02 maio 2009



cavellucci

educação homogênea versus processos de singularização
avaliação: do homogêneo ao singular (e vice-versa)
estilo cognitivo (allport, 1937)
a autora passa a se deter no pensamento de felder sobre a questão:
● estilo, habilidade ou estratégia: desempenho;
● estilo se refere ao caráter singular do desempenho e da aprendizagem;
● as estratégias visam otimizar o estilo;
● felder se coloca entre a homogeneização e a singularização absolutas, imaginando uma solução igualmente generalista;



comentário:

a questão
nosso pretexto é tomar o problema da singularização subjetiva a partir da abordagem de cavellucci que vê em felder maneiras de lidar com os chamados 'estilos de aprendizagem';
o que nos interessa consiste no debate em torno da noção de singularidade, em termos de processos de subjetivação, bem como circunscrever a linguagem/discurso da teoria da aprendizagem, levando em consideração a política de educação homogênea atualmente implementada pelo estado brasileiro;


contextualizando
sem dúvida, a questão dos processos de subjetivação que constituem a educação está no centro de qualquer debate significativo que vise escapar da onisciência neoliberal que domina a educação do estado brasileiro pós-ditadura;
nesse debate estão no centro antigas questões que não envelhecem dada sua atualização cotidiana;
trata-se do perfil que assume a educação de estado desse período neoliberal das últimas décadas;
o problema da orientação do estado neoliberal para uma educação de mercado, tomando inclusive os valores do mercado como o únicos existentes, em continuidade à estratégia com que o judaico-cristianismo católico ou, pior, protestante, fez em relação ao seu todo-poderoso;
se a homogeneização dos valores se define como estratégia política fundamental na generalização colonialista do estado ocidental, a singularização pode guardar certo devir-revolucionário atualizável em relação às faces contemporâneas da homogeneização;
portanto, não se trata de qualquer singularização, mas da singularização que pretende fazer frente a tais correntes majoritárias;



a abordagem generalista de felder é problemática por pressupor simplesmente valores gerenciais à educação;

isso se dá, a princípio, devido à ausência de um tratamento ou contextualização política da educação homogênea e homogeneizadora;
sabe-se que o estado possui esse caráter homogeneizador através do povo, da língua, do território, as leis;
o estado, praticamente, consiste num processo opressor ou leviatânico de homogeneização;
os nossos índios que o digam;
por outro lado, esse estado que se configura historicamente como estado capitalista, tendo sido apropriado pelo mercado financeiro, num corte histórico que podemos chamar globalismo financeiro, aprofunda um certo tipo de singularização: a singularização do consumo;
a singularização do consumo consiste no aperfeiçoamento do controle do mercado-estado que passa dos processos de controle homogeneizantes que marcam a definição da sociedade ocidental moderna e foram estudados por foucault;
esse aperfeiçoamento se dá no próprio interior dessa sociedade já homogeneizada que colonizou o mundo com seu estado, suas leis, sua religião, seus valores, levando a cabo seu processo de civilizar os povos do planeta;
ocidentalizando o mundo, pudemos singulariza-lo através do consumo, da liberdade de consumo, da variedade de produtos, inclusive subjetividades, nas prateleiras do supermercado;
com isso, os negros, em qualquer parte do mundo para a qual foram levados para serem escravizados, podem hoje consumir o estilo black is beautiful sem serem oprimidos, podem aparecer na novela, afina de contas seu poder aquisitivo tem crescido rapidamente;
aparentemente abolimos o racismo no países capitalistas, não há mais racismo ou sexismo, são ou somos todos consumidores, cada qual com seu estilo de consumo que a indústria do consumismo e do desperdício aperfeiçoou até o limite da futilidade;
uma massa de consumidores supostamente singularizada por produtos, lojas ou marcas;
as guerras do império estadunidense para impor suas leis comerciais, ambientais etc aos demais povos do mundo, ou a violência que caracteriza as relações entre os povos no brasil servem ao menos para nos lembrar de que nosso processo de homogeneização subjetiva não foi instaurado de forma pacífica;
não é de forma pacífica que um povo amazônico continua sendo desterrado da sua língua, do idioma de seus antepassados, dos costumes ecologicamente harmônicos de sua tradição para assumir o consumismo, única via da matriz subjetivante que domina o seu 'território';

