30 março 2010


introdução
aceitamos o desafio de elaborar uma resenha do principal capítulo do livro de maria cândida moraes, o paradigma educacional emergente;
nesse capítulo a autora define as bases do que seria o paradigma emergente no que tange à educação;
optamos organizar nossa abordagem do texto da autora a partir de pontos problemáticos que suscitam o debate em torno do tema paradigma educacional emergente;
em seguida tomamos um ponto que nos interessa aprofundar no debate com esse texto instigante;

pontos problemáticos
dentre os pontos problemáticos que destacamos no texto estão:
experiência política: o texto desconsidera que nossa democracia resulta de uma ditadura e não coloca em jogo o valor e o contexto político, tratando uma realidade pressuposta;
a educação como direito: o texto tem a mesma postura com relação à educação, tomando como predeterminada e não problemática a função social da educação e seu valor;
perspectiva do centro: a fala da autora não toma a perspectiva da borda, isto é, do