25 março 2010


a noção de representação ainda calará fundo por muito tempo em nossa forma de imaginar e criar os mundos que nos cercam;
a tradição de nosso pensamento está calcada na representação e hoje, mais que em qualquer outro tempo, vigora soberana;
mas como isso pode ser fato num tempo em que os universos virtuais ocupam a maior parte das nossas vivências;
essa distinção entre uma realidade vivida, uma realidade de fato, contraposta a uma realidade fictícia, de possibilidade, tem raízes profundas em nossas vivências religiosas, tendo encontrado no teatro uma expressão que atravessou e se modificou através dos tempos, modificando esses próprios tempos;
na constituição da sociedade ocidental, o universo apolíneo do logos, da cultura, da razão, acabou por soterrar seu complemento dionisíaco encarnado no corpo, no feminino, do instintivo;
o teatro foi um dos instrumentos desse processo;
como lhe é próprio, na medida em que serviu de instrumento, moldando a realidade segundo os valores dos tempos o teatro foi também refletindo sua própria forma;
o mundo do ocidental é visto como um palco;
seu pensamento objetiva o mundo e mesmo sua subjetividade é esboçada como um palco em que se reconhece em complexos encenados desde tempos imemoriais;
medrosos e cagüetas, nossa experiência política consiste em entrever o mundo pelas frestas de nossas janelas;
sentimo-nos todos, no fundo, como participantes de um grande reality show;
como diz siba, de um grande big brother mental;

incapazes de interagir com o real para além dos restritos critérios do mercado de trabalho, temos restritas e controladas nossas experiências de subjetividade e suas possibilidades;
iludidos com as possibilidades da tecnologia e do consumo privilegiado, nos sentimos ainda mais frustrados, a mercê das indústrias farmacêuticas ou do mercado da auto-ajuda, que inclui a massificação televisiva da religiosidade intolerante e racista;
não se trata, hoje, contexto tão particular em termos culturais, em que nos envolve essa rede onipresente, de pensarmos novos caminhos para o teatro;
que futilidade nos reduzirmos a isso;

trata-se mais de usarmos o teatro para liberarmos campos de possibilidade num real reduzido à liberdade de consumo;
libertar-se da representação para assumir a performance como pura expressão;
não se trata de arte pela arte;

trata-se de assumir como real o que se passa no palco e a vivência que se tem de espectador;
pois o surto báquico não consiste numa atuação do ator profissional, e sim na experiência a ser vivenciada com a abolição do espectador, do homem comum;
é essa irrealidade que ameaça a verdadeira realidade;
se pareço louco é antes pela penetração da normalidade e a violência com que controla e põe ordem nos universos artísticos para que não invadam nossas ordens psíquicas;
nosso corpo, nossa voz, nossa atuação, nossas performances;
tudo justificado pelo tal ‘sujeito’ que somos cada um de nós, com família, nome, rg, cpf, história de vida etc;
tudo justificado por essa linha divisória que marca (cada vez mais) tão bem (e serve tão bem nossa hipocrisia, afinal, brasília é tão longe do brasil) a diferença entre realidade e ficção;

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