filosofia se trata?
Meus nervos afloraram. Como definir filosofia ou ética? Corri para a biblioteca, coloquei sobre a mesa os pré-socráticos, os diálogos platônicos, os livros de Aristóteles.
Foi então que imaginei meu público leitor. Vi-me diante de uma platéia, num teatro, como se estivesse sobre o palco. Eu, sentado, escrevendo, diante do público, silencioso, milhões de pessoas.
Abateu-me o peso da responsabilidade. Arrependi-me. Quantas tardes vadias que podiam ter sido dedicadas aos clássicos. Tantas vezes que deixei Espinosa e Leibniz esperando. O fardo da ignorância.
Num raio, lembrei de Sócrates. É isso! Só sei que nada sei. Pensei: encontrei uma boa saída, refletir sobre a ignorância. Senti-me à vontade. Posso até me dar ao luxo de ser irônico, afinal somos todos ignorantes.
Mais calmo, voltei para meu problema: afinal de contas, o que é, seria ou será a filosofia? Como defini-la?
Imaginei-me perguntando a Sócrates: Caro amigo da sabedoria, o que vem a ser a Filosofia, a que ele responderia com outra pergunta, e para ti, o que vem a ser... Concluída a bateria de questões, a maiêutica teria me conduzido a uma resposta intrigante. Quanto se trata de filosofia, perguntar vale mais que responder.
Atentei para que a vontade de responder que me inspirava pudesse ser, propriamente, vontade de perguntar.
Atinei: consegui uma definição de Filosofia, é a arte de perguntar, de redefinir os problemas, de recolocar questões;
Pensei então em começar o texto inaugural desta coluna com essa definição, para que não restassem dúvidas ao (possível) público leitor quanto à autoridade do colunista no assunto.
Afinal, ou em parte, sabia de onde se originava a crise de que resultara esta heterodoxa crônica filosófica: nunca fora um filósofo profissional, minha experiência de amador na área é que me rendera a responsabilidade sobre esta tribuna.
Mas algo não cheirava bem, ainda havia um problema. Quiçá insolúvel. Será que tinha sido enganado por Sócrates? Seria mesmo Sócrates? Não teria sido seu daimon ou a voz a de Platão falando em nome do mestre? Não seria meu próprio daimon, simulando a presença do grego?
Como dispor dessa verdade que encontrara no universo filosófico? Como dar forma a essa arte do perguntar? Dúvida insolúvel? Típico mistério?
Foi daí que me veio a idéia de criar um personagem. Conforme vira, o texto não podia ficar preso à esfera filosófica das definições, das respostas. Assim, o personagem de uma crônica resolveria o impasse. Ele desdobraria os problemas na forma de questões, de suas dúvidas, de suas inseguranças.
Sei que idéia não é lá original, desde Platão que... mas a prova dos nove aqui não se refere à originalidade e sim a uma boa simulação.
Desdobrado o texto nessa dimensão literária, os problemas, definições, respostas, teriam neutralizado sua pretensão a verdades definitivas.
Mas... e o leitor? Bem, constituindo-se o estatuto deste primeiro personagem, logo passaremos ao leitor, esse outro personagem.
No entanto, a crônica vai findando e, lembrando o argentino, não sei bem se quem assina é Amilton ou se é o Outro.

* crônica que deve inaugurar o espaço filosófico no portal notícias da hora;

