27 setembro 2007

os kontanawa e o futuro da pesquisa


é preciso entender por acontecimento não uma decisão, um tratado, um reino, ou uma batalha, mas uma relação de forças que se inverte, um poder confiscado, um vocabulário retomado e voltado contra seus utilizadores, uma dominação que se enfraquece, se distende, e uma outra que faz sua entrada mascarada;
foucault, microfísica: 28

estou procurando montar e me referir a dois modelos, ou dois modos de apropriação de um modelo, um do pesquisador e outro do pesquisado;
o modelo do pesquisador fixa seus pontos no passado, a ciência tem o passado por referência, cria o futuroa partir do passado, tira o futuro do passado;
o segundo tem o passado como circunscrição, determinação, círculo e limite com o qual quer romper para fazer a história, transformar o passado e não perpetua-lo, tornar-se vítima dele nesse momento determinante do contato, dos projetos que envolvem a pesquisa e a presença do pesquisador;
o pesquisador se torna parte dessa guerra e não seu espectador passivo como o quer a teoria;
o ponto fixo do pesquisador do modelo histórico dá lugar à dinâmica que caracteriza o acontecimento;
a lógica da guerra, do acontecimento, serve melhor que o modelo histórico para acompanhar esse processo de apropriação que o pesquisado faz da pesquisa;
esse jogo de forças é apropriado pelo pesquisador quando este se desloca do probema da identidade e das regularidades próprias da retórica pseudo-científica, para enfrentar o problema dos processos de subjetivação que o pressupõem em campo como agente ativo, tirando-o da passividade própria do modelo positivista;
só então ele pode se dar conta da projeção para o futuro na qual o lança o pesquisado;
por sua própria condição o contexto emerge em torno do pesquisado;
emerge de uma perspectiva distinta daquela que o aborda e pode abordar, entre outras coisas por sua condição teórica, o pesquisador;
há uma diferença que dependerá do pesquisado superar, para que possa se apropriar dos recursos que o pequisador tem a oferecer;
na prática
a apropriação dos milton sobre o livro da mariana é um caso interessante de se detalhar, até porque ela própria já assumiu numa das postagens de seu blog o processo de subjetivação por que tem passado a mariana antropóloga;
e esse desdobramento, da subjetivação que afeta o pesquisador, é outra dimensão em que nos interessa investir mais, pois, como já me referi diversas vezes, há um grande investimento, ao longo de minha pesquisa com os guarani, na abordagem de meus processos de subjetivação;
pois bem, mariana escreveu um livro de antropologia rural cujo subtítulo publica cem anos de história nos seringais;
é notável, já no título, a proporção que o passado toma em sua abordagem etnográfica da família e do coletivo estudados;
num passado não muito distante, a pesquisadora se depara com um parentesco indígena que marca silenciosamente grande parte da família acreana, especialmente em sua porção feminina;
e por aí vai, em direção ao passado, etnografando fascinada as histórias de caboclo do patriarca e da matriarca;
o ponto culminante do livro consiste no elo que liga a família milton, propriamente dona mariana, aos seus ancestrais indígenas, quando esta conta a história de dona regina sua mãe e o episódio de sua captura por seringueiros;
o ponto mais antigo das histórias dos milton, torna-se a história seminal para a constituição de um futuro;
a história registrada, colocada no papel, assinada e documentada torna-se de passado remoto em presente e futuro urgentes;
coordenado ao movimento político interno da reserva, que não teve um desenvolvimento satisfatório, os milton encontram no livro a linha que conduzirá o futuro da família que vivenciou a aliança dos povos da floresta e conheceu o fio tênue que distingue índios de seringueiros;
a comunhão com a cultura indígena, que não foi testemunhada por tantos outros moradores da reserva, tocou fundo a vida e o destino dessa família;
a convicção da família na reserva extrativista do alto juruá é tão intensa que, não podendo modificar a realidade externa, encontraram na transformação interna o sentido e a saída para sua história de luta na construção desse espaço;
e a vantangem deste percurso não se restringe ao problema da subjetividade que vimos perseguindo, como também permite uma abordagem do problema temporal que despiste as velhas recaídas cognitivistas via esse perspectivismo todo particular;

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