23 dezembro 2007

para viver andando, eles, antes, precisaram se tornar leves e se despojar do que tinham; eles; casas, animais, plantações, a abundância que os rodeava; a praia onde iam virar as tartarugas de carne salobra; o mato fervilhando de pássaros cantores; ficaram com o indispensável e se puseram a andar; foi castigo a marcha pela selva? antes uma celebração, como ir à pesca ou à caça na estação seca; conservavam flechas e arcos, os cornos com o veneno, seus canudos de tinta de urucu, as facas, os tambores, as blusas que vestiam, as bolsas e as tiras de fazenda para carregar as crianças; os recém-nascidos nasciam andando, os anciãos morriam andando;quando assomava a luz já estava mexendo-se a galharia com a passagem de seus corpos, já estavam eles, um atrás do outro, andando, andando, os homens com as armas preparadas, as mulheres carregando as gamelas e os cestos, os olhos de todos postos no sol; ainda não perdemos o rumo; o desapego nos terá mantido puros, então; o sol não caiu, não acaba de cair; vai e volta como as almas com sorte; aquece o mundo; as pessoas da terra não caíram também; aqui estamos;

(llosa, o falador)


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