09 abril 2007

antropologia e filosofia V

é a partir desse princípio epistêmico, desse pensamento da diferença, que o pensamento de clastres nos conduzirá rumo às sociedades anti-estado, às máquinas de guerra como foram chamadas por deleuze-guattari quando de incorporação como referência na filosofia das multiplicidades de mil platôs;
a proposta de clastres é a da constituição desse pensamento da diferença; percebe-se em seu trabalho a intenção de se pensar com o pensamento outro, de buscar nesse pensamento não apenas sua ordem interna, mantendo-o como objeto passivo de nosso pensamento (como faz certo estruturalismo, desprovido dos fundamentos epistêmicos que fundamentam qualquer estruturalismo), e sim reformular o nosso pensamento desde seus princípios, (fornecendo-lhe uma perspectiva, uma diferença) com o poder desse paradigma da diferença, afetando um pensamento cuja tradição está calcada na identidade; pensar o pensamento outro sem objetifica-lo na restrição de descrever estruturalmente suas categorias, demonstrando arrogantemente “olhem, eles pensam racionalmente, viram como a razão tinha razão, até o índios podem pensar, se encaixar no pensamento racional, desde que respeitem suas regras etc....”;
o potencial do pensamento selvagem será outro, no entanto; não poderá se manter tão comprometido com a tradição desse pensamento da identidade, sob a pena de se tornar um instrumento dessa própria tradição;
aí que se coloca o problema fundamental da antropologia, o da antropologia como instrumento do poder, da manutenção e intensificação do poder, utilizando-se da cultura e da história na definição dos povos estudados comportadamente nas categorias do pensamento ocidental;
de outro lado, a antropologia não cabe mais nos limites da história e seu paradigma; é a ela que compete o pensamento da diferença, seus problemas evidenciam os limites do pensamento da identidade, por mais absoluto que esse pensamento se imagine; é para ela que o pensamento do centro vai perder completamente ou sentido, (ou ganhar todo o sentido), visto que a sua imagem do pensamento se dará como margem, encontro, superfície, e não mais a imagem de um dentro para o qual todo o universo é trazido e só aí ganha sentido;

para um estado que se define pela homogeneidade racial, cultural e de pensamento, consequentemente, esse pensamento da diferença é sinônimo de anti-estado; portanto, o fato de as sociedades indígenas serem contra estado tem menos a ver com a análise do sistemas políticos, do que com as implicações de uma antropologia da diferença que valide politicamente esses povos; as sociedades contra o estado estão menos no campo da ciência política que no da epistemologia ou da filosofia, pois traduzem mais o posicionamento político da antropologia, ou o posicionamento estratégico de sua política epistemológica, centrada numa filosofia da diferença; essa é a ruptura com uno explicitada por clastres a partir do pensamento grego e que serve de preparo para a sociedade contra o estado;
abrir a linha de fuga da filosofia da diferença implica numa estratégia menos simples da antropologia;
o uno e o duplo; o duplo como a imagem da diferença, do relacional, do que não se define pela identidade consigo, pela história;
segundo castres, esse pensamento renuncia o uno como renuncia ao princípio de identidade; em seu discurso essa renúncia se expressa no próprio plano de imanência;
esse recurso de constituição de um plano de imanência a partir do pensamento estudado importa mais do que qualquer afirmação objetiva do autor sobre esse pensamento;
essa ruptura é o que faz a diferença em relação ao pensamento que não consegue sair de si, de sua imagem, para construir seu contraponto ou sua diferença, como o pensamento da tradição histórica de hegel e marx;