chamo de 'naturalização' da educação homogênea, essa atitude de toma-la como prática ingênua que possa levar a uma solução igualmente ingênua, reduzindo o problema a uma questão técnica, circunscrita ao caráter gerencial;
naturalizar, portanto, tem o sentido filosófico de despolitizar a prática educacional, principalmente em relação a seu caráter subjetivante;


não falo de tratar essa educação em termos de ideologia ou aparelho de estado (althuser), mas em procurar entender as tendências administrativas ou burocráticas do estado, buscando entender articulado a isso minimamente a natureza, a história e os interesses políticos do estado em sua relação com a sociedade e o mercado/capital;
o que ocorre em decorrência disso é que se toma o processo de singularização, não a partir de sua importância como (de resistência na) prática política, mas a partir de preocupações gerenciais que visam reeditar o processo homogeneizador da mídia e dos aparelhos de estado, otimizando os rendimentos dos estudantes que reagem e resistem como podem à violência dos processos de homogeneização do estado capitalista;
assim, tudo se reduz novamente, tal como na educação que naturalizou o que havia de socialmente ou humanisticamente revolucionário no construtivismo que emerge com a popularização da educação pública, quando as classes populares passam a se apropriar dos recursos educacionais;
enquanto isso, o estado reage encomendando novas teorias da educação que se voltem a uma linguagem pedagógica mais tecnicista, que exorcize da educação seu ativismo social, sua militância humanista, investindo na pedagogia como instrumento gerencial de uma educação 'profissionalizante', que reduz o sujeito a técnico/consumidor;
a educação não está mais envolvida com práticas sociais, busca agora estritamente realizar as metas estatísticas do estado, varrendo para debaixo do tapete da história os séculos de opressão e desigualdade por meio da educação;
com isso, o neoliberalismo reduz a formação de sujeitos esclarecidos, críticos, humanos, ao valor absoluto da concorrência para alimentar o mercado do lucro e da exclusão;
o que é pior, além de educar para o consumismo, transforma a própria educação e os processos de subjetivação afins, numa outra fatia do mercado, em puro consumismo;
o educador não apenas ensina o consumismo, mas sua própria atividade cai no mercado, na lógica do lucro e da concorrência, quando ele também 'precisa' (isto é, é forçado) a dar ao estudante aquilo que ele supostamente 'precisa(ria)';
como escreveram meus discentes certa vez, é quando a universidade se torna faculdade caça-níqueis;



os demais processos de subjetivação
em que consiste e o que pressupõe tratar os processos de aprendizagem voltados à singularidade sem lidar com os demais processos de subjetivação ou pior, distinguindo tais processos como áreas técnicas de especialidade profissional;
isso equivale a restringir a teoria da aprendizagem a uma técnica própria da ciência régia, que visa isolar as áreas de conhecimento, ignorando assim a potência da transversalidade e continuando a investir da fragmentação que serve ao controle e desarticulação dos conhecimentos, enquanto que tal articulação poderia convergir num movimento pró-transversalidade que visasse redefinir a política de conhecimentos neoliberal adotada ultimamente pelo estado;

mesmo uma pedagogia supostamente libertária como a de paulo freire pode ser capturada por uma tal concepção generalista ou majoritária do minoritário;
trata-se, para usar da linguagem de deleuze-guattari, de não confundir os processos intensivos com propriedades extensivas;
é assim que tratar de uma pedagogia do oprimido, quando essa se torna num projeto de estado, pode se aproximar do projeto de estado para um ensino diferencia indígena;

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