30 maio 2009


Não se trata de entender, a clássica pergunta: o que é isso? Decorrente da clássica pergunta: quem sou eu?
Trata-se de se perguntar ‘como isso funciona’? ‘pra que serve isso’?
Enfim, trata-se de saída de questionar nosso regime epistêmico. Não apenas nossas verdade, mas nossa imagem da verdade.
Para nós que hasteamos a ordem e o progresso dos militares e de sua política da tortura e do medo que tantas más heranças nos legou, penso que é fundamental escarafunchar as palavras de ordem que formatam nossa autoritária e opressiva imagem de nós mesmos.
É interessante que um dos conceitos fundamentais para se pensar a complexidade seja justamente a noção de ordem que está gravada em nossa bandeira.
Como a ordem, o conceito sobre o qual se assenta nossa perspectiva classificante da tradição aristotélica, pode ser articulado com a ordem que paira como ameaça sobre nossas cabeças, em nossa bandeira.
Sim a ordem é a ordem da exclusão, manter a ordem dos privilégios, não ameaçar a ordem dos coronéis e dos banqueiros.
Daí até chegar na ordem que a ciência utiliza como palavra de ordem, em sua ordenação de um mundo explicado em suas teorias, é um pulo.

Disso depende não propriamente uma ‘boa educação’ nem mesmo uma redentora revolução epistemológica, e sim toda uma prática política, uma prática de si, de auto-criação, um processo ativo de subjetivação que tem muito mais a ver com a realidade de discriminação que vivem e convivem os jovens com que temos contato em nossa realidade histórica excludente, do hábito da sobreposição dos privilégios sobre os direitos.

25 maio 2009


tentativas

1. Quais os elementos que você julga importantes na definição de psicologia?
2. Qual a concepção de ser humano (espécie e indivíduo) que assumimos nesta disciplina?


”Esperamos que você se relacione com este material de maneira crítica e criativa, dialogando conosco e trazendo para a nossa relação contribuições a partir do interesse que você tem sobre o assunto, e, especialmente, que você se baseie nos estudos que já fez nas disciplinas que cursou anteriormente neste curso de Licenciatura em Artes da UAB – UnB.” (Diva Maciel e Lúcia Pulino. A Psicologia, o Desenvolvimento Humano e o Ensino-Aprendizagem de Artes, p. 1)


Já vai dar meia noite. O prazo se esgota. Já perdi as contas de quantas vezes comecei a responder o questionário de duas questões que começa me solicitando um julgamento pessoal da psicologia, isto é, de sua definição.
A psicologia já me definiu. É a hora de dar o troco.
Digo mesmo de me vingar.
Tentarei ser claro, seja lá o que isso quer dizer.
Não é a toa que a palavra medo esteve presente e todos os meus textos anteriores.
Afinal, são tantas as palavras de ordem...
Um deles começava assim: “Confesso, tenho medo da psicologia, de suas camisas de força e seus choques elétricos em nome da normalidade...”
Decidi ser mais claro, mais objetivo, para não sofrer notas baixas novamente como forma de censura.
Agora, para buscar a maior objetividade possível, resta uma definição semântica.
O que a pergunta define com a palavra ‘você’?
O que será este ‘você’, quem será que deve fazer considerações sobre a psicologia?
Julga-los importantes, os elementos que ‘você’ julga-los importantes.
Vou tentar, conforme orientação, responde-los do meu jeito...
Responder o questionário de forma crítica e relaciona-lo com outras disciplinas do curso.
Pego então o gancho e passo a responsabilidade de desconstruir a tradição historicista da epistemologia ou da epistemologia historicista para o senhor Graça Veloso que começou nos propondo uma abordagem do teatro e da construção do conhecimento que relativisasse a tradição historicista do conhecimento ocidental (pelo menos com relação ao teatro e às artes).
Se ‘você’ deve ‘julgar’ a psicologia a partir do texto, penso que ele julgaria a partir dos pressupostos históricos que o texto lhe sugere.
Não haveria muito como apelar para qualquer cri-atividade, a ciência dos universais explicou o mundo e só restaria a ‘você’ rezar a bíblia ou a cartilha do mundo explicado.
Para a formulação de um conhecimento libertário, penso com Graça Veloso, ser necessário desconstruir os universais antes de afirma-los.
Mesmo um diálogo com a disciplina de antropologia pode nos colocar um problema semelhante.
Mas quero mesmo é voltar ao cerne do problema: a dimensão política ou libertária do conhecimento e da epistemologia.
Conhecer para definir o que é o homem, o homem normal de Foucault, o homem normal da psicologia como ciência régia, como pensamento de uma ordem de estado.
Se conhecimento é poder, não há como falar de psicologia como uma ciência natural.
Quanto mais neutro o conhecimento se empenha em tornar-se, mais comprometido está com a ordem estabelecida.