seu próprio discurso, ao afirmar a não identidade do pensamento indígena consigo, também ele não se identifica consigo mesmo, não instaura uma subjetividade substanciada e auto-afirmativa, não se define, portanto, pelo princípio de identidade;
esse plano de imanência definido pelo pensamento de clastres resulta do recurso que vem elaborando ao longo dos anos, a partir de seus estudos dos discursos guarani, dos cantos, do seu pensamento e seus regimes enunciativos;
consiste, essa sua apropriação do recurso enunciativo guarani, em explorar as zonas de indefinição entre seu discurso e os enunciados dos guarani, entre o antropólogos que fala e àqueles de quem se fala;
a objetividade aqui se desdobra e se perde nos liames enunciativos em que se tece o jogo de vozes próprio à antropologia; aprendemos com clastres que o campo discursivo é o espaço político por excelência; é nele que se definem sujeitos e objetos;
tal recurso discursivo, incorporado à sua antropologia como instrumento paradigmático fora encontrado por ele nos seus cantos e discursos guarani;
esse recurso se apresenta, dentre os diversos textos em que ele é experimentado, em do um sem o múltiplo; é o recurso com o qual os guarani fundem seus enunciados com enunciados divinos;
com esse recurso, o pensamento guarani de clastres renuncia ao princípio de identidade; sua filosofia guarani, no entanto, não o renuncia para adotar o contraposto forjado pelo pensamento ocidental, o múltiplo; esse pensamento guarani renuncia o um pelo dois; o duplo, o perigoso duplo do platonismo;
a renúncia ao platonismo idealista vem na forma do plano de imanência apresentado por clastres como conclusão do texto; a renúncia de uma conclusão filosófica objetiva, de que o autor se furta, pode parecer estranha, depois de sua introdução do diálogo com o pensamento filosófico ocidental, forma da epistemologia no texto; aliás, interessa entender que não se faz nesse texto uma mera interpretação de um discurso guarani, e sim que se propõe aqui uma contraposição do pensamento guarani, e alguns de seus princípios, os principais para o autor, à matriz filosófica do pensamento ocidental;
essa matriz é identificada pela identidade como princípio ordenador do pensamento, o qual é renunciado na gênese do pensamento guarani apresentado por clastres para a antropologia;
ao invés de uma conclusão objetiva, de uma exposição epistemológica que enviaria o autor novamente para o lugar de onde vinha sua antropologia, ou seja, o centro do pensamento ocidental, de volta para o plano de imanência desse pensamento da identidade forjado pelos gregos;
clastres declina do retorno e segue em frente, de carona no pensamento guarani; é aí que se enuncia a frase clássica de sua obra: “eu tupã, vos dou estes conselhos (...)”; sua análise nos custaria (como de fato custou) anos de estudo; o relacional inicia no pronome eu; esse pronome funde clastres aos guarani, via tupã que simboliza o recurso enunciativo que possibilita a fusão; o nome tupã é parte do enigma, não define, como já se disse (o próprio autor diz) o deus como instância ou entidade separada do homem, define-se como um recurso discursivo que possibilita o encontro, a relação; vós é igualmente polissêmico, designa o ouvinte, o leitor, antropólogo, a ciência ocidental;
nesse espaço se constitui o plano de imanência que define a antropologia de clastres; um plano de natureza epistêmica, visto que assume o lugar marginal que a antropologia ocupa no pensamento e na política da tradição ocidental, visto que se assume como filosofia da diferença que rasga o fundo homogêneo no qual se constituía então o pensamento hegemônico e o (pensamento do) poder dele resultante;
aqui se apresenta o dois não como número e sim em seu caráter relacional, como signo da diferença, desse pensamento da diferença que separa e confunde;

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08 abril 2007

ilusãofilosofia e antropologia IV

começou-se a desmontar a máquina metafísica, ou melhor, a compor a máquina nômade da imanência, com nietzsche; certo que há referências para chegar nele, mas foi esse autor que comprou a briga e profanou a tradição metafísica do pensamento ocidental, revelando inclusive seu comprometimento com a religião em pleno século vinte (pode-se dizer);

esse percurso tem paradas importantes nos pensamentos de kant e hegel, mas quem retoma o pensamento grego definindo, com os cacos de sua metafísica, um plano de imanência em mosaico é o pensamento nietzscheano; é esse plano de imanência que o autor pretende definir em sua obra a concepção do trágico; a ruptura com a linguagem universalista e objetiva da identidade hegeliana que proporá uma saída via história; essa saída via história é a partir daquilo que chama espírito do tempo, a forma que ele encontra de estabelecer uma diferença num campo de homogeneidade absoluta, no qual o pensamento ocidental só pode diferenciar-se de si mesmo, no tempo;

a cultura no pensamento ocidental, portanto, se define a partir de hegel e seu espírito do tempo, por via histórica, no tempo progressivo de uma única cultura; a cultura se define a partir da identidade e não da diferença; o problema da diferença é um problema que aparecerá mais tarde, quando o progressivo e o evolutivo forem mais um pouco exorcizados e o pensamento se libere de si mesmo, de sua identidade;

hegel, portanto, devolve o problema das alturas das idéias universais para o mundo social dos homens; no entanto, sua concepção de história e de cultura são forjadas nessa mesma matriz de tradição metafísica, não servindo muito para as vicissitudes apresentadas pelo problema por ele levantado;

como dizia, nietzsche ao problematizar a história nesse quadro, demonstrando o caráter político da epistemologia dela tributária, propõe uma entrada genealógica em que a história é circunscrita como operando em harmonia com essa epistéme da identidade metafísica;

em sua ruptura o autor não só escapa dessa tradição, como já fora buscar um plano de imanência próprio no pensamento trágico pré-socrático;

