13 julho 2006

finalmente, o exame está no centro dos processos que constituem o indivíduo como efeito e objeto de poder, como efeito e objeto de saber; é ele que, combinando vigilância hierárquica e sanção normalizadora, realiza as grandes funções disciplinares de repartição e classificação, de extração máxima das forças e do tempo, de acumulação genética contínua, de composição ótima das aptidões; portanto, de fabricação da individualidade celular, orgânica, genética e combinatória;
vigiar e punir:171


o programa do pensamento ocidental se define pela instauração de um plano transcendente, um campo de representação, desdobrado, o qual será disputado como território homogêneo;
os processos de normalização, de homogeneização que caracterizam nosso campo de saber humano, ou seja, todos os procedimentos de normalização, de controle, de organização de informações (arquivos) que criam a condição de possibilidade das ciências humanas de hoje, estendem tal território homogêneo;
os estatutos não-humano e humano deram origem aos discursos científicos de um lado, definido pela objetividade, e político de outro, o qual deve romper com o discurso religioso da predeterminação divina e abrir espaço para a política representativa;
não há dúvida de que os discursos religiosos de natureza moral fornecem o modelo para o discurso da ciência moderna, dominado pela mesma dinâmica doutrinária da convergência a um universal homogêneo;a função do discurso político é abrir campo à micropolítica, ordená-la de forma a torná-la um complexos de instrumentos que viabilizem o ordenamento não apenas das ações, mas principalmente dos desejos, dos quereres; a liberdade passa a fazer parte do campo semântico da política;


07 julho 2006

reverter o platonismo significa então: fazer subir os simulacros, afirmar seus direitos entre os ícones ou as cópias; o problema não concerne mais à distinção essência-aparência, ou modelo-cópia; esta distinção opera no mundo da representação; trata-se de introduzir a subversão neste mundo, ‘crepúsculo dos ídolos’; o simulacro não é uma cópia degradada, ele encerra uma potência positiva que nega tanto o original como a cópia, tanto o modelo como a reprodução; pelo menos das duas séries divergentes interiorizadas no simulacro, nenhuma pode ser designada como o original, nenhuma como a cópia;
platão e o simulacro: 267

redefinir referências para se deslocar no campo dos simulacros, definir coordenadas próprias a este campo, que não sejam transposições refratárias do plano da representação, da dinâmica do plano de transcendência, de suas categorias;
nietzsche: seu trabalho consiste em redefinir as coordenadas da filosofia: para tanto, começa e recomeça diversas vezes, compõe obras paralelas, abrindo veios para direções diversas, instaurando campos e complexos de coordenadas divergentes;
filosofar com o martelo: instaurar o plano de imanência implica abolir o campo de referências da representação; não é mais questão de dizer ou significar, é de fazer e de funcionar;
o campo de referências com que opera pensamento histórico-transcendental do sec. XIX é o campo de referências da representação;

04 julho 2006

cássio é um homem arrogante... vejamos um pouco... para conseguir o posto dele e dar plena envergadura à minha vingança com uma dupla velhacaria... como? como?... vejamos... o meio consiste em enganar, depois de algum tempo, os ouvidos de otelo, sussurrando-lhe que cássio tem familiaridade demais com a mulher dele; cássio tem pessoa e maneiras agradáveis para infundir suspeitas; talhado para tornar as mulheres infiéis; o mouro é de natureza franca e livre, julgando honradas as pessoas só pela parecença e deixar-se-á guiar pelo nariz com tanta facilidade quanto os burros... já tenho o plano! já está engendrado! o inferno e a noite devem arrancar esta monstruosa concepção para a luz do mundo!
otelo:724

de fato, a cada passo que se dá, a hipótese se confirma: nosso mestre realista propõe, recorte por recorte, abolir qualquer resíduo de representação de sua obra;
as palavras aqui, longe da estaticidade representativa, vão tomando movimento e conduzem devires: hipótese inicial: a vida é uma ópera;
apesar da cilada representativa que se esconde na figura, entende-se o caráter construtivo da imagem: o tempo todo, no uso e abuso das aparências, os personagens vão compondo realidades;
josé dias tem por especialidade e por papel social a figura do homem que vive de aparências, assumindo inclusive a personalidade daqueles que o abrigam como agregado;