E então, como fazer convergir arte e essa ordem humana que a psicologia assumiu como ciência régia.
Bingo! Fazendo convergir as duas ciências do padre: psicologia e educação.
Somos constantemente cobrados que o estado está pagando nossos estudos, então é melhor sentirmos culpa caso passe por nós qualquer desejo de devir-artista, caso manifestemos qualquer rejeição em ‘ser’ professor (tanto ‘ser’, quanto ‘professor’, conforme as teorias que nos são explicadas).
As autoridades em nós estão vigiando para que os artistas não escapem, para que os artistas não se amotinem em nós.

O processo de massificação da educação ou da arte num tempo de capitalismo feroz como este em que vivemos, nos leva a problematizar as categorias em que devemos nos enquadrar.
O artista, especialmente o de teatro, parece mais um nômade atravessando ou esquivando-se da psicologia, esse império estatal da subjetividade ou esse mercado das subjetividades etiquetadas.
A categoria arte-educador, num projeto de sociedade hiper-capitalista como a nossa, torna-se antes uma conveniência pedagógica para uma educação (justamente nesse sentido vazio da palavra, se já houve algum outro...) massiva que um intercessor, que um artista do humano.


Buscarei responder às questões com o máximo de objetividade que me seja possível.
Sinceramente, tenho medo da psicologia. Talvez precise de uma análise para poder me relacionar com (ou me doutrinar em) suas abordagens e seus conceitos do humano.
Como artista, criador, educador, antropólogo e estudante de teatro, a psicologia que se nos apresenta me faz sentir vestindo uma camisa de força.
Sua concepção epistemológica, o interesse em apresentar uma noção generalizável de psicologia, cuja concepção crítica ou política ou progressista que seja, qualquer coisa de epistemologicamente libertário, está longe da perspectiva apresentada.
Não se trata de construir um corpo-sem-órgãos, estou falando


Capcioso o uso desse você na questão;
Os universais não são uma exclusividade da psicologia, ainda que essa opere com os universais da subjetividade, um campo articulador de vários saberes distintos.
A naturalidade com que a psicologia pressupõe e nos faz supor os universais que nos configuram sempre me lembraram os religiosos.
Todos os professores me lembram religiosos, com suas introduções e suas pressuposições, quase todas tomando o estudante por mané, como se a inocência ou a ignorância fossem uma doença a ser extirpada do indivíduo obediente.
As técnicas são similares às da religião.
Voltando à psicologia, ou melhor, articulando psicologia e educação sempre lembro da frase de Nietzsche, a única psicologia é a psicologia do padre.
Parece que ele devia se referir não só à prática da psicologia como também ao seu ensino ou ao ensino em geral.
Talvez precise mesmo de uma análise. Não sei se sou capaz de responder questões com tamanho teor de pressuposição.
Ainda me assustam as camisas de força e os choques elétricos.
A sombra da inquisição também persegue os religiosos, como a do nazismo os nacionalistas, como a da tortura os militares, cada um gozando a fama sádica à sua maneira.