é a partir desse princípio epistêmico, desse pensamento da diferença, que o pensamento de clastres nos conduzirá rumo às sociedades anti-Estado, às máquinas de guerra como foram chamadas por deleuze-guattari quando de incorporação como referência na filosofia das multiplicidades de mil platôs;

a proposta de clastres é a da constituição desse pensamento da diferença; percebe-se em seu trabalho a intenção de se pensar com o pensamento outro, de buscar nesse pensamento não apenas sua ordem interna, mantendo-o como objeto passivo de nosso pensamento, e sim reformular o nosso pensamento desde seus princípios, através do poder trazido por esse paradigma da diferença para um pensamento cuja tradição está calcada na identidade; pensar o pensamento outro sem objetifica-lo na restrição de descrever estruturalmente suas categorias, demonstrando arrogantemente “olhem, eles pensam racionalmente, viram como a razão tinha razão, até o índios podem pensar, se encaixar no pensamento racional, desde que respeitem suas regras etc....”;

o potencial do pensamento selvagem será outro, no entanto; não poderá se manter tão comprometido com a tradição desse pensamento da identidade, sob a pena de se tornar um instrumento dessa própria tradição;

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filosofia e antropologia III

o problema é que há um preço a se pagar pela instituição desse plano de imanência a partir do qual o conhecimento pode falar de si mesmo, numa espiral que não encontra fundo numa realidade pré-conceitual; esse preço é o do plano de transcendência que será desdobrado daí, dessa conquista que não seria de sócrates como se pode pensar na chave de leitura do individualismo, mas de todo o pensamento grego, pois é todo o pensamento grego que dá condições à esse plano de imanência apropriado e invertido em transcendência por nossas leituras da filosofia platônica;

essa dupla superfície é definida numa imagem do conhecimento: a caverna; na caverna se concebe essa concepção de conhecimento, esse plano epistemológico que define o espaço de imanência no qual se constitui o saber filosófico em sua especificidade conceitual; é por isso que a especificidade conceitual da antropologia se dá quando se estabelece o campo virtual no qual se desdobram as teorias (e os conceitos) nativos; por que o plano de imanência que se havia constituído com base na identidade descobre seu duplo, a alteridade; acredito, assim, que a antropologia possibilita a redefinição de pressupostos desdobrados em muitas das ciências do pensamento ocidental tributárias do pensamento grego (cada qual com seu compromisso mais ou menos específico com essa matriz) tais como a história, o direito, entre outras, tributárias portanto de seus princípios de identidade do sistema de representação que as sustenta; esse pensamento, como instrumental político e bélico, determina seu plano de imanência como homogeneidade absoluta, desdobrando qualquer diferença nesse campo fictício ou, mesmo virtual, furtando-se a toma-la como perspectiva limite, sujeito do conhecimento virtual que possibilitasse um rasgo heterogêneo;

esse rasgo heterogêneo é a chamada multiplicidade; sair do universo da identidade com sua habitual entropia, para ganhar o universo neg-entrópico das multiplicidades exige que já se possa respirar debaixo d’água ou que se agüente as pressurizações dos vacúolos de sentido que se atravessa;

a caverna é o espaço que só fará sentido a partir do plano exterior; não há caverna sem espaço solar e iluminado, a caverna existe em função da luz; enfim, não há caverna em si, ou seja, a caverna é relacional; a caverna equivale ao que se chama de ruptura epistemológica, o conhecimento adquire especificidade relacional e não em si mesmo; o que faz do conhecimento é que ele não seja doxa e não que lhe seja peculiar qualquer universalidade (que não seja universal no âmbito desse plano de imanência em que ele se encerra) exterior a um plano conceitual que não seja o próprio plano no qual ele está se constituindo;

da mesma forma é relacional o valor atribuído às dimensões do sensível e do inteligível; o inteligível não tem um valor em si, não vale mais que o sensível; a não ser para o pensamento, no plano de referências próprio ao pensamento; nesse plano de imanência é que fará sentido se falar das idéias e de seu valor sobre os elementos, sobre as coisas;

