02 julho 2008



correria
ouviu o estrondo e os gritos e começou a correr; ouvia de relance as palavras de sua mãe sobre a correria; o chão estrondava embaixo dos pés; a floresta tremia com os gritos; correr e correr; era isso que tinha que fazer; os paus quebravam; corria sem perceber seu corpo, seus pés; não parava pra olhar pra trás; escapava como escapara sua mãe viva; o sangue molhava seu corpo nu; em seus ouvidos continuava a ouvir tiros e gritos; não parava de correr; em seu corpo cabia só o terror, nem pensava no cansaço; cortava varadouros, atravessava igarapés; o estrondo e os gritos; as estranhas palavras dos inimigos; na correria, relance em seus olhos; o estrondo e os gritos; o sangue das crianças, o medo fazia acelerar ainda mais; o suor escorria pelo rosto, ardia os olhos; suor não, era sangue; era engolida a seco pela mata, descia pelas entranhas da mata; corria como a caça; as pancadas moíam suas pernas; o coração disparado; sua chance era correr, sua vida correr; pensava no vô, na mãe, nas crianças, em idya, nehe, topa, cortavam sua mente, rinihan, wase, rona, kaná, mame; torceu o pé e caiu, mas tudo continuou correndo a sua volta; passara horas correndo, dias; não esqueceria mais aquilo, tinha nascido ali, naquela correria; seu corpo estava marcado de cicatrizes profundas; ofegava, o coração pulava, todo o corpo doía; as lágrimas e o suor diluíam o sangue que continuava escorrendo; seu corpo febril; uma dor metálica cortava sua garganta; sempre esperara o inimigo, sabia que eles chegariam, mas aquilo era a morte diante de seus olhos e só os guerreiros conhecem a morte; a partir dali tinha o espírito guerreiro, já não sorriria o sorriso ingênuo da criança; deparara a morte; a morte que não se conhece até encara-la; tinha encarado a morte, conhecia o seu cheiro, o seu som, o efeito que sentia no corpo torpe pela dor e o cansaço;

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