22 maio 2009



pra quem já ia-me se esquecendo...


a alegria é a prova dos nove!


... se não,
pago-te com um piparote
e adeus...

21 maio 2009


morrer de medo ou morrer de rir

os modernistas riram do problema;
para eles, uma risada com dentes vale tanto quanto uma risada banguela;
sua crítica incide sobre o próprio plano de imanência;
ao se levar a sério a questão dos valores, já se empreendeu um plano determinado, um plano referenciado por valores determinados;
isto é, o problema está ao nível do próprio plano;
portanto não adianta levar a questão para ser discutida na universidade ou no tribunal, não se trata de ter uma boa performance para a escritura de um projeto etc se o problema incide no plano de imanência;
daí uma investida irreverente, uma investida revolucionária no plano de imanência;
certo que se confundiu essa atitude vanguarda (que de fato deve levar a um non sense) com a onipotência da mercadoria que passou a dominar as relações de sentido e redefiniu o que era tomado até então como plano de imanência;

não se trata de reiterar o fetiche da mercadoria;
a linguagem não é (apenas) uma festa black tie, que todos almejamos consumir;
nos somos responsáveis pela criação de outras imagens da linguagem e do conhecimento, a menos que queiramos de fato seguir reproduzindo os valores disseminados como imagem definitiva e homogênea da linguagem e do conhecimento;

trata-se de um trabalho criativo que nem todos estarão dispostos a fazer, isto é certo;
burocratas, intelectuais de estado este sempre houveram e continuarão a existir para cumprir sua função;
qual é essa função, não sei ao certo;
acredito que tampouco eles o saibam, ainda que o façam;
trata-se antes de um devir-revolucionário que de uma revolução;
não se trata da luta pelo poder, da luta pelo estado, da disputa pelas rédeas do jogo;
trata-se, talvez, de uma luta pela potência, pela liberdade das instâncias de controle, pela prática dessa liberdade;

ao levar a sério já perdi o jogo, já fui capturado num plano de imanência fechado em valores pressupostos;
levar a sério já consiste em cair na prática revolucionária, de entrar numa relação de inquérito, visto que o revolucionário será projetado como réu, posto a prestar explicações, colocado em posição inimigo de estado, de ameaça pública, de renegado, de terrorista;
levar a sério esse tribunal ou morrer de rir a vontade de verdade dos inquisidores;
muitas vezes deleuze é colocado nessa cadeira de réu e assume satisfeito essa posição;
nietzsche, mais irreverente, ri de tudo isso, satiriza a intenção de se fazer dele responsável ou irresponsável por alguma coisa;
não sente culpa pelo que cria ou escreve;

a questão dos valores
abolir ou suprimir a questão dos valores que pressupõem um direcionamento ao problema e à problematização, já é tomar uma posição nesse debate que envolve a linguagem como campo de saberes;
trata-se inicialmente de um problema social e político (já tratado com humor na literatura modernista que deu uma bem humorada abordagem à questão);
esse problema se articula com o caráter social e político de outros campos de conhecimento, visto que a linguagem consiste no meio de expressão de tantos saberes;
portanto, trata-se de um complexo problema epistemológico;
como se sabe, a linguagem ao longo do século vinte estremece e dá outras referências ao conhecimento ocidental, revolucionando a própria concepção e o lugar da epistemologia;
na filosofia, nietzsche, ao evidenciar a produção de valores para além ou aquém de sua crítica, dinamitou a velha imagem da verdade transcendental, relativizando a verdade com uma imagem da filosofia e do conhecimento como imanência da linguagem, como estilo, como questão estética;
na ciência da subjetividade, a psicologia, a linguagem conduz, de freud a lacan, a uma outra imagem da subjetividade, uma outra imagem do homem, que se desdobra numa outra imagem da disciplina e, daí, numa outra imagem do conhecimento;
na antropologia, a lingüística, através do estruturalismo, possibilita uma reinvenção da disciplina. também na esteira de uma revolução na imagem do 'homem' (ocidental);
essa articulação de campos abala os pilares historicistas da tradição do século dezenove;
a contingência histórica, que proporcionara tantas investidas contra os resquícios de um pensamento marcado pelo absoluto, tinha se encarnado como o mito do estado, que dera origem a uma ciência régia, falando em nome de uma ficção do estado, o homem universal, o homem da história universal;
mas como livrar-se da história após aprender a pensar com ela e com suas referências: progresso, razão, fatos, dialética etc