o valor do inteligível, sobretudo, está associado a esse plano de imanência que antes de situar qualquer pré-concepção de mundo ou qualquer mundo pré-conceitual, permite situar o pensamento para si próprio;

acredito que era essa a dimensão conceitual do só sei que nada sei, situar o pensamento no pensamento, em sua matéria, em sua especificidade, distinto das coisas pensadas: eis o platonismo idealizado/idealizante invertido;

esse plano de imanência traçado aqui tomará conta do pensamento ocidental, no entanto; ou seja, transfigurar-se-á em seu negativo; o instrumento que serviria para libertar o pensamento servirá para determina-lo, para encerra-lo em um campo de referências pré-definido; o plano de imanência desse pensamento se tornará o plano absoluto do pensamento a partir da fórmula do plano de transcendência cuja dupla função é ocultar-se enquanto plano de imanência, enquanto recurso discursivo, ao mesmo tempo em que se desdobra em plano de transcendência, em um plano do mundo, sobre o qual o saber se projeta, com o qual se identifica, o qual pode esquadrinhar, mapear com suas coordenadas imperceptíveis;

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bom, seguindo na Grécia, considero este ponto inicial bastante intrigante e passível de muitas linhas; a relação do pensamento de Sócrates com a consciência; esse pensamento certamente está ligado com sua concepção de senso comum; também aqui sua concepção política terá bastante importância; o último livro de foucault sobre a articulação poder/saber/subjetividade retoma esses princípios do pensamento grego; suas idéias se iluminam por vezes;

para a concepção individualista, que confunde o papel epistêmico desse sujeito do conhecimento (afinal, sócrates é parteiro de sujeitos do conhecimento) com sua subjetividade, a consciência parece fazer do pensamento uma experiência pessoal, subjetiva, produto da consciência, enquanto que a inconsciência seria um produto da sociedade, do coletivo;

no entanto, acredito que o que há de mais intrigante nesse pensamento do conceito é seu caráter epistemológico; parece que sócrates fala o tempo todo do conhecimento e de suas possibilidades, parece não perder o foco; parece ainda que isso teria passado despercebido pelo próprio platão; essa referência constante filosofia pode ter sua função política e moral; para mim, no entanto, quero encaminha-la para as concepções epistemológicas que estão no fundamento desse pensamento; sustento que a possibilidade de constituição de um plano de imanência ao qual ainda hoje somos tributários deve-se a essa dobra que o discurso filosófico faz sobre si mesmo, o próprio só sei que nada sei é uma afirmação metafilosófica, ou melhor, é a afirmação metafilosófica por excelência, visto que se refere à falta de caráter teórico em relação ao conhecimento, ou seja, epistemológico, do pensamento até então; portanto, o que define o conceito não seria nenhum rigor racional em relação à doxa; amoralmente falando, ambos teriam inclusive a mesma natureza; o que define o conceito é o plano de imanência constituído por essa dobra do discurso filosófico sobre si mesmo;

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filosofia e antropologia

primeiro ponto deve ser a relação do pensamento socrático com a consciência; nietzsche detona esse caráter teórico, esse valor que será dado ao teórico a partir de sócrates; considera-o ovelha negra grega devido aos gregos viverem uma cultura da imanência, com todo o saber cosmológico que o precede e mesmo o período áureo da sofística, da qual ele faz uso para elaborar sua lábia; o que o incomoda é sobretudo o estabelecimento dos valores; conceito, verdade, idéias etc, são noções que dependem do valor, ainda que com elas se tenha estabelecido o plano de imanência que será o marco inicial da filosofia, pelo menos da filosofia pós-trágica, da qual nietzsche e exclui, constituindo um plano de imanência contínuo à ela a partir da fórmula de seu primeiro livro o nascimento da tragédia, que preferi batizar de o nascimento do trágico; note-se que ele não se refere ao nascimento do trágico, ele instaura um nascimento do trágico, note-se que não falo de renascimento...; além do mais são noções que possibilitarão o pensamento da verdade desdobrar-se na dimensão metafísica, desprovido da crítica da linguagem, permitindo com que seja retomado na matriz mítica da qual pretendia se liberar;

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06 abril 2007

de mãos beijadasO Governo brasileiro adota, em sintonia com o mercado internacional o sistema de softwares livres, sem copyrights.
Ainda em sintonia com o lobbys internacionais, elabora uma liquidação dos conhecimentos tradicionais, se deixando levar pelo espírito anti-democrático, numa nova incursão sobre o potencial de resistência renovado das sociedades indígenas que nos últimos anos tem definido importantes conquistas no estabelecimento da gestão de seus territórios.

