18 junho 2008



num primeiro momento foi a guerra, o genocídio, com que o nosso estado, com que nós estabelecemos relação com os povos nativos;
essa linguagem era comum a esses povos, guerreiros experientes cuja guerra consistia mesmo em elemento central de sua socialidade;
a guerra pelo espaço, pela terra, e também a guerra pelo domínio, pelas mulheres, pela religião, pela cultura, pela mão de obra;
a conquista das terras indígenas, quando ocorre, já ocorre num contexto em que o domínio territorial já perdeu sua posição para o domínio cultural, em que a raça dá lugar à cultura;
a raça já não é mais um ameaça pois enxerga-se na supremacia da raça e da cultura branca um horizonte de ocidentalização inevitável em suas formas sutis de violência social;
o que não se contava seria com a valorização dessa etnicidade em um mercado global;
o que se presencia é o embate de forças políticas que representam diferentes mercados, o conflito desses mercados;
de um lado um mercado emergente das minorias, das subjetividades diferenciadas e diferenciantes que o mercado visa absorver seja pelo esquema ambientalista do desenvolvimento sustentável ou por onde quer que se possa constituir um mercado a partir daí;
a antropologia trabalha articulando no mercado demandas como conhecimentos tradicionais e biopirataria, políticas públicas, organizações indígenas além de, entre outros, o velho mercado da demanda territorial de novos povos e até de povos emergentes articulados aos quilombolas e extrativistas;
de outro lado, o velho mercado da produção de alimentos do hemisfério sul, articulado ao velho mercado de terras;



ao conceder a terra ao povos nativos, o estado estabelecia uma estratégia de desmobiliza-los com o seu sistema de assistência, que operaria paralelamente às pressões locais como invasões, preconceitos em geral, política local e sua assistência, escolas, consumismo etc;
colocou-se e se generalizou a seguinte idéia: com a conquista da terra o povos indígenas não devem criar mais problema;
essa idéia foi aceita pelo próprios indígenas de que a luta concluíra com a luta pela terra, ou então que conquistada a terra agora os indígenas lutariam para ter as mesmas condições que o branco e que o estado seria seu parceiro para tanto, este foi mesmo o espírito das instituições do estado para a 'proteção' dos índios;
se por um lado a gestão territorial acaba se definindo hoje como demanda de assistência para o estado, esse processo de estatização da gestão territorial não deixa de ter sua ambigüidade;
constata-se um processo generalizado e supostamente inevitável, desde que olhado com os olhos da história colonizante, de ocidentalização das terras indígenas, processo inevitável do assistencialismo com que o estado invade as reservas impondo o dinheiro e o capitalismo com os nossos padrões de consumo, nossas mercadorias simbólicas etc
ainda que tenha demorado para se tornar um projeto para fazer frente a esse processo de ocidentalização, o projeto de gestão territorial com seu complexo conjunto de práticas concorre ainda entre constituir-se como processo de autonomização dessas sociedades e um projeto controlado pelo estado;
para se apropriar do processo de gestão territorial de uma forma que seja a mais típica por parte dos indígenas é necessário refrear os projetos do estado, liberar ao máximo essas práticas dos valores institucionais do estado que visam suprimir a diferença e impor o seu modelo de organização e os seus valores liberais;
o problema consiste em suprimir uma forma de 'ajuda' ou de 'assistência técnica' proveniente do estado por conta dos valores que ela contrabandeia;
no entanto, não se trata de trabalhar com a conscientização desses agentes e sua ação;
trata-se de trabalhar com a forma com que eles tomam esses agentes, de observar onde eles desenvolvem resistência;
trata-se especialmente de identificar entre a resistência ao estado [ou seja, o que é o estado, que ação o define: a massificação, o capitalismo liberal] e aquilo que considera-se aqui como ação de estado;
em que consistem estas linhas que escrevo... em resistência ou em ação de estado...

assim, não se trata de conscientização desse processo, mas de sua vivência;
o que mobiliza às ações nem sempre é a consciência [fixação de padre], mas são sempre os valores;
assim, o que subjetiva não é propriamente a consciência, mas os valores que estabelecem consensos e mobilizam as pessoas;
é necessário para mim compreender o circuito dos valores, sua apropriação e reprodução pelas instituições, mas nem todos precisam compreender isso;
o cabe a cada um em seu processo de subjetivação;

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