universidade da floresta

há um debate entre os docentes do curso de formação indígena em torno da questão da competência/proficiência no idioma oficial por parte dos usuários indígenas ou mesmo, do uso indígena do idioma brasileiro;

nossos idiomas

há uma concepção de língua que vem sendo construída a duras penas numa sociedade preconceituosa, que vive em função da sua desigualdade constitutiva;
essa concepção de língua a que me refiro procura minimamente dar conta da diversidade lingüística que nos constitui;
essa língua diversificada bateu de frente com nossa velha imagem da língua e de seu ensino, a qual tem procedência histórica em nossa figura do bacharel, do conselheiro acácio, dos filhos das oligarquias que impressionam os eleitores com seu 'bom' português;

como se percebe, o problema sócio-político e a questão da subjetivação via linguagem se articulam de maneira complexa, passando longe da simplicidade com que é encarado por algumas soluções tecnicistas;
se esse consiste num problema complexo dentro da própria língua portuguesa, que pode muito bem ser ignorado se nossa preocupação se restringe à elaboração de projetos (ignorando todo o contexto que envolve as línguas e seu ensino escolar), imagine-se então quando se entra no contexto do bilingüismo;
quando trato que a questão requer uma leitura especializada, não restringir o assunto aos especialistas, mas solicitar uma maior complexidade, mais variáveis e menos pressupostos, estes um problema principal de uma leitura leiga e etnocêntrica do assunto;

dos pressupostos arrogados pela parte referida, os pressupostos políticos do etnocentrismo já foram desconstruídos por outros autores;
na imagem do índio empresário, própria dos meios criados pelo estado e pelo mercado de projetos para viabilizar a gestão das terras indígenas, não pode ser tomada como ponto pacífico, objetivo ou pressuposto;
penso que essa imagem deve ser problematizada como processo de subjetivação colocado ao lado de outros processos de subjetivação, em lugar de ser tomado como pressuposto;


é sintomático, portanto, que a estratégia (caso de grande parte das teorias do discurso de referência atualmente) de absorver a força da noção de discurso e da teoria do enunciado foucaultiana, que resulta de sua acurada pesquisa epistemológica, seja tomá-la tecnicamente, isto é, desarticulada de suas dimensões sociais e políticas, as quais as teorias da linguagem e, especificamente, a lingüística, têm imensa dificuldade em considerar, dado seu alinhamento estratégico às ciências duras;
ao tomá-las tecnicamente, como ferramenta de análise meramente formal, essas pseudo-teorias do discurso servem a um mercado de técnicos que precisam adaptar o discurso (e amansá-lo) ao quadro da ciência régia em vigor;


penso que é necessário compreender o que se passa numa área de conhecimento, pois muitas vezes o ponto de vista do leigo se diferencia daquele do especialista que atua e milita na área de conhecimento;


tendo sempre como ponto pacífico o diálogo de conhecimentos, penso que quando distinguo entre concepções diversas de língua, não estou lançando mão de um juízo de valores, e sim, contextualizando conflitos iminentes que compõem o campo de conhecimentos que estamos adentrando;

