08 abril 2007

filosofia e antropologia III

o problema é que há um preço a se pagar pela instituição desse plano de imanência a partir do qual o conhecimento pode falar de si mesmo, numa espiral que não encontra fundo numa realidade pré-conceitual; esse preço é o do plano de transcendência que será desdobrado daí, dessa conquista que não seria de sócrates como se pode pensar na chave de leitura do individualismo, mas de todo o pensamento grego, pois é todo o pensamento grego que dá condições à esse plano de imanência apropriado e invertido em transcendência por nossas leituras da filosofia platônica;

essa dupla superfície é definida numa imagem do conhecimento: a caverna; na caverna se concebe essa concepção de conhecimento, esse plano epistemológico que define o espaço de imanência no qual se constitui o saber filosófico em sua especificidade conceitual; é por isso que a especificidade conceitual da antropologia se dá quando se estabelece o campo virtual no qual se desdobram as teorias (e os conceitos) nativos; por que o plano de imanência que se havia constituído com base na identidade descobre seu duplo, a alteridade; acredito, assim, que a antropologia possibilita a redefinição de pressupostos desdobrados em muitas das ciências do pensamento ocidental tributárias do pensamento grego (cada qual com seu compromisso mais ou menos específico com essa matriz) tais como a história, o direito, entre outras, tributárias portanto de seus princípios de identidade do sistema de representação que as sustenta; esse pensamento, como instrumental político e bélico, determina seu plano de imanência como homogeneidade absoluta, desdobrando qualquer diferença nesse campo fictício ou, mesmo virtual, furtando-se a toma-la como perspectiva limite, sujeito do conhecimento virtual que possibilitasse um rasgo heterogêneo;

esse rasgo heterogêneo é a chamada multiplicidade; sair do universo da identidade com sua habitual entropia, para ganhar o universo neg-entrópico das multiplicidades exige que já se possa respirar debaixo d’água ou que se agüente as pressurizações dos vacúolos de sentido que se atravessa;

a caverna é o espaço que só fará sentido a partir do plano exterior; não há caverna sem espaço solar e iluminado, a caverna existe em função da luz; enfim, não há caverna em si, ou seja, a caverna é relacional; a caverna equivale ao que se chama de ruptura epistemológica, o conhecimento adquire especificidade relacional e não em si mesmo; o que faz do conhecimento é que ele não seja doxa e não que lhe seja peculiar qualquer universalidade (que não seja universal no âmbito desse plano de imanência em que ele se encerra) exterior a um plano conceitual que não seja o próprio plano no qual ele está se constituindo;

da mesma forma é relacional o valor atribuído às dimensões do sensível e do inteligível; o inteligível não tem um valor em si, não vale mais que o sensível; a não ser para o pensamento, no plano de referências próprio ao pensamento; nesse plano de imanência é que fará sentido se falar das idéias e de seu valor sobre os elementos, sobre as coisas;

o valor do inteligível, sobretudo, está associado a esse plano de imanência que antes de situar qualquer pré-concepção de mundo ou qualquer mundo pré-conceitual, permite situar o pensamento para si próprio;

acredito que era essa a dimensão conceitual do só sei que nada sei, situar o pensamento no pensamento, em sua matéria, em sua especificidade, distinto das coisas pensadas: eis o platonismo idealizado/idealizante invertido;

esse plano de imanência traçado aqui tomará conta do pensamento ocidental, no entanto; ou seja, transfigurar-se-á em seu negativo; o instrumento que serviria para libertar o pensamento servirá para determina-lo, para encerra-lo em um campo de referências pré-definido; o plano de imanência desse pensamento se tornará o plano absoluto do pensamento a partir da fórmula do plano de transcendência cuja dupla função é ocultar-se enquanto plano de imanência, enquanto recurso discursivo, ao mesmo tempo em que se desdobra em plano de transcendência, em um plano do mundo, sobre o qual o saber se projeta, com o qual se identifica, o qual pode esquadrinhar, mapear com suas coordenadas imperceptíveis;

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