10 junho 2008



trata-se de duas coisas distintas;
uma é a apropriação passiva [digamos assim] da função do agente agroflorestal, algo formatado como uma proposta de estado, ou seja, uma proposta que imagina as sociedades indígenas como grupos em harmonia ideal com o estado e, a partir daí, elabora um projeto segundo os valores do estado de organização social, segurança alimentar, educação ambiental, vigilância territorial etc;
outra muito diferente diz respeito ao que pode ser o trabalho e mesmo a função social do agente agroflorestal se imaginarmos os grupos indígenas como sociedades em que a resistência à institucionalização do estado sempre os caracterizou e quase sempre garantiu-lhes a sobrevivência;
de um lado, tem-se o que é essa categoria, esse trabalho e essa prática subjetiva, de outro, tem-se tudo aquilo que conseguiu ser e ainda pode ser;
para uma apropriação no processo de construção de um projeto comunitário que paute um projeto de ensino [médio] interessa sobretudo todas as ramificações que esse trabalho possibilita, especialmente as apropriações feitas no âmbito do projeto comunitário de futuro que certamente não são as mesmas que compõem a função técnica do agente para o estado;
percebe-se que as possibilidades oferecidas pelo trabalho do agente agroflorestal harmoniza-se com o projeto comunitário de forma distinta da escola;
a escola opera com um sistema de valores que leva o estudante para uma formação técnica que diz respeito a uma realidade externa á comunidade;
sua práticas subjetivantes possuem palavras de ordem, ou seja, cadeias implícitas de valores, distintas daquelas que configuram a escola;
a escola possuiria em suas práticas e na sua produção subjetiva pressupostos mais arraigados devido às linguagens de que ela faz uso darem suporte à forma corrente das palavras de ordem;
desde o uso do espaço até à expressão verbal a escola possui uma gramática definida e cada vez mais objetivada em seus sistemas de habilidades e competências;
muitas comunidades acreditam ter direito ao status proporcionado pelo estudo e pela carreira profissional sem perceber que tal status é equivalente ao compromisso com os valores capitalistas da sociedade branca, os quais vão de encontro aos valores das sociedades indígenas;
não se trata é claro de um tradicionalismo burro, trata-se antes de possuir clareza quanto aos objetivos da escolarização generalizada no projeto de futuro das comunidades indígenas;

ainda é recente a garantia dos povos indígenas ao usufruto de reservas de terra de propriedade a união;
mais recente ainda [e de importância crucial para o projeto de vida das sociedades indígenas, de seus projetos de futuro de organização interna] são os projetos de gestão territorial com que esses povos garantirão uma resistência organizada ao capitalismo do modo de vida e relação brancos;
as instituições em funcionamento nas sociedades indígenas precisam estar articuladas nesse importante processo que é uma forma segura de se garantir os direitos constitucionais dos povos indígenas;
uma instituição como a escola, principalmente quando se começa a pensar em termo de ensino médio, deve estar consciente de seu projeto de futuro para não reproduzir um ensino médio branco ou para se frustrar com um ensino diferenciado e qualidade duvidosa;
e o objetivo é o vestibular, a faculdade e o mercado de trabalho, esse objetivo precisa ser justificado com um projeto de futuro;




há muito [pelo menos desde a esquerda ter tomado o poder graças aos acordos com o capitalismo, quando banaliza em mercadoria todo discurso de resistência e põe a venda os movimentos sociais na forma de políticas públicas neoliberais, e ter reconstruído uma história da conquista democrática ante a suposta decadência do regime militar ou, para variar essa retórica da traição, pode-se pensar por outro lado que essa conquista do poder só foi possível por conta dessa operação, enfim...] que o discurso crítico se tornou uma mercadoria de consumo, a ser servido desde as crianças até os velhos, tendo sido absorvido pela retórica da pseudo-democracia neoliberal;
o discurso negativo da crítica se volta contra tudo e todos e reproduz fielmente as palavras de ordem do mercado, mesmo quando o criticado é o mesmo mercado que ela alimenta;
críticos profissionais, a visão crítica está entre os valores estimulados no programa democrático, indignados de todos os tipos jornalizam suas indignações, bradam em favor da ordem, da ética, dos valores, sempre num discurso recheado de palavras de ordem: são bons moços num mundo de injustiças;
serão os valores tão inevitáveis assim que possamos universalizar uma retórica jornalística [que ainda que ou quanto mais crítica mais conservadora], serão os valores tão inerentes que justifique um relativismo radical que redunda no solipsismo;
mesmo na construção de um pensamento crítico há nuances e mesmo concepções de abordagem crítica muito diversas;
de nossa tradição histórico-transcendental, a mesma epistéme que dá origem ao marxismo, herdam-se noções como alienação, consciência, consciência histórica, ideologia etc, todas noções que pressupõem uma noção de verdade una e predeterminada;
por outro referencial tem-se a abordagem genealógica que desmistifica os pressupostos de positivismo inerente ao historicismo;
uma abordagem genealógica opera uma transvaloração de valores, uma desconstrução de pressupostos valorativos de complexidade superior, que proporciona um discurso crítico que integra e dá conta de processos que a abordagem histórica sustenta como pressupostos;
isso possibilita a própria concepção de discurso, ou seja, da ordem de enunciados que configura a ciência, assim como a desconstrução de seus pressupostos inerentes, das palavras de ordem que o comprometem com o poder estabelecido, revelando então sua função na conformação e manutenção de uma ordem de poder de estado neoliberal;
tem-se com isso duas formas bastante distintas do espírito crítico;
uma conformada aos valores estabelecidos, que por suas práticas subjetivantes acaba por reafirmar valores conservadores, e outra que propõe a constituição de ferramentas para a subjetivação de valores diferenciais;
enquanto a primeira sustenta os valores conservadores na concepção ordem de valores única e superior, a segunda valoriza sobretudo a diferença como valor;
enquanto o primeiro redunda na homogeneização, o segundo busca suas linhas de fuga na diferença e na singularização, nos processos criativos de subjetivação;
enquanto o primeiro se conforma no instinto de conservação e na acumulação, o segundo opera por devires, ou seja, dispende-se em sacrifício;




por isso não se trata de conscientizar, pois conscientizar é a forma de subjetivar própria à nossa tradição;
nela estão implicadas toda uma estrutura toda uma ordem do discurso que opera por palavras de ordem;
trata-se de trabalhar com práticas subjetivantes, com processos de subjetivação que tenham por dispositivos os agenciamentos de enunciação, que se constituam em agenciamentos de enunciação;
não se trata de conscientizar de uma verdade pré-concebida, trata-se de proporcionar linhas de fuga em relação à homogeneização massificante, à monocultura das subjetividades capitalísticas;
trata-se de linhas de fuga para possíveis que proporcionem experiências que singularizem as narrativas ou territórios existenciais;

por isso não se trata de restringir-se à passividade de um processo de informação ou de conscientização em que ainda funcionam como massa, como reprodutores, por mais que o resultado seja positivo;
trata-se de se transfigurar, de experimentar-se em práticas de subjetivação que desloquem os referenciais valorativos dos regimes de sentido, da territorialização que nos cerca e referencializa;

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