13 maio 2009



critica ao sistema carcerário

a liberdade é um dos principais fatores contribuinte para a criação da declaração universal dos direitos humanos. Atualmente os mesmos vêm sendo desrespeitados pelo sistema de governo, que tenta resolver problemas sócio-culturais com a constituição de presídios;
olhamos para traz, num passado não muito distante, e observamos um país altamente escravocrata, o tempo passa e a escravidão continua mudando somente o contexto histórico;
no mesmo ritmo cresce o preconceito e a discriminação;
esses casos e fatos tornaram-se um transtorno que ameaça um estado capitalista que, resolvendo se defender, cria modernas “senzalas”, agora com muros, grades e arame farpado, denominadas unidade de recuperação social, uma hipocrisia nunca vista, sendo que 80% dos presos voltam a cometer delitos;
para um estado altamente capitalista a construção de presídios torna-se mais lucrativa que a construção de escolas;
criam empregos direta e indiretamente, movimentando a economia nos arredores, funcionando como um verdadeiro zoológico humano;
o sistema prisional tornou-se um navio negreiro perdido no mar e sem capitão, somos manipulados o tempo todo e não percebemos, não reagimos até quando?
para algumas perguntas não temos respostas; tentando encontrar respostas nos dirigimos a penitenciária manoel néri da silva (penal) e entrevistamos o diretor do presídio, sr. erisson cameli santiago, que, indagado sobre o sistema carcerário ser considerado um navio negreiros, o mesmo respondeu:
“sim, muitos presos não possuem expectativa nenhuma de futuro, nem oportunidade de emprego ou de uma vida melhor ao sair do presídio”
injustiças sempre existiram e continuaram existindo, e nós somos os únicos responsáveis pela sociedade em que vivemos, assuma cada qual sua responsabilidade, lute por você mesmo e todos juntos teremos uma sociedade forte e justa;

trabalho proposto pelo professor amilton pelegrino de mattos do projeto protejo e elaborado pelos alunos: madson do nascimento souza, maria gleiciane m. da silva, adjane p. de souza, edvangela f. da silva, evilane;

07 maio 2009


essa desterritorialização da socialidade indígena pode se estender ainda às relações de afinidade que ultrapassam os limites ocidentais que estabelecemos para a esfera do humano;
as fronteiras do humano aqui não são tão fixas quanto nos parecem;
o humano tem caráter intensivo antes de um caráter propriamente extensivo como propomos;
o humano está em mim, atravessa-me;
eu não detenho ou mesmo determino o que seja o humano;
o mesmo vale para os animais que não fazem mas que manifestar (por seu corpo) o que seja uma afecção-onça, afecção-queixada ou afecção-jibóia;
a afecção-jibóia atravessa mesmo a bebida ayahuasca, seja pela similaridade com o cipó, com os cantos ou mesmo por suas linhas;
cada animal (uns mais que os outros, algumas situações mais que as outras) tem seu mistério, seu encanto;
por isso cantar os cantos dos animais, cantos que se referem aos animais, às suas relações entre si, relações de predação entre outras (como nessa cantoria huni kuin);
o cipó é momento privilegiado de tráfego entre afecções;
essas experiências são especialmente interessantes para enfocar a dinâmica de desterritorialização desse pensamento e suas práticas de subjetivação;
saímos das relações de parentesco que visam definir padrões de socialidade de populações nativas, para enfocar um regime de relações e uma imagem do conhecimento que circunscreve e redimensiona nossa pretensa onis-ciência;
já não se trata, pretensiosamente, de enquadrar essas sociedades ou socialidades em nossos esquemas, de descreve-las objetivamente numa etnocêntrica imagem do conhecimento;
trata-se de proliferar possíveis, de lidar com multiplicidades, de definir exterioridades ao nosso pensamento, de imaginá-lo como exterioridade, como fora;
a linha limite serve justamente para reconfigurar essa imagem territorial;
a linha não divide interioridade/exterioridade, é sobre a linha que se dá o movimento, o acontecimento;
a linha desliza redefinindo o limite, desterritorializando;