Será possível que mesmo sofrendo todas as pressões tanto dos quinhentos anos de opressão da sociedade, bem como de grupos internacionais que investem das formas mais covardes sobre sua cultura, como no caso das missões evangélicas internacionais, essas sociedades podem ameaçar a soberania do estado liberal brasileiro, que de democrático só tem o uso do conceito, com seu valor no mercado de conceitos.

Se podemos fazer essa leitura da atitude entreguista do governo brasileiro diante do mercado dos conhecimentos tradicionais – e essa semana o Bush falava de abertura de mercados brasileiros –, não colocarei que "apesar de sobreviverem ainda ameaçam o Estado", e sim que "justamente por sobreviverem - e mais fortes - a esse Estado, é que as tememos".
E para tanto, para o processo de descaracterização e etnocídio que ainda não levamos a cabo, descobriu-se agora este novo recurso, o mercado de patentes.
***
O campo em nos encontramos é o do novo debate em torno dos conhecimentos tradicionais.
Hoje os conhecimentos tradicionais são definitivamente considerados como conhecimentos validados para entrar no mercado e substituir verbas em pesquisas científicas.
O reconhecimentos dos saberes tradicionais finalmente, chegou ao mercado, mas pela porta dos fundos.
Ao invés de vir pelo reconhecimento das universidades, chegou até nós pelo supermercado.
Não é de se espantar, dado o preconceito da idade das trevas que vivemos nas disputas acadêmicas pelos nichos de mercado.
Seria reconhecer o produto do concorrente.
E, nesse caso, nosso universo acadêmico já é cientificamente competente em termos de metodologias de desqualificação e refutação do saber alheio.
Afinal é essa a postura do conhecimento ocidental da matriz histórico-transcendental, a concorrência.
Portanto, não se poderia associar o conhecimento científico ao saber tradicional, pois o saber científico se afirma em contraposição a este. Ele poderia então cair numa crise de personalidade.
Falar de patrimônio nacional num contexto desses é de fazer rir. Nosso saber acadêmico científico estabelece convênios com os mais diversos países ricos do mundo em troca de experiências, disponibilizando a esses países nossas inovações, nossos produtos etc na esperança de verbas de pesquisa.
Por outro lado trata as suas próprias fonte de conhecimento popular, de conhecimento milenar, a sua ciência tradicional não só como algo desprovido de valor, mas como algo que deve ser depreciado, para que se engrandeça e progrida a ciência.
Qual a surpresa dessa mentalidade provinciana, que há tempos vinha apresentando como tradicional uma cultura europeizada por ter vergonha de sua herança cultural.
Pois qual a surpresa dessa mentalidade provinciana ao ver o mercado de saberes, e seus respectivos direitos autorais, globalizar-se diante de seus olhos e transpor o valor da pesquisa acadêmica com o dos conhecimentos tradicionais, já que esses são tão desvalorizados, que nunca nem foram reconhecidos como saberes, de modo que foram tratados como as florestas que são tão grandes que parecem inesgotáveis e, afinal de contas brotam em qualquer lugar.
Assim, esses conhecimentos são considerados, para com os estrangeiros, pois para a ralé dos invasores de propriedade, temos a nossa polícia particular, foram considerados patrimônio da humanidade.
E como ficam os provincianos agora. Com cara de gigolô que perdeu a vez...