as palavras conduzem processos, desatam acontecimentos, criam situações;
viu-se como o romance se abre da inocência de bentinho para a aventura amorosa com capitu a partir dos comentários de josé dias;
são os comentários em público que o fazem perceber o amor, ou que criam em si a possibilidade de uma aventura amorosa que já vinha sendo vivida por capitu;
a palavra tem poder criador: no muro, capitu escreve as palavras; a partir daí, das silenciosas palavras no muro, o amor se revela;
as palavras criam impressões, não definem verdades, não descrevem fatos, não relatam;
as palavras sugerem impressões, tangenciam sentidos, flagram passagens, imaginam percepções; o material que constitui essa narrativa é a leveza das impressões, sonhos, percepções;
essa narrativa prolifera os atratores, os campos de força que fazem, das impressões, emergirem desenhos, experiências, impressões;

a instância narrativa é marcada, o narrador se faz presente em toda a narrativa; todo acontecimento tem sua presença, faz questão de não ocultar-se na narrativa, de manter-se presente;
são sonhos, loucuras, confissões inconfessáveis que constituem a narrativa; bentinho não se perde nos fatos, em sua descrição, em sua objetividade; antes acredita que mais valem os sentidos que perpassam a narrativa, a sinuosidade significativa percorrida pela memória, quase que recriando o vivido;




realismo e antropologia II

o inconsciente não coloca nenhum problema de sentido, mas unicamente problemas de uso; a questão do desejo não é ‘o que isto quer dizer?‘ mas como isto funciona; como funcionam as máquinas desejantes, as suas, as minhas, com que falhas fazendo parte de seu uso, como é que elas passam de um corpo a outro, como se aferram sobre o corpo sem órgãos, como confrontam seu regime com as máquinas sociais? uma engrenagem dócil se engraxa, ou, ao contrário, uma máquina infernal se prepara; que conexões, que disjunções, que conjunções - qual é o uso das sínteses? isto não representa nada, mas isto produz, isto não quer dizer nada, mas isto funciona; é no desmoronamento geral da questão ‘o que isto quer dizer’ que o desejo faz sua entrada; só se soube colocar o problema da linguagem na medida que os lingüístas e os lógicos evacuaram o sentido; e a mais alta potência da linguagem foi descoberta quando se considerou a obra como uma máquina produzindo certos efeitos, capaz de um certo uso;
anti-ædipo: 234
nosso grande autor realista, o autor brasileiro que domina o panorama literário de fins de sec.XIX, é também o nosso grande construtor dos universos íntimos, dos mundos interiores, das realidades da consciência;
machado de assis é o autor brasileiro que destacadamente dedica seu talento à arquitetura das psiquês;
o grande realista é o grande psicólogo; mas não qualquer psicólogo, é um psicólogo da ironia, como só poderia ser um realista psicólogo das crônicas provincianas; assim sendo, nosso grande realista é também um psicólogo ironista; pudera, o nosso realismo não é qualquer realismo, a nossa realidade não é qualquer realidade;
o problema que devo tratar aqui é o da crítica da representação; o autor tem como alvo a literatura brasileira de sua época, uma literatura simples, positiva, provinciana; sua ironia ganha nova feição nesse contexto, ainda que ecoe atemporal;
a ironia dessa obra realista, em relação ao nosso problema, é interessante: a ironia desdobra a afirmação, desafirma uma afirmação que não pode ou não deve ser negada, induz à contradição, definitivamente não é característica típica dos romances realistas;
se a ironia coloca em cena o jogo de vozes, o autor desembesta uma verve crítica não positivista, mas ironista; via ironia dá curso à sua crítica, despistando os discursos positivos;
em sua configuração do brasil e do brasileiro traz à cena situações de autoritarismo, de submissão política, de violência psicológica; nesse universo urbano das redes de influência, seus personagens vão sendo tecidos, bordados;
não começaremos pelo defundo-autor, ainda que busquemos outra narrativa de memórias; no capítulo I, o personagem narra como ganhou sua alcunha: dom casmurro;
é aqui que começa nosso problema; um personagem introspectivo, um nome atribuído pelo mundo, exigindo de seu personagem uma máscara; por falta da máscara, lhe penduraram tal alcunha para não se esquecer que está sendo observado;
se o primeiro capítulo é do título, o segundo é do livro; como no tema do defunto-autor, aqui se inicia a situar o leitor na instância narrativa, numa referência metanarrativa; nosso autor se define por sua ausência, só lhe resta exterioridade;
o primeiro personagem é josé dias, falso botica, consegue lugar para residir junto à família, um agregado; um homem que se utiliza da imagem, das aparências para se constituir sujeito; seguem-se tio cosme e dona glória;
em a vida é uma ópera, o autor apresenta a teoria que deve guiar a narrativa; segundo seu amigo, a vida é uma ópera, da qual deus é autor do libreto e o diabo, da música, o teatro é a terra, as personagens. os seres humanos;
certo que tudo conduz desde o início para a dinâmica do impressionismo, o mundo narrado é composto de impressões;
enfim, a própria declaração de josé dias sobre bentinho e capitu é que irá transpor jovem da inocência à consciência: a mim é que ele me denunciou; a palavra pode assim criar realidades, ainda que sejam vivências interiores, conduz acontecimentos; a modificação do ato pela palavra, no caso, a relação dos jovens é a passagem da inocência, da pureza à realidade social, dos adultos, do mundo, não a do coqueiro, dos pássaros ou borboletas;