02 maio 2009



cavellucci

educação homogênea versus processos de singularização
avaliação: do homogêneo ao singular (e vice-versa)
estilo cognitivo (allport, 1937)
a autora passa a se deter no pensamento de felder sobre a questão:
● estilo, habilidade ou estratégia: desempenho;
● estilo se refere ao caráter singular do desempenho e da aprendizagem;
● as estratégias visam otimizar o estilo;
● felder se coloca entre a homogeneização e a singularização absolutas, imaginando uma solução igualmente generalista;



comentário:

a questão
nosso pretexto é tomar o problema da singularização subjetiva a partir da abordagem de cavellucci que vê em felder maneiras de lidar com os chamados 'estilos de aprendizagem';
o que nos interessa consiste no debate em torno da noção de singularidade, em termos de processos de subjetivação, bem como circunscrever a linguagem/discurso da teoria da aprendizagem, levando em consideração a política de educação homogênea atualmente implementada pelo estado brasileiro;


contextualizando
sem dúvida, a questão dos processos de subjetivação que constituem a educação está no centro de qualquer debate significativo que vise escapar da onisciência neoliberal que domina a educação do estado brasileiro pós-ditadura;
nesse debate estão no centro antigas questões que não envelhecem dada sua atualização cotidiana;
trata-se do perfil que assume a educação de estado desse período neoliberal das últimas décadas;
o problema da orientação do estado neoliberal para uma educação de mercado, tomando inclusive os valores do mercado como o únicos existentes, em continuidade à estratégia com que o judaico-cristianismo católico ou, pior, protestante, fez em relação ao seu todo-poderoso;
se a homogeneização dos valores se define como estratégia política fundamental na generalização colonialista do estado ocidental, a singularização pode guardar certo devir-revolucionário atualizável em relação às faces contemporâneas da homogeneização;
portanto, não se trata de qualquer singularização, mas da singularização que pretende fazer frente a tais correntes majoritárias;



a abordagem generalista de felder é problemática por pressupor simplesmente valores gerenciais à educação;

isso se dá, a princípio, devido à ausência de um tratamento ou contextualização política da educação homogênea e homogeneizadora;
sabe-se que o estado possui esse caráter homogeneizador através do povo, da língua, do território, as leis;
o estado, praticamente, consiste num processo opressor ou leviatânico de homogeneização;
os nossos índios que o digam;
por outro lado, esse estado que se configura historicamente como estado capitalista, tendo sido apropriado pelo mercado financeiro, num corte histórico que podemos chamar globalismo financeiro, aprofunda um certo tipo de singularização: a singularização do consumo;
a singularização do consumo consiste no aperfeiçoamento do controle do mercado-estado que passa dos processos de controle homogeneizantes que marcam a definição da sociedade ocidental moderna e foram estudados por foucault;
esse aperfeiçoamento se dá no próprio interior dessa sociedade já homogeneizada que colonizou o mundo com seu estado, suas leis, sua religião, seus valores, levando a cabo seu processo de civilizar os povos do planeta;
ocidentalizando o mundo, pudemos singulariza-lo através do consumo, da liberdade de consumo, da variedade de produtos, inclusive subjetividades, nas prateleiras do supermercado;
com isso, os negros, em qualquer parte do mundo para a qual foram levados para serem escravizados, podem hoje consumir o estilo black is beautiful sem serem oprimidos, podem aparecer na novela, afina de contas seu poder aquisitivo tem crescido rapidamente;
aparentemente abolimos o racismo no países capitalistas, não há mais racismo ou sexismo, são ou somos todos consumidores, cada qual com seu estilo de consumo que a indústria do consumismo e do desperdício aperfeiçoou até o limite da futilidade;
uma massa de consumidores supostamente singularizada por produtos, lojas ou marcas;
as guerras do império estadunidense para impor suas leis comerciais, ambientais etc aos demais povos do mundo, ou a violência que caracteriza as relações entre os povos no brasil servem ao menos para nos lembrar de que nosso processo de homogeneização subjetiva não foi instaurado de forma pacífica;
não é de forma pacífica que um povo amazônico continua sendo desterrado da sua língua, do idioma de seus antepassados, dos costumes ecologicamente harmônicos de sua tradição para assumir o consumismo, única via da matriz subjetivante que domina o seu 'território';

