04 julho 2006

fernando diniz in obra se a representação é sempre uma repressão recalcamento da produção desejante, isso ocorre, entretanto, de maneira muito diversa, segundo a formação social considerada; o sistema da representação tem três elementos em profundidade, o representante recalcado, a representação recalcante e o representante deslocado; mas as instâncias que vêm efetuá-los são elas próprias variáveis, há migrações no sistema; não temos nenhuma razão para acreditar na universalidade de um só e mesmo aparelho de recalcamento sócio-cultural; (...) pode ser, nesse sentido, que os códigos primitivos, no momento mesmo em que se exercem com um máximo de vigilância e de extensão sobre os fluxos do desejo, encadeando-os num sistema da crueldade, guardem infinitamente mais afinidade com as máquinas desejantes do que a axiomática capitalista, que libera entretanto fluxos decodificados; (o anti-ædipo: 233)
a antropologia foi um campo fecundo para a concepção segundo a qual o texto se abre diante de outro texto, dimensões da intertextualidade (texto de borges), de que o texto não encontra seu fundo num objeto;
o plano ontológico dos objetos, a natureza, é descartado como instância criada indiretamente, construída em discursos; com ela o homem natural acaba também sendo cassado como invenção discursiva das parlendas modernas;
o texto passa a ter natureza de discurso indireto, no qual as coisas não podem ser referidas diretamente e sim, sempre, como elementos discursivos, retomados de discursos anteriores;
por exemplo, só posso reconhecer uma árvore porque tenho um arsenal discursivo sobre a variedades das árvores; portanto, só vislumbro a experiência árvore como experiência discursiva;
algo como se o texto fosse um tecido superposto às coisas, o qual nos permite comunicá-las e, portanto, construí-las no pensamento;
quando se abre essa dimensão do texto, ganha-se consciência textual sobre sua natureza discursiva e, assim, a atividade de composição ganha uma nova dimensão;
o objeto deixa sua bidimensionalidade para adquirir natureza tridimensional: espelho ante espelho; pode-se entrar com o discurso no interior de outro discurso sem descaracterizá-lo, sem calá-lo; apropria-se desse discurso: ele fala através de nós;
abre-se a quarta parede: a experiência vivida já não é mais escamoteada sob o personagem; o ator é um personagem entre outros, personagem de si mesmo, o espectador se vê em sua exterioridade atuando o papel do espectador, desdobrado;
o teatro épico se define por reivindicar o caráter discursivo do texto vivo, recriado: pulsar de acontecimento;
romper com o naturalismo, com o realismo, equivale a romper com os princípios seculares do discurso metafísico que funda relação do sentido, do homem no universo, num princípio transcendente, no modelo da representação;
a partir daí, não se pode ignorar, em termos metodológicos, o alcance da dimensão discursiva numa disciplina tão entranhada na problemática da representação quanto a antropologia;

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