realismo e antropologia I

reduzir a arte narrativa em antropologia a um realismo, ou a um pseudo-realismo, ou, pior ainda, tornar-se defensor de procedimentos narrativos que estejam restritos à descrição realista dos fatos, equivale a suprimir um esforço de abertura que a disciplina vem galgando com dificuldade e pioneirismo metodológico na aridez das ciências humanas de sua época;
apreender a antropologia exige um mínimo domínio dos procedimentos narrativos pois, a partir da crítica ao eurocentrismo nela empreendida, o texto etnológico passa a voltar-se à sua forma, a conduzir o problema para sua construção narrativa;
como narrar, como construir esse universo outro, que procedimentos me permitem romper com a narrativa clássica, com a composição de mundo clássica;
definitivamente as artes conduziram todo o processo de experimentação com a perspectiva clássica sobre o universo; ainda que o referencial a princípio, tenha sido também etnocêntrico, a experiência da representação precedeu há muito os problemas ainda hoje colocados por nós;
é patente nossa dificuldade de romper a malha do modelo da representação no qual estamos imersos por nossa política, nossa educação, nossa afetividade, nossa religiosidade, enfim, toda a matrix que constitui nossa epistéme, nosso campo de produção e percepção de conhecimento;

a máquina territorial primitiva codifica fluxos, investe os órgãos, marca os corpos; até que ponto circular (trocar) é uma atividade secundária em relação a essa tarefa que resume todas as outras: marcar os corpos que são da terra; a essência do socius registrador, inscritor, enquanto ele se atribui as forças produtivas, e distribui os agentes de produção, reside nisso - tatuar, excitar, incisar, recortar, escarificar, mutilar, cercar, iniciar; (...) porque é um ato de fundação, pelo qual o homem cessa de ser um organismo biológico e se torna um corpo pleno, uma terra, sobre a qual seus órgãos se aferram, atraídos, repelidos, miraculados conforme as exigências de um socius; que os órgãos sejam talhados no socius, e que os fluxos escorram sobre ele;
o antiédipo: 183