chamo de 'naturalização' da educação homogênea, essa atitude de toma-la como prática ingênua que possa levar a uma solução igualmente ingênua, reduzindo o problema a uma questão técnica, circunscrita ao caráter gerencial;
naturalizar, portanto, tem o sentido filosófico de despolitizar a prática educacional, principalmente em relação a seu caráter subjetivante;


não falo de tratar essa educação em termos de ideologia ou aparelho de estado (althuser), mas em procurar entender as tendências administrativas ou burocráticas do estado, buscando entender articulado a isso minimamente a natureza, a história e os interesses políticos do estado em sua relação com a sociedade e o mercado/capital;
o que ocorre em decorrência disso é que se toma o processo de singularização, não a partir de sua importância como (de resistência na) prática política, mas a partir de preocupações gerenciais que visam reeditar o processo homogeneizador da mídia e dos aparelhos de estado, otimizando os rendimentos dos estudantes que reagem e resistem como podem à violência dos processos de homogeneização do estado capitalista;
assim, tudo se reduz novamente, tal como na educação que naturalizou o que havia de socialmente ou humanisticamente revolucionário no construtivismo que emerge com a popularização da educação pública, quando as classes populares passam a se apropriar dos recursos educacionais;
enquanto isso, o estado reage encomendando novas teorias da educação que se voltem a uma linguagem pedagógica mais tecnicista, que exorcize da educação seu ativismo social, sua militância humanista, investindo na pedagogia como instrumento gerencial de uma educação 'profissionalizante', que reduz o sujeito a técnico/consumidor;
a educação não está mais envolvida com práticas sociais, busca agora estritamente realizar as metas estatísticas do estado, varrendo para debaixo do tapete da história os séculos de opressão e desigualdade por meio da educação;
com isso, o neoliberalismo reduz a formação de sujeitos esclarecidos, críticos, humanos, ao valor absoluto da concorrência para alimentar o mercado do lucro e da exclusão;
o que é pior, além de educar para o consumismo, transforma a própria educação e os processos de subjetivação afins, numa outra fatia do mercado, em puro consumismo;
o educador não apenas ensina o consumismo, mas sua própria atividade cai no mercado, na lógica do lucro e da concorrência, quando ele também 'precisa' (isto é, é forçado) a dar ao estudante aquilo que ele supostamente 'precisa(ria)';
como escreveram meus discentes certa vez, é quando a universidade se torna faculdade caça-níqueis;



os demais processos de subjetivação
em que consiste e o que pressupõe tratar os processos de aprendizagem voltados à singularidade sem lidar com os demais processos de subjetivação ou pior, distinguindo tais processos como áreas técnicas de especialidade profissional;
isso equivale a restringir a teoria da aprendizagem a uma técnica própria da ciência régia, que visa isolar as áreas de conhecimento, ignorando assim a potência da transversalidade e continuando a investir da fragmentação que serve ao controle e desarticulação dos conhecimentos, enquanto que tal articulação poderia convergir num movimento pró-transversalidade que visasse redefinir a política de conhecimentos neoliberal adotada ultimamente pelo estado;

mesmo uma pedagogia supostamente libertária como a de paulo freire pode ser capturada por uma tal concepção generalista ou majoritária do minoritário;
trata-se, para usar da linguagem de deleuze-guattari, de não confundir os processos intensivos com propriedades extensivas;
é assim que tratar de uma pedagogia do oprimido, quando essa se torna num projeto de estado, pode se aproximar do projeto de estado para um ensino diferencia indígena;