28 junho 2010


Falar de Grotowski é falar da constituição da linguagem teatral ao longo da segunda metade do século vinte. Desde o teatro das companhias que floresceram com as lições da arte teatral russa de Stanislavski e outros mestres até os trabalhos de autonomia da linguagem teatral que se vê, ao longo deste século fundamental, afrontada pelos territórios ocupados pelo cinema e a televisão.
Nesse sentido, a ênfase dada à relação entre público e artista, que, para nos referenciarmos no panorama histórico oficial, remeteria ao teatro épico, referência fundamental do teatro europeu do período das guerras, vai dando lugar a um trabalho centrado no atuante, na prática do artista, na pesquisa por uma linguagem teatral específica.
Essa busca fará os encenadores e dramaturgos desse período mergulharem em textos clássicos, buscarem outras tradições a partir das quais pudessem relativizar as referências que prendiam a linguagem teatral nos moldes das culturas eurocêntricas.
Não esqueçamos ainda que, se o teatro político, originado da prática do teatro épico, ainda será duramente reprimido, mesmo com toda sua dificuldade de falar a linguagem popular, a patrulha ideológica persistirá por décadas, taxando de alienadas as buscas de ruptura com o universo ainda naturalista de certo teatro dito épico.
Esse movimento do teatro como aparência e envolvimento efêmero com o público, poderíamos chamar até de pretensão ingênua de educar o povo (função que na sociedade capitalista será atribuída devidamente à publicidade) dá lugar assim a um teatro centrado no trabalho do ator, no processo cotidiano de construção de sua arte.
O corpo passa à base do trabalho artesanal que Grotowski vai aprimorar em sua maturidade. Trata-se de um processo alquímico no qual os ensaios passam a ter outro sentido. Passam a constituir-se como o centro de gravidade do processo artístico, colocando a apresentação como marco secundário desse processo de construção elaborado ao longo dos ensaios.
Nessa descoberta do corpo como elemento alquímico do processo a noção de verticalidade constituirá uma referência. Nas palavras do pesquisador: “A questão da verticalidade significa passar de um nível assim chamado grosseiro – em certo sentido poderíamos dizer 'cotidiano' – para um nível energético mais sutil ou mesmo em direção à higher connection.” (Da companhia teatral à arte como veículo: 235)
Do o que é para o como se realiza, pois é isso que nos interessa na questão. Se a verticalidade consiste nessa transmutação, ela se dará como um sobre a linha vertical esticada entre a organicidade e the awareness, isto é a Presença.
Ainda abstrato? Utilizemos então a referência musical para o entendimento desse processo. Tomemos os cantos rituais da tradição. Eles nos permitirão remeter-nos à matéria alquímica com que lidamos. Grotowski remete a certas qualidades vibratórias que serão o sentido do canto, em detrimento de sua estrutura melódica.
Segundo Grotowski: “A melodia deve ser totalmente fixada, para que se possa desenvolver o trabalho sobre as qualidades vibratórias.” (p. 236)
Buscar referências nas tradições orais consiste numa das contribuições fundamentais de Grotowski para o teatro mundial (ou global). No entanto, para nós que habitamos a Amazônia, com seu vasto manancial de saberes antigos, abrem-se aqui infinitas possibilidades de exploração, pesquisa e produção de conhecimento em favor da floresta e seus saberes.


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