18 novembro 2012


Outros mapas
Cartografia dos plantios na Resex Alto Juruá

Estou muito satisfeito de estar aqui. Gostaria de agradecer o convite a organização do seminário Outros Mapas agradecendo ao Pedro em nome de Mariana Pantoja, coordenadora do Aflora e coordenadora do PNCSA no Acre.
Meu nome é Amilton Mattos, eu vivo no acre; sou professor de artes no curso de formação docente indígena, isto é, trabalho nos escombros do que se chamou Universidade da Floresta; a institucional, pois a universidade da floresta nômade continua em movimento, a se proliferar, afinal o fim último da universidade, de toda a universidade, é se tornar universidade da floresta.
O fato de falar desde a área de artes deve marcar a perspectiva de cartografia que será apresentada.
Sou pesquisador do AFLORA, Laboratório de Antropologia e Florestas, sediado na UFAC e que se dedica a pesquisar os problemas do corte epistêmico natureza/cultura nas relações entre saberes diferentes, sejam estas relações de diálogo ou guerra entre saberes. Parte do resultado dessas pesquisas foram reunidos num artigo, publicado na revista Mediações.
Sou pesquisador do PNCSA, que no Acre está sediado no Aflora. O Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia tem alguns anos no Acre e um fascículo publicado: os Kuntanawa.
Hoje o núcleo Acre do PNCSA atua em duas frentes: Mariana e eu trabalhando junto aos agentes sociais do Alto Juruá (Resex) e Terri Aquino e José Carlos Meireles trabalhando com os chamados povos isolados.
Na atual etapa do PNCSA o problema colocado pela pesquisa é o seguinte: como/de que forma o uso dos recursos naturais associado aos conhecimentos tradicionais apontaria alternativas aos processos/vetores de desmatamento na Amazônia.
Esse é o ponto de partida que vamos tomar aqui para pensar nossas cartografias dos plantios. Vou apresentar algumas referências desse trabalho de forma a introduzir a fala de Antonio Caxixa, coordenador do Grupo Vida e Esperança agroecologia.
Nossa cartografia não é um processo acabado, ela está se iniciando.
Temos enfocado, portanto, os plantios como uso dos recursos naturais mediado pelos (e, claro, problematizando os) conhecimentos tradicionais como alternativa ao desmatamento (o que será também tratado por Antonio Caxixa), e apostamos que os plantios podem ser entendidos como conhecimentos tradicionais aplicados não apenas no “uso dos recursos naturais”, mas também na produção de territórios ou novas territorialidades como tratou Carlos Valter.
Além da longa experiência de troca de saberes que caracteriza a antropologia criada na região e cuja figura de referência é o professor Mauro Almeida, nosso interesse cartográfico nos saberes veiculados nos experimentos se justifica também pela possibilidade de não enfocarmos uma identidade, nos interessa muito as possibilidades criadas por esse fato de não estarmos cartografando uma identidade, mas uma prática, um saber.


Os plantios

Pra falar sobre os plantios vou começar contando como cheguei no Juruá, onde vivo e trabalho desde 2007.
Em 2007 cheguei no Juruá acompanhado de Mariana Pantoja para um encontro de avaliação do Projeto de Pesquisa, onde foi realizado um balanço dos primeiros dezoito anos de Resex por parte dos pesquisadores nativos.
Foi quando conheci Caxixa e sua localidade que ele nos apresentou com muito gosto.
O Projeto de pesquisa, conforme apresentado pelos colegas Roberto e Roxo, foi um processo de construção coletiva de instrumentos que apontem referências para a gestão comunitária dos “recursos naturais”. 
Esse encontro de 2007 já se deu já no espaço do Centro Yorenka Antame de Saberes da floresta, centro ashaninka de formação em agroecologia idealizado por Benki Pianko, localizado no município de Marechal Taumaturgo e voltado a formação de comunidades indígenas e não indígenas da região.
Depois do encontro rumamos todos rio abaixo de batelão para Cruzeiro do Sul, onde ocorreu o encontro regional da SBPC que reuniu índios, extrativistas e antropólogos para falarem sobre a contribuição da antropologia para as comunidades locais ao longo das últimas décadas.
Nesse contexto, inspirados na velha aliança dos povos da floresta, entre índios e seringueiros, foi elaborado um pequeno projeto (aprovado no MMA) por Mariana Pantoja, Vera Olinda da Comissão Pró-Índio do Acre e Mauro Almeida que visasse fortalecer e criar condições a articulação proposta por Benke, isto é, em torno dos conhecimentos agroecológicos que poderiam ser compartilhados entre indígenas e moradores da Resex.
No caso, os intercâmbios foram estabelecidos ao longo de três anos de experiências agroecológicas com os indígenas da terra indígena Kaxinawá/Ashaninka do Rio Breu.
Avaliando o sucesso do projeto concluímos que dois pontos positivos foram o fato de se tratar de um pequeno projeto, ou melhor de um projeto pobre e claro o fator decisivo da coordenação local desenvolvida por Caxixa.
O resultado desses três anos de experiências foi o Grupo Vida e Esperança, grupo de plantadores de vida da Reserva Extrativista do Alto Juruá.
O grupo é composto por famílias de comunidades distribuídas nas diversas regiões da Resex.
Em três anos de projeto coordenado por Caxixa foram aproximadamente 50 mil mudas produzidas e plantadas.