representação e produção x produção e representação
é nesses termos que se constitui a distinção que tenho procurado operar em minhas pesquisas, agora posso ver;
passar da ilusão da representação para a prática na imanência, reatualizada pelo discurso moderno, capitalista, apropriando-se do processo próprio de produção, de autopoiésis;
essa autoconstituição opera na dinâmica da produção: na dimensão discursiva estamos produzindo sentido, produzindo significado;
não se busca representar uma suposta realidade, visto que este processos de reiteração serva para escamotear o próprio processo de produção de verdade, de intensificação de poder, os processos positivos de produção de subjetividades, de dispositivos, de poder etc;
a idéia de representação, suas práticas, sua dinâmica, seu processo, servem à cristalização tanto das formas representadas, como, e principalmente, dos processos de produção de sentido, os constituintes discursivos;
representação: acredita-se estar representando algo exterior ao discurso, a realidade exterior e transcendente é que coloca o texto em sua órbita;
com isso se perde a natureza produtiva do discurso, sua natureza textual se perde ao colocá-lo em função de um suposto objeto externo ao discurso;
produção: o discurso é colocado diante de outros discursos, qual espelho; o texto perante o texto: instaura-se a dimensão discursiva: biblioteca de babel que evidencia a natureza do texto, do autor, das experiências narradas, seus personagens e seus narradores;
a instância enunciativa se projeta como espaço privilegiado da intertextualidade; é nessa instância que o texto pode dobrar-se, voltar-se a seu próprio corpo, por em jogo sua imanência;
é no âmbito do regime enunciativo que se arquiteta o texto: abolido o discurso direto, é sobre o regime enunciativo que incidem os recursos criativos da elaboração textual;
quem tem a palavra, quem conduz, em nome de quem se fala, como se procedem as variações de intensidade que marcam a palavra de um, a palavra de outro;

é o que se faz perceber por jamais fomos modernos, o discurso da modernidade remete a uma realidade que está fora dele; quanto mais puro quer ser, mais ideológico ou etnocêntrico se torna;
o que se quer remeter com isso é à dinâmica da representação, sua capacidade de criar um fundo falso, uma ilusão de ótica;
a prática é a de produção, o modelo que a justifica é de representação: de um lado o ser e a história são construídos como entidades que estão lá, no mundo das idéias, para serem atualizados; na prática, o devir é que atualiza o ser, que intensifica o poder via história;
não há dúvida de que desde que se começou a levar a sério, na antropologia a ruptura com a representação, e se começou a operar com o referencial da produção, a arte narrativa foi descoberta;
minha ascendência literária marca meu primeiro olhar para a antropologia, marca mesmo todos os meus escritos na áreas e, praticamente, todos os meus referenciais em antropologia;
vivenciar o campo e transpô-lo numa narrativa, uma narrativa que contenha em si seus princípios metodológicos, os princípios metodológicos da forma com a qual foi transposta;
forma e conteúdos se definem mutuamente, num processo em que matéria e forma se casam;
entre os segredos da arte narrativa, há dois que especialmente me fascinam; o primeiro é a capacidade de ambientação, de construção de cenários, de universos; o segundo é a distribuição ou disputa das perspectivas, o modo como os personagens ocupam a cena, tomam os espaços, envolvem a narrativa;
esses dois procedimentos estão estreitamente associados, interioridade e exterioridade são dimensões indiscerníveis;
a força de reich foi ter mostrado como o recalcamento dependia da repressão; (...) reich foi o primeiro a colocar o problema da relação do desejo com o campo social (ele ia mais longe que marcuse, que o trata com leviandade); ele é o verdadeiro fundador de uma psiquiatria materialista; colocando o problema em termos de desejo, é o primeiro a recusar as explicações de um marxismo sumário, demasiado pronto a dizer que as massas foram enganadas, mistificadas... mas, porque não tinha formado suficientemente o conceito de uma produção desejante, não conseguia determinar a inserção do desejo na infra-estrutura econômica, a inserção das pulsões na produção social; a partir disso, o investimento revolucionário lhe parecia tal, que o desejo coincidia aí, simplesmente, com uma racionalidade econômica; quanto aos investimentos reacionários de massa, eles lhe pareciam ainda remeter à ideologia, tanto que a psicanálise tinha por papel único explicar o subjetivo, o negativo e o inibido, sem participar diretamente como tal na positividade do movimento revolucionário ou na criatividade desejante (não era, de certa maneira, reintroduzir o erro ou a ilusão?)
o antiédipo: 155
o problema da antropologia: ver e ser visto
com artaud, aprende-se a lição seguinte: suprimir a representação: o teatro da produção;
é essa proposta que se busca converter na aproximação antropologia-teatro, num possível devir teatral da antropologia, devir artístico do pensamento humanista;

