03 julho 2006

o indivíduo é sem dúvida o átomo fictício de uma representação ‘ideológica da sociedade; mas é também uma realidade fabricada por essa tecnologia específica de poder que se chama a ‘disciplina’; temos que deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos negativos: ele ‘exclui’, ‘reprime’, ‘recalca’, ‘censura’, ‘abstrai’, ‘mascara’, ‘esconde’; na verdade o poder produz; ele produz realidade; produz campos de objetos e rituais da verdade; o indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam nessa produção;
(vigiar e punir: 172)

desvincular ou distinguir as dimensões, as instâncias da representação e da produção que estão confundidas no discurso político, no discurso do poder (do marxismo),
o problema que esconde o dispositivo político fundamental: ao ocultar sua natureza política, potencializo seu efeito enquanto representação fiel da realidade, ou seja, quanto mais distorço, mais verossímil parece;
é esse dispositivo político que o autor visa desarmar, visto que ele já foi percebido pela crítica antropológica ao eurocentrismo, mas ainda se sonda o alcance de seu enraizamento;
a sondagem traçada por foucault encaminha-se no sentido de definir uma genealogia do discurso científico enfocando sua articulação com as demais instituições que lhe proporcionam condição material para seu aparecimento como discurso;
essa genealogia nos possibilita uma outra perspectiva do discurso científico: visto de fora, em sua gênese política, enquanto instrumento de uma ordem de poder própria, a da disciplina, desarma-se a neutralidade axiológica proporcionada pela visão de dentro, ou seja, o discurso científico descrito por esse próprio discurso;
essa representação representando a representação, resulta no esforço epistemológico da sociologia do conhecimento de retirar-se de dentro de si, para lembrar a figura do barão de munchausen;
a via filosófica e antropológica da genealogia nos possibilita a compreensão dos processos que tornaram possível a organização desse saber e sua apropriação enquanto instrumento político;
a ordenação do estado moderno, suas estratégias de controle e coerção social, sua forma de tomar para si o problema da exploração pelo trabalho, todo esse processo articula-se com o a constituição da figura pública do indivíduo, do sujeito de direito, do cidadão do discurso político moderno;
a constituição do sujeito de direito encontra no discurso das ciências humanas seu campo de desenvolvimento e intensificação;
esse discurso legitima-o, faz dele uma verdade evidente e indiscutível; todo um discurso moral da deontologia é a base de apoio para esse positivismo, para a afirmação da importância e imponência desse cidadão;
seu primeiro direito é a imposição de sua existência, sua verdade atestada nos discursos das leis; os direitos que se seguem são: à segurança, com o exército e sua organização; à saúde, com os hospitais e seus procedimentos de controle de doenças; à educação, com a escola com suas normas homogêneas e seus exames que qualificam os méritos;
com esse procedimento genealógico, pode-se perceber o caráter político dos discursos que vão dando condição de possibilidade à constituição das ciências humanas, discurso simétrico ao da infalibilidade das ciências exatas e biológicas;
esse procedimento evidencia o viés produtivo que caracteriza tais práticas, possibilitando a revisão do discurso que define o poder em termos negativos, como a ação do inimigo do povo, verdadeiro detentor da verdade;
enfocando o poder em seus processos de produção, pode-se tomar o problema do sujeito de um viés diverso daquele sob o qual havia sido abordado até então;
ao invés de se defini-lo pelo referencial da representação que caracteriza o discurso clássico, o sujeito passa a ser abordado como construção social;
deixa, portanto, de se definir por qualquer essência universal e passa a ser abordado como produto, como resultado de processos de produção;
tal guinada nos possibilita assim o capturar a dobra oculta que o discurso ocidental fazia então sobre o seu próprio corpo, oroboros, pois afirmar já é produzir;
rompe-se assim o círculo vicioso da representação para nos deslocarmos no universo da imanência no qual se constitui a produção;
o procedimento genealógico, ao romper com a imagem cristalizada dos fatos representados situa-se na instância narrativa como instância produtora, como reprodutora ou intensificadora de poder;
desloca-se do plano do referente para instaurar um circuito ativo entre narração e referente, entre instância narrativa e instância constituída, entre agenciador e agenciados;
derruba a quarta parede que caracteriza a representação e coloca atores, personagens, espectadores, autor, todos num mesmo plano, ou em planos distintos ao mesmo tempo;

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