28 janeiro 2011




salve

muito interessante a queda de braço entre pedro e bia
o que vcs me dizem, ela o pegou de surpresa ou ele já esperava pelo ataque?
vale a leitura na íntegra
a propósito de "cultura", o trecho segue...



12. Como você vê a expansão do interesse ocidental pelo xamanismo amazônico em geral e pela ayahuasca em particular?
Penso que todo interesse pelo xamanismo amazônico e pela ayahuasca é algo fundamental, tendo em vista, como dizia Serge Gruzinski, a "colonização do imaginário" pelo paradigma ocidental que ainda vigora neste lado do Atlântico. Em outros termos, tal interesse tende a ampliar o horizonte de experiências e conhecimentos para as diversas sociedades humanas e, de certa forma, a colaborar para a diversidade de concepções de sentido que tem sido silenciada pelo consenso global da cultura euroamericana. Por outro lado, é claro que existem processos de reificação, mercantilização e de distorção dos conhecimentos tradicionais amazônicos, já que o ponto de vista estrangeiro (e sobretudo o da classe média urbana letrada) costuma ser um tanto quanto afoito em seu modo de se relacionar com a experiência alheia. Entenda-se: a relação (especificamente com povos indígenas) costuma ser realizada mais de modo superficial ou idealizado, na tentativa de buscar respostas rápidas a curiosidades e angústias unilaterais, do que a partir de uma interlocução, convívio ou encontros efetivos, aprofundados. O xamanismo amazônico é uma coisa complexa, milenar, dotada de uma configuração ontológica radicalmente distinta da base de pensamento e de experiência ocidental. Não é algo que se compreende ou se acessa de uma hora para outra e, muito frequentemente, o que se faz é atualizar uma série de pressupostos que vêm desde o modernismo e chegam até a contracultura das décadas de 60 e 70. Ou seja, o xamanismo indígena se transforma em uma metáfora para nossos dilemas (a reintegração com a natureza, a redescoberta de si, a religação com uma totalidade perdida, a superação dos problemas derivados da neurose e do solipsismo, entre outros), ao invés de chegar a ser entendido através daquilo que ele tem de original e específico. E as coisas se tornam ainda mais confusas quando os próprios índios aprendem a operar através das nossas categorias e a disseminar um xamanismo genérico (baseado, por exemplo, no léxico da natureza) muitas vezes distinto daqueles que era (e é) produzido por seus parentes mais velhos ou pelos antepassados. Ainda mais complicada a coisa se torna, como eu dizia, quando esse xamanismo genérico se transforma em produto e circula em um ambiente cada vez mais próximo ao mercado. Mas não quero parecer (apenas) pessimista com essa análise: ocorre também um fenômeno de hibridização cultural que pode ser bastante interessante, que costuma produzir experiências rituais um tanto quanto antropofágicas bastante cativantes. Uma espécie de barroquismo ayahuasqueiro que me interessa muito.
13. Você pode explicar melhor?
A questão da ayahuasca propriamente dita me parece gerar outro conjunto de problemas. Não pretendo julgar a experiência alheia com o sagrado, pois acho que isso extrapola a ordem do discurso e da análise de processos culturais. Toda experiência com o sagrado é válida por si própria e, nesse ponto, talvez não importe tanto assim se o sujeito está dentro de um ritual conduzido por um velho xamã no meio da floresta ou por um suposto xamã urbano. Eu mesmo já tive experiências fortíssimas com a ayahuasca em São Paulo que, algumas vezes, me levaram tão longe quanto as da floresta. E isso não me parecia estar relacionado com as pessoas que conduziam o ritual. Com isso eu quero dizer que a experiência com a ayahuasca é extremamente pessoal. É uma coisa misteriosa e poderosa; algo que, em certa medida, ultrapassa as próprias condições rituais em que uma determinada pessoa pode se encontrar. Ela é um aglutinador e um dispersor de mundos, um canal para fazer com que o universo incida em você e para que você se multiplique no universo. Ela é, portanto, algo que não se detém nos problemas mais ou menos bem resolvidos de hibridização ou de distorção de tradições.
Agora, quando se trata de produzir discursos e de reproduzir processos a partir (ou em nome) da matriz alheia (o xamanismo ameríndio), a coisa se torna mais complicada. E isso porque, muitas vezes, os referenciais ocidentais tendem a mitificar as tradições indígenas e não percebem um dos sentidos mais interessantes que a própria ayahuasca tem para as cosmologias amazônicas, nas quais ela costuma ser considerada como um comutador de mundos. Não por acaso, a ayahuasca é descrita como o cinema da floresta; ela é algo que pertence justamente às experiências radicais do xamanismo com certa diplomacia cósmica e com a alteridade, e não a uma suposta experiência rousseauista do estado de natureza. Muitos de seus rituais, como bem mostrou o antropólogo Peter Gow[4], foram inclusive transformados através de um uso ribeirinho do cipó, que depois se acopla novamente no interior de cosmologias indígenas da Amazônia peruana. Ou seja, lá onde um ocidental espera pela tradição pura, por uma espécie de bálsamo primitivista, ocorre na realidade um processo complexo de tradução e de invenção...

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