devir

em um estudo sobre a música (sua dinâmica, sua semiose) encontrou-se na tensão: logos/música\ fala/canto\falus/canto, o processo do devir para condução da experiência de pesquisa; o lugar do pesquisador só pôde ser deslocado quando a música conduziu ao problema da percepção: o ouvir;
por essa linha de fuga foi que se traçou a passagem para a teoria nativa: perspectiva do interlocutor: como vem com a música, uma imagem diversa do saber: circular, não diretivo, ritornelo; uma educação, um saber elementar da música contrasta com uma educação pautada na explicação lógica, de caráter e dinâmica representativos;
traçando assim a linha melódica do canto como dinâmica de um saber: linha da vida\linha do canto, traçou-se uma teoria nativa do conhecimento de natureza produtiva, não representativa;
não o que isto quer dizer, e sim como isto funciona;
no decorrer do trabalho, da composição do texto, de sua escritura, o discurso vai tomando essa forma construtiva, conduz-se segundo essa natureza; seu corpo vai se metamorfoseando;
rompe-se assim com a dinâmica representativa do corpus acadêmico e escolar para se assumir o viés antropológico do devir xamã no canto, do ritornelo;
fernando diniz in obra se a representação é sempre uma repressão recalcamento da produção desejante, isso ocorre, entretanto, de maneira muito diversa, segundo a formação social considerada; o sistema da representação tem três elementos em profundidade, o representante recalcado, a representação recalcante e o representante deslocado; mas as instâncias que vêm efetuá-los são elas próprias variáveis, há migrações no sistema; não temos nenhuma razão para acreditar na universalidade de um só e mesmo aparelho de recalcamento sócio-cultural; (...) pode ser, nesse sentido, que os códigos primitivos, no momento mesmo em que se exercem com um máximo de vigilância e de extensão sobre os fluxos do desejo, encadeando-os num sistema da crueldade, guardem infinitamente mais afinidade com as máquinas desejantes do que a axiomática capitalista, que libera entretanto fluxos decodificados; (o anti-ædipo: 233)
a antropologia foi um campo fecundo para a concepção segundo a qual o texto se abre diante de outro texto, dimensões da intertextualidade (texto de borges), de que o texto não encontra seu fundo num objeto;
o plano ontológico dos objetos, a natureza, é descartado como instância criada indiretamente, construída em discursos; com ela o homem natural acaba também sendo cassado como invenção discursiva das parlendas modernas;
o texto passa a ter natureza de discurso indireto, no qual as coisas não podem ser referidas diretamente e sim, sempre, como elementos discursivos, retomados de discursos anteriores;
por exemplo, só posso reconhecer uma árvore porque tenho um arsenal discursivo sobre a variedades das árvores; portanto, só vislumbro a experiência árvore como experiência discursiva;
algo como se o texto fosse um tecido superposto às coisas, o qual nos permite comunicá-las e, portanto, construí-las no pensamento;
quando se abre essa dimensão do texto, ganha-se consciência textual sobre sua natureza discursiva e, assim, a atividade de composição ganha uma nova dimensão;
o objeto deixa sua bidimensionalidade para adquirir natureza tridimensional: espelho ante espelho; pode-se entrar com o discurso no interior de outro discurso sem descaracterizá-lo, sem calá-lo; apropria-se desse discurso: ele fala através de nós;
abre-se a quarta parede: a experiência vivida já não é mais escamoteada sob o personagem; o ator é um personagem entre outros, personagem de si mesmo, o espectador se vê em sua exterioridade atuando o papel do espectador, desdobrado;
o teatro épico se define por reivindicar o caráter discursivo do texto vivo, recriado: pulsar de acontecimento;
romper com o naturalismo, com o realismo, equivale a romper com os princípios seculares do discurso metafísico que funda relação do sentido, do homem no universo, num princípio transcendente, no modelo da representação;
a partir daí, não se pode ignorar, em termos metodológicos, o alcance da dimensão discursiva numa disciplina tão entranhada na problemática da representação quanto a antropologia;