Os plantios da cartografia (ou as novas velhas máquinas de guerra) 
Pra falar de nosso processo de cartografia quero retomar uma das epígrafe de Carlos Valter em sua apresentação, [a quem agradeço a oportunidade de ouvir o Chico Mendes crítico e combativo do campo de batalha]. Trata-se de uma frase de Chico Mendes, a quem, diga-se de passagem, é dedicada a Enciclopédia da floresta, ao lado de Adão Cardoso e Lévi-Strauss. Chico teria dito:
Se vocês quiserem acabar com as reservas extrativistas, é só começar a decreta-las por aí.
Poderíamos entender aqui uma sentença pessimista, algo como: as resex tenderiam a se acabar ao serem instituídas.
Não vejo pessimismo na afirmação.
Acredito que é possível radicalizar na crítica [no caso, ao papel do Estado/MMA na desmobilização dos movimentos sociais] com Carlos Valter sem cair no ceticismo ou no pessimismo, afinal eu também entendo que este nosso mundo é o melhor mundo possível.
Entendo que podemos deduzir da frase de Chico Mendes a seguinte intenção: distinguir duas noções de Resex. Uma seria a Resex do decreto e a outra, a do movimento. Entendemos movimento não apenas como movimento social institucionalizado, e sim conforme Márcio Goldman, em seu caráter de constante movimento: o nomadismo do movimento social ou o movimento social como nomadismo.
Em nosso caso, a que estamos tentando cartografar é esta segunda, a resex do movimento, a nômade, a que não para de se criar e afetar aquela do decreto.
No entanto, é como se uma não existisse sem a outra, ou melhor, as duas estão continuamente apropriando-se, reformulando-se, recriando-se, afetando-se mutuamente.
Afinal, como dizem Deleuze e Guattari, o Estado [ou o aparelho de captura] está sempre se apropriando da máquina de guerra e, esta, em seu nomadismo sempre escapando, redefinindo-se.
Depois de vinte anos da reserva do decreto (sem dúvida fundamental, mas não um fim em si mesmo), depois de vinte anos da “criação” da reserva como se diz, ela continua sendo criada ou reinventada por seus moradores.
No caso dos plantios, essa criação se dá justamente ou literalmente no contraponto ao desmatamento, isto é, nos saberes relacionados as práticas de plantio ou reflorestamento.

Cartografias sociais dos plantios
Entendemos portanto que talvez existam aqui duas cartografias sociais. Uma cartografia que funciona com a fixação de pontos de acordo com referências predeterminadas, isto é, uma cartografia própria ao sedentarismo [e aos processos de sedentarização] da reserva do decreto. Uma outra cartografia interage ou mesmo se perde nas linhas dos fluxos contínuos dos saberes e movimentos em que consistem esses agentes sociais.
Entendemos que uma cartografia numa reserva extrativista com vinte anos de existência terá lugar sim se nos dispusermos a reinventar (também nós) a cartografia social para impulsionar (e não para representar) essas novas territorialidades.
Portanto, entendemos essa cartografia que estamos reinventando (com a orientação de Alfredo Vagner) como um espaço de contato/conflito entre nossos saberes acadêmicos (que se apropriam dos saberes locais para se recriar) e os conhecimentos tradicionais (que por sua vez também devoram nossos saberes acadêmicos).
Entendemos cartografia justamente como um processo criativo, de produção de saberes, no qual o evento, o cartografar não se distingue do produto e nesse sentido a cartografia social não acaba no mapa (talvez ela comece nele) e o vídeo não representa/registra a cartografia, ele interage com esses saberes constituindo um forte estimulante nessa performance em que consiste o cartografar.

Cartografia social dos plantios 
Como disse, a cartografia num processo como esse enfoca mais a garantia, o reforço, a produção de novas territorialidades do que a demanda ou disputa por terra. São mais de vinte anos de reserva e só agora, por conta de tantas contingências, esses processos locais de produção de territorialidade começam a despontar.
Outro ponto que justifica a cartografia social dos plantios e seus saberes, impulsionando assim sua influência na política de gestão na reserva, é o fato do projeto nova cartografia social propor essa articulação em seu atual projeto. Essa etapa visa uma cartografia social que evidencie a relação entre saberes e territorialidade, contrapondo-a ao desmatamento, que nós chegamos a denominar como um processo de des-conhecimento.
Na prática, isto é, no mapa, para ser mais concreto, partimos da proposta do atual etapa do projeto Nova cartografia social da Amazônia. A proposta é que processo de cartografia social tenha como referência três etapas: reuniões preparatórias, encontro regional e oficias de cartografia. Dentro de nossa proposta de levar ao limite a linguagem cartográfica, o que chamei de reinventar a cartografia para que seja nova cartografia sempre, entendemos que seja necessário articular o princípio do projeto (saberes/territorialidade/desmatamento) com essa proposta reuniões/encontro/oficinas, de modo a fundir, como disse anteriormente, processo e produto. Nossa ideia inicial é não imaginar esses três momentos como etapas estanques, o que nos levou a imaginar a possibilidade de fundir o encontro as oficinas, de trazer a oficina para o encontro, processo que deve ser protagonizado pelos agentes sociais de referência, o Grupo Vida e Esperança.
Foi esse processo que nos levou a imaginar nosso encontro regional como I Encontro Amazônico de Saberes consorciados pela Vida e contra o desmatamento/devastação.   

Reunião preparatória
Foi esse contexto e os princípios aqui apresentados que nos guiaram na organização da primeira reunião preparatória da atual etapa do Nova cartografia social.

Caxixa
Gostaria, como forma de introduzir a fala do amigo Caxixa, idealizador do Grupo Vida e esperança agroecologia, de falar duas palavras sobre esses saberes a que nos referimos.
Uma é a respeito do que tenho aprendido com ele sobre as comunidades da reserva e sua maneira de entender o mundo, isto é, como conhecedor da floresta, da natureza, Caxixa é um notável humanista, um ótimo interprete da cultura, da sociedade e do social;
Nesse sentido, Caxixa emerge como uma nova liderança, melhor, como uma nova ideia de liderança.  
O que significa que uma parte dos moradores da Reserva extrativista começa a associar esses saberes de que Caxixa é detentor a ideia do que seja uma liderança comunitária numa reserva extrativista. [Em lugar de fixar a ideia de liderança no presidente da associação, isto é, no mediador entre a resex e o Estado, como aquele que precisa exclusivamente fazer a ponte com o mundo exterior, bom orador, interado nas dinâmicas da política partidária etc, os moradores passam a associar liderança também com a produção de alimentos, a mudança de hábitos, a aprendizagem de conhecimentos e técnicas que podem melhorar a vida dos moradores mais do que qualquer projeto do governo].
Entendemos esse processo como uma modificação do que as pessoas aqui entendem por política.
Muitos desses saberes que mesclam ciências da natureza com conhecimentos da vida das pessoas e da organização das comunidades são talhados em categorias nativas que servem tanto para as pessoas entenderem a sua realidade na reserva extrativista como para os antropólogos.
Uma dessas expressões é a noção de vida que está no nome do Grupo Vida e Esperança; o que o grupo planta é vida: vegetal, animal, humana, mineral etc tudo isso é vida, isso e muito mais que ele pode nos falar.
Outra expressão do seu vocabulário é a noção de talento, pois para plantar vida é preciso ter talento.
Caxixa montou sua seleção como alguém que descobre talentos, as expressões são suas.
Um último conceito talhado pelo pesquisador é sua noção de consórcio que se refere inicialmente ao espaçamento e a relação entre as plantas no sistema agroflorestal, mas pode de uma hora pra outra referir a relação entre os plantadores do Grupo Vida e Esperança ou aos conhecimentos de áreas diversas que se articulam nos interesses do grupo tais como hábitos alimentares, mudanças climáticas, economia local, destinação de metais pesados e outros resíduos, legislação entre outros.
[Gostaria de finalizar com uma frase de Caxixa que nos ajuda a lembrar que essa nossa luta pela nossa autonomia são processos de longa duração.]  
    a gente sabe que não é de um dia pro outro que muda, isso leva um tempo, que pra tudo realmente tem um tempo, pra você trabalhar, tempo pra nascer, pra colher, é um tempo né pra tudo e trabalhar com saf não é você fazer hoje e ver hoje não, tem um tempo (...) cultura permanente é assim, não é um custeio que você planta roça com seis meses tá formada, o milho com seis meses tá no ponto, o saf é diferente; e a gente pode consorciar custeio e cultura permanente...

05 novembro 2012

cartaz_sitioO documentário “Sítio Progresso”, produzido em uma parceria entre Universidade Federal do Acre / Campus Floresta e a Olho d’Água Filmes, foi selecionado para compor a 4ª Mostra Nacional de Produção Audiovisual Independente – Circuito Tela Verde, organizado pelo Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Cultura. O lançamento do evento, que possui como tema central para 2012 “Desafios e Propostas Sócio Ambientais”, ocorreu no último dia 23, no auditório do Ministério da Cultura, em Brasília / DF.  O documentário será distribuído para espaços exibidores em todo o Brasil, como organizações não governamentais e órgãos públicos.
Cartaz-Divulgação-web
Segundo Prof. Eduardo Mattar, o filme aborda a experiência e sabedoria do agricultor familiar Verdi Ferreira da Silva, produtor referência no município de Cruzeiro do Sul – AC: “Trata-se de um material simples, mas que traz informações e conhecimentos valiosos a partir da experiência do dia a dia do Sr. Verdi, agricultor modelo aqui de Cruzeiro” .

http://www.ufac.br/portal/news/documentario-201csitio-progresso201d-e-selecionado-em-festival-nacional