05 abril 2007

devir segreto3

o devir segredo

o que se tem em mãos que guardam segredos está próximo do que e chama devir segredo;

segundo o devir segredo, este, ao se revelar, deixa de ser segredo, não sendo, portanto, identificável na dinâmica do ser, constituindo-se como um devir específico;

esse devir aproxima-se da lógica do desejo, que tende, no pensamento da explicação, a confundir-se com seu objeto, perdendo seu caráter de devir;

dessa forma o segredo, por definir-se como devir, tende a escapar do pensamento objetivo;

é nesse quid pro quo que em muitas estórias envolvendo partidários dos dois pensamentos, os índios levam a pecha de mentirosos sem que se dê conta dos sistemas diversos de instauração de verdades;

nesse sentido, o ensaio de levi-strauss, o feiticeiro e sua magia, é um marco na antropologia e em sua carreira;

por elaborar-se na dinâmica de fractal, a imagem não possui o fundo que marca a reificação, o estancamento do sentido;

essa lógica do devir, devir segredo, constitui-se na superfície da pele, subvertendo a contraposição interior/exterior do segredo reificado;

esse segredo se define pelo movimento, por estar sempre escapando, por não ser capturável;

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04 abril 2007

políticas da natureza

define-se nesse sistema ocidental uma concepção de natureza determinada e determinante;

essa concepção de natureza como dimensão a ser mapeada e comercializada é projetada sobre um sistema ao qual essa natureza é (ou pode ser, virtualmente seria) estranha;

essa noção de natureza se associa ao princípio de separação entre homem e mundo, cultura e natureza;

essa separação da natureza define nossa epistéme, que concebe uma ciência da observação, da explicação, da objetificação;

a esse pensamento, quero contrapor um pensamento selvagem virtual que opera segundo a lógica da implicação, de óbvios desdobramentos nas relações de poder que envolvem o saber num país como o brasil, em que os centros produtores de pesquisa ignoram os conhecimentos populares justamente por se definirem, socialmente, em oposição a esses saberes (ruptura epistemológica);

essa ignorância define o alto custo que se paga agora, quando nos encontramos francamente despreparados a lidar com esses, agora!, tão valiosos conhecimentos tradicionais, devido à burocracia da mentalidade academicista, obediente ao positivismo provinciano, este sim contribuição de nossa criatividade intelectual para o universo da ciência oficial;

naturezas da natureza

esses modelos determinam e são determinados pela concepção de natureza formulada nos distintos modelos;

enquanto no objetivista a natureza é tomada como dimensão exterior do conhecimento, espécie de plano pré-conceitual, segundo a lógica da implicação, a natureza se define como um sistema aberto, a um processo mais que a um produto;


para formular uma imagem dessa contradição entre concepções de conhecimento que são agora nivelados tendo por parâmetro o mercado, o valor de troca, tomo a imagem de mãos que guardam segredos;


enquanto se acredita, com a explicação, capturar-se a natureza num gesto típico do capitalismo (agarrar, pegar, segurar, guardar) que transforma tudo o que toca em mercadoria, propriedade (sejam sementes, palavras, qualquer coisa), opera-se na perspectiva segundo a qual os índios são considerados guardiões dos segredos da floresta;

nessa perspectiva, o segredo é reificado, torna-se objeto, mercadoria e, portanto, propriedade;

segundo essa lógica, o segredo pode, assim, ser comercializado através de contratos comerciais com grupos interessados em comercializar esse produto em escala industrial, o que se chama agregar valor;

devir segredo 1

mãos que guardam segredos

entre as diversas imagens que construímos dos índios em nossa sociedade, há uma que ocupa lugar de destaque em nossa sociedade informatizada;

trata-se da imagem segundo a qual os índio seriam os detentores dos segredos da floresta, fonte infinda de patentes a serem registradas;


o direito de comprar

parece que, ao estabelecermos esse nivelamento, em que os conhecimentos indígenas devem ter o “direito” de serem transformados, como tudo em nossa sociedade, por seu potencial de troca, de comércio, em dinheiro, estamos projetando mais uma vez a concepção de natureza que está na base do pensamento ocidental;

foi essa base do pensamento ocidental que propus, há alguns anos, que não poderia, segundo princípios epistemológicos, projetar-se sobre o pensamento indígena;

no convívio com o indígenas, logo soube que não poderia reificar seu pensamento, seus modos;

percebi que não poderia fazer-me nesse conhecimento no mesmo gesto em que o transformava em um produto, em um objeto, em uma mercadoria da academia;

logo soube que o que me interessaria estava em outro plano, num plano mais de forma do conhecimento que de conteúdo, que teria que problematizar a forma do meu próprio conhecimento e do material que estava utilizando;