03 julho 2006

o campo da prática de campo
como levar para a prática tantas propostas teóricas?
aqui, não se vê nisso propriamente um problema; toda a teoria da antropologia simétrica se pauta na prática de campo;
inicia-se com a abordagem antropológica do contexto histórico dos grupos interlocutores; esse tema é uma exigência inicial da abordagem metodológica; é necessário reconstruir a vivência do grupo, recriá-la para os fins que são propostos;
nossa intenção, assim, não é propriamente histórica; não queremos definir fatos, acontecimentos, movimentos sociais, história, etc; o que pretendemos é criar um fundo comum para elaborarmos nossos procedimentos;
aqui, pode-se entrar com a ética; tampouco a ética, assim como a história, encaminha-se a uma afirmação dos valores positivos; esses são condição de toda atividade; toda atividade é ideológica, imagine-se então uma financiada pelos gringos na floresta amazônica;
assim, é fundamental traçar os quadros de valores que envolvem os agentes coletivos em questão; quais suas intenções, seus procedimentos, seu código de ética afirmado na prática dos eventos reconstruídos no âmbito de nossa contextualização histórica;
optou-se por definir dois códigos de ética, à maneira marxista ou maniqueísta, fórmula a que estamos acostumados; ética da exploração predatória e ética do manejo;
no estudo da ética do manejo, percorremos as práticas de luta que garantiram a sobrevivência dos seringueiros; como nosso estudo se estendia à ética do trabalho em parceria, encontramos os parceiros dos extrativistas nessa luta pela sobrevivência;
dentro de seus procedimentos, caracterizou-se uma prática que foi diferencial e distinguiu a história desse movimento social da história de um sem número de outros movimentos que acabaram no extermínio de seus atores;
essa prática diferencial dos seringueiros, articulados com seus parceiros, constitui-se em seus processos comunicativos;
sua disposição no espaço garantia-lhes uma apurada concepção de território; enfim, como é estreita a relação entre concepção de território e processos comunicativos, percebe-se que a concepção de território definiu as práticas comunicativas dos seringueiros, definindo, concomitantemente, suas práticas políticas;
a escola
inclusive a formação da escola tem um caráter estritamente prático de organização comunitária, distanciando-se muito da ideologia da instituição escolar do aprender por aprender;
a idéia é aprender a escrever para compor instrumentos de comunicação, para poder se representar nos meios de comunicação, para abrir espaço para a voz desses atores nos meios de comunicação;
mesmo o espaço da escola é visto como um território de ação política, um espaço útil à práticas comunicativas, espaço onde circulem as experiências dos comunitários;

metodologia de pesquisa
a concepção de metodologia em antropologia define-se pela integração entre tema e método; o tema desenvolvido exige uma metodologia própria, que contemple suas especificidades;
não há método universal ou absoluto; o método se define segundo a especificidade do problema; o problema constitui-se do interlocutor, de seu universo, de seus procedimentos de conhecimento, de seus processos comunicativos, de sua relação conosco etc;
em antropologia simétrica parte-se da concepção de teoria nativa como ponto de partida do procedimento de investigação; teoria nativa é o conjunto de categorias com que o interlocutor caracteriza o mundo; são os procedimentos com que o interlocutor recorta sua visão de mundo, constitui sua perspectiva;
como se vê, o processo positivo da afirmação de verdades, dobra-se sobre seu próprio corpo, construindo um corpo híbrido, um ciclope de múltiplas perspectivas; nisto resulta o método de pesquisa aqui elaborado;

a produção como processo excede todas as categorias ideais e forma um ciclo que refere ao desejo enquanto princípio imanente;
anti-édipo: 19

a ruptura com a representação remete a uma ruptura com a concepção metafísica por que essa forma de compreensão do mundo dividia-o em duas dimensões;
além disso, vimos que tal concepção, que se configura aqui como problema da ordem dos procedimentos de saber, são contrabandeadas originariamente do discurso da filosofia antiga que associa o conhecimento à virtude, colocando esta mesmo como objetivo final do conhecimento;
tal concepção atravessa os séculos para aliar-se ao pensamento do judaísmo e compor o discurso cristão do dever que vai fortalecer mais e mais a matriz do conhecimento ocidental;
ao redefinir-se sob uma base laica, a ciência moderna mantém aspectos políticos importantes do discurso e dos procedimentos escolásticos;
o indivíduo é sem dúvida o átomo fictício de uma representação ‘ideológica da sociedade; mas é também uma realidade fabricada por essa tecnologia específica de poder que se chama a ‘disciplina’; temos que deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos negativos: ele ‘exclui’, ‘reprime’, ‘recalca’, ‘censura’, ‘abstrai’, ‘mascara’, ‘esconde’; na verdade o poder produz; ele produz realidade; produz campos de objetos e rituais da verdade; o indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam nessa produção;
(vigiar e punir: 172)

