03 julho 2008



tudo nos observa, resta estancar essa profusão de vozes antes que enlouqueçamos...
que a televisão nos observa não resta dúvida;
ela foi inclusive criada para isso;
isso já virou artigo de ficção científica;
quando ela mesma parodiou [e banalizou] inúmeras vezes esse seu projeto;
a questão então é o como, 'como isso se dá';

ser observado consiste numa matriz perceptiva há muito explorada pela narrativa tradicional;
o xamanismo tem como princípio um certo perspectivismo;
foucault se inspira nessa matriz para tomar o panopticon como símbolo da política do moderno estado liberal;
daí saem conceitos[-processos] como disciplinarização [que se desdobra em ciência régia], normalidade, enunciado, discurso;
esses conceitos se desdobram de sua análise da matriz representacionista;
essa matriz perceptiva que organiza o conhecimento ocidental ganha definição na idade média;
a dinâmica política que ela aciona/formata será a herança que o proto-estado católico legará ao liberalismo do moderno estado dito laico;
trata-se de determinar uma relação entre palavra e objeto, discurso e mundo, homem e natureza;
sobre o poder vicário do signo, santo agostinho (de doctrina christiana, in le magistère chrétien):
toda ciência trata das coisas ou dos signos, mas as coisas se aprendem pelos signos (...) estas, com efeito, são coisas tais que são também signos das outras coisas (...) compreende-se então aquilo que chamo de signos: são as coisas que se empregam para significar algo...
um signo é, com efeito, uma coisa que, além da impressão que produz nos sentidos, faz vir, por si mesma, uma outra coisa ao pensamento...
(apud: kaspar hauser, blikstein)

o positivismo evolucionista consiste na face dessa tradição no contexto do liberalismo moderno;


não se trata de buscar informações;
por isso estão descartadas as etnografias que buscam informar, ou seja, vender, colocar informações no mercado, promover generalizações, enunciados generalizadores;
trata-se de entrar num corpo a corpo, de fazer rizoma em corpos-sem-órgãos;
por isso não dá para pactuar com o positivismo e a mercantilização informacional;
não dá para querer ser simples, pois o ponto de partida é genealógico, consiste em romper com o plano de transcendência que dá a ilusão de dar sentido a todo enunciado, enquanto o que faz é estabelecer pressupostos valorativos que assumimos sem perceber, como se fossem parte do próprio pensamento, matéria ou estrutura do pensamento, enquanto são corpos estranhos;
fazer rizoma consiste em operar a sutura do pensar-fazer;
por isso não dá para partir do consenso ou pretender informar ou convencer;
trata-se antes de desmistificar, de se reconhecer [e desconstruir] como processo discursivo, de genealogizar nossos pressupostos subjetivos;

relacionar essa estrutura, essa dinâmica, essa matriz perceptiva com a produção de subjetividades de um lado, e os processos de subjetivação de outro;
o uso informacional da linguagem consiste em toma-la por sua literalidade, numa imagem da linguagem pautada em seu uso direto, discurso direto;
essa concepção, essa imagem da linguagem sustenta uma matriz perceptiva na qual somos observados sem observar, somos percebidos sem perceber;
reproduzimos uma imagem do conhecimento forjado nessa matriz perceptiva;
por isso, a genealogia propõe o procedimento de desconstruir pressupostos para se poder elaborar conhecimento e proceder subjetivação;
só esse procedimento impede os desdobramentos daquele conhecimento que nos leva a confundir uma imagem de nós mesmos, concebendo a subjetividade como fato consumado, com uma imagem igualmente definitivamente do mundo domado em enunciados;
a partir daí já nos deixamos perceber e passamos a reproduzir esse modelo opressivo de percepção sem perceber;
sem ter liberdade [e em lugar de lutar por nossa liberdade] nos tornamos [e nos convencemos disso] a supressores da liberdade alheia;
esse é o uso que se pode fazer da noção de 'servidão voluntária', uso que nos possibilita questionar e mostrar os limites de uma concepção fechada de consciência e subjetividade;
problematizar a noção de vontade, que o liberalismo, fundado no indivíduo/consumidor, toma como princípio universal final;
a subjetividade e a subjetivação não se restringem aos limite da consciência e do sujeito;
outras percepções concebem mundos possíveis, fundamentais para nortear nosso universo auto-referenciado;

enquanto o xamanismo desdobra a nossa percepção através de outras percepções, utilizando-se para isso de outras perspectivas, de outras corporalidades, o que se tem aqui é um outro procedimento;
não se trata então de proliferar perspectivas, de proporcionar mundos possíveis, mas de suprimir a diversidade de possíveis, reduzi-la ao determinado, à monocultura;

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