04 julho 2006



realismo e antropologia II

o inconsciente não coloca nenhum problema de sentido, mas unicamente problemas de uso; a questão do desejo não é ‘o que isto quer dizer?‘ mas como isto funciona; como funcionam as máquinas desejantes, as suas, as minhas, com que falhas fazendo parte de seu uso, como é que elas passam de um corpo a outro, como se aferram sobre o corpo sem órgãos, como confrontam seu regime com as máquinas sociais? uma engrenagem dócil se engraxa, ou, ao contrário, uma máquina infernal se prepara; que conexões, que disjunções, que conjunções - qual é o uso das sínteses? isto não representa nada, mas isto produz, isto não quer dizer nada, mas isto funciona; é no desmoronamento geral da questão ‘o que isto quer dizer’ que o desejo faz sua entrada; só se soube colocar o problema da linguagem na medida que os lingüístas e os lógicos evacuaram o sentido; e a mais alta potência da linguagem foi descoberta quando se considerou a obra como uma máquina produzindo certos efeitos, capaz de um certo uso;
anti-ædipo: 234
nosso grande autor realista, o autor brasileiro que domina o panorama literário de fins de sec.XIX, é também o nosso grande construtor dos universos íntimos, dos mundos interiores, das realidades da consciência;
machado de assis é o autor brasileiro que destacadamente dedica seu talento à arquitetura das psiquês;
o grande realista é o grande psicólogo; mas não qualquer psicólogo, é um psicólogo da ironia, como só poderia ser um realista psicólogo das crônicas provincianas; assim sendo, nosso grande realista é também um psicólogo ironista; pudera, o nosso realismo não é qualquer realismo, a nossa realidade não é qualquer realidade;
o problema que devo tratar aqui é o da crítica da representação; o autor tem como alvo a literatura brasileira de sua época, uma literatura simples, positiva, provinciana; sua ironia ganha nova feição nesse contexto, ainda que ecoe atemporal;
a ironia dessa obra realista, em relação ao nosso problema, é interessante: a ironia desdobra a afirmação, desafirma uma afirmação que não pode ou não deve ser negada, induz à contradição, definitivamente não é característica típica dos romances realistas;
se a ironia coloca em cena o jogo de vozes, o autor desembesta uma verve crítica não positivista, mas ironista; via ironia dá curso à sua crítica, despistando os discursos positivos;
em sua configuração do brasil e do brasileiro traz à cena situações de autoritarismo, de submissão política, de violência psicológica; nesse universo urbano das redes de influência, seus personagens vão sendo tecidos, bordados;
não começaremos pelo defundo-autor, ainda que busquemos outra narrativa de memórias; no capítulo I, o personagem narra como ganhou sua alcunha: dom casmurro;
é aqui que começa nosso problema; um personagem introspectivo, um nome atribuído pelo mundo, exigindo de seu personagem uma máscara; por falta da máscara, lhe penduraram tal alcunha para não se esquecer que está sendo observado;
se o primeiro capítulo é do título, o segundo é do livro; como no tema do defunto-autor, aqui se inicia a situar o leitor na instância narrativa, numa referência metanarrativa; nosso autor se define por sua ausência, só lhe resta exterioridade;
o primeiro personagem é josé dias, falso botica, consegue lugar para residir junto à família, um agregado; um homem que se utiliza da imagem, das aparências para se constituir sujeito; seguem-se tio cosme e dona glória;
em a vida é uma ópera, o autor apresenta a teoria que deve guiar a narrativa; segundo seu amigo, a vida é uma ópera, da qual deus é autor do libreto e o diabo, da música, o teatro é a terra, as personagens. os seres humanos;
certo que tudo conduz desde o início para a dinâmica do impressionismo, o mundo narrado é composto de impressões;
enfim, a própria declaração de josé dias sobre bentinho e capitu é que irá transpor jovem da inocência à consciência: a mim é que ele me denunciou; a palavra pode assim criar realidades, ainda que sejam vivências interiores, conduz acontecimentos; a modificação do ato pela palavra, no caso, a relação dos jovens é a passagem da inocência, da pureza à realidade social, dos adultos, do mundo, não a do coqueiro, dos pássaros ou borboletas;

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