desvincular ou distinguir as dimensões, as instâncias da representação e da produção que estão confundidas no discurso político, no discurso do poder (do marxismo),
o problema que esconde o dispositivo político fundamental: ao ocultar sua natureza política, potencializo seu efeito enquanto representação fiel da realidade, ou seja, quanto mais distorço, mais verossímil parece;
é esse dispositivo político que o autor visa desarmar, visto que ele já foi percebido pela crítica antropológica ao eurocentrismo, mas ainda se sonda o alcance de seu enraizamento;
a sondagem traçada por foucault encaminha-se no sentido de definir uma genealogia do discurso científico enfocando sua articulação com as demais instituições que lhe proporcionam condição material para seu aparecimento como discurso;
essa genealogia nos possibilita uma outra perspectiva do discurso científico: visto de fora, em sua gênese política, enquanto instrumento de uma ordem de poder própria, a da disciplina, desarma-se a neutralidade axiológica proporcionada pela visão de dentro, ou seja, o discurso científico descrito por esse próprio discurso;
essa representação representando a representação, resulta no esforço epistemológico da sociologia do conhecimento de retirar-se de dentro de si, para lembrar a figura do barão de munchausen;
a via filosófica e antropológica da genealogia nos possibilita a compreensão dos processos que tornaram possível a organização desse saber e sua apropriação enquanto instrumento político;
a ordenação do estado moderno, suas estratégias de controle e coerção social, sua forma de tomar para si o problema da exploração pelo trabalho, todo esse processo articula-se com o a constituição da figura pública do indivíduo, do sujeito de direito, do cidadão do discurso político moderno;
a constituição do sujeito de direito encontra no discurso das ciências humanas seu campo de desenvolvimento e intensificação;
esse discurso legitima-o, faz dele uma verdade evidente e indiscutível; todo um discurso moral da deontologia é a base de apoio para esse positivismo, para a afirmação da importância e imponência desse cidadão;
seu primeiro direito é a imposição de sua existência, sua verdade atestada nos discursos das leis; os direitos que se seguem são: à segurança, com o exército e sua organização; à saúde, com os hospitais e seus procedimentos de controle de doenças; à educação, com a escola com suas normas homogêneas e seus exames que qualificam os méritos;
com esse procedimento genealógico, pode-se perceber o caráter político dos discursos que vão dando condição de possibilidade à constituição das ciências humanas, discurso simétrico ao da infalibilidade das ciências exatas e biológicas;
esse procedimento evidencia o viés produtivo que caracteriza tais práticas, possibilitando a revisão do discurso que define o poder em termos negativos, como a ação do inimigo do povo, verdadeiro detentor da verdade;
enfocando o poder em seus processos de produção, pode-se tomar o problema do sujeito de um viés diverso daquele sob o qual havia sido abordado até então;
ao invés de se defini-lo pelo referencial da representação que caracteriza o discurso clássico, o sujeito passa a ser abordado como construção social;
deixa, portanto, de se definir por qualquer essência universal e passa a ser abordado como produto, como resultado de processos de produção;
tal guinada nos possibilita assim o capturar a dobra oculta que o discurso ocidental fazia então sobre o seu próprio corpo, oroboros, pois afirmar já é produzir;
rompe-se assim o círculo vicioso da representação para nos deslocarmos no universo da imanência no qual se constitui a produção;
o procedimento genealógico, ao romper com a imagem cristalizada dos fatos representados situa-se na instância narrativa como instância produtora, como reprodutora ou intensificadora de poder;
desloca-se do plano do referente para instaurar um circuito ativo entre narração e referente, entre instância narrativa e instância constituída, entre agenciador e agenciados;
derruba a quarta parede que caracteriza a representação e coloca atores, personagens, espectadores, autor, todos num mesmo plano, ou em planos distintos ao mesmo tempo;