22 abril 2007


Escrevendo filosofia
(Crônica filosófica)
Como vim parar aqui
Ao final de uma de minhas aulas de Ética (é fato, sou professor de Ética no curso de direito da Uninorte), fui abordado por um distinto estudante. Era João Joaquim, diretor deste portal.
Falou-me sobre o portal, sobre o trabalho que vem desenvolvendo, a linha editorial. Nesse contexto, colocou sua intenção de oferecer ao leitor um espaço de reflexão filosófica e ética.
Lembrei-me, na hora, de um espaço de reflexão filosófica que acompanhei ao longo do ano passado num jornal da cidade. Seu responsável era o professor e filósofo Paulo Pinheiro.
Dizia João que pensava num espaço que relacionasse a Ética a acontecimentos cotidianos. Tal espaço convergirá nessa linha editorial mais voltada para a cultura.
Vim, então, para casa e me pus a pensar-me como porta-voz público da filosofia. A responsabilidade chegou a me intimidar.
Logo me veio à mente que, a princípio, deveria elaborar alguma definição de filosofia, uma referência. Agora, trata-se da questão: de que filosofia se trata?
Meus nervos afloraram. Como definir filosofia ou ética? Corri para a biblioteca, coloquei sobre a mesa os pré-socráticos, os diálogos platônicos, os livros de Aristóteles.
Foi então que imaginei meu público leitor. Vi-me diante de uma platéia, num teatro, como se estivesse sobre o palco. Eu, sentado, escrevendo, diante do público, silencioso, milhões de pessoas.
Abateu-me o peso da responsabilidade. Arrependi-me. Quantas tardes vadias que podiam ter sido dedicadas aos clássicos. Tantas vezes que deixei Espinosa e Leibniz esperando. O fardo da ignorância.
Num raio, lembrei de Sócrates. É isso! Só sei que nada sei. Pensei: encontrei uma boa saída, refletir sobre a ignorância. Senti-me à vontade. Posso até me dar ao luxo de ser irônico, afinal somos todos ignorantes.
Mais calmo, voltei para meu problema: afinal de contas, o que é, seria ou será a filosofia? Como defini-la?
Imaginei-me perguntando a Sócrates: Caro amigo da sabedoria, o que vem a ser a Filosofia, a que ele responderia com outra pergunta, e para ti, o que vem a ser... Concluída a bateria de questões, a maiêutica teria me conduzido a uma resposta intrigante. Quanto se trata de filosofia, perguntar vale mais que responder.
Atentei para que a vontade de responder que me inspirava pudesse ser, propriamente, vontade de perguntar.
Atinei: consegui uma definição de Filosofia, é a arte de perguntar, de redefinir os problemas, de recolocar questões;
Pensei então em começar o texto inaugural desta coluna com essa definição, para que não restassem dúvidas ao (possível) público leitor quanto à autoridade do colunista no assunto.
Afinal, ou em parte, sabia de onde se originava a crise de que resultara esta heterodoxa crônica filosófica: nunca fora um filósofo profissional, minha experiência de amador na área é que me rendera a responsabilidade sobre esta tribuna.
Mas algo não cheirava bem, ainda havia um problema. Quiçá insolúvel. Será que tinha sido enganado por Sócrates? Seria mesmo Sócrates? Não teria sido seu daimon ou a voz a de Platão falando em nome do mestre? Não seria meu próprio daimon, simulando a presença do grego?
Como dispor dessa verdade que encontrara no universo filosófico? Como dar forma a essa arte do perguntar? Dúvida insolúvel? Típico mistério?
Foi daí que me veio a idéia de criar um personagem. Conforme vira, o texto não podia ficar preso à esfera filosófica das definições, das respostas. Assim, o personagem de uma crônica resolveria o impasse. Ele desdobraria os problemas na forma de questões, de suas dúvidas, de suas inseguranças.
Sei que idéia não é lá original, desde Platão que... mas a prova dos nove aqui não se refere à originalidade e sim a uma boa simulação.
Desdobrado o texto nessa dimensão literária, os problemas, definições, respostas, teriam neutralizado sua pretensão a verdades definitivas.
Mas... e o leitor? Bem, constituindo-se o estatuto deste primeiro personagem, logo passaremos ao leitor, esse outro personagem.
No entanto, a crônica vai findando e, lembrando o argentino, não sei bem se quem assina é Amilton ou se é o Outro.

* crônica que deve inaugurar o espaço filosófico no portal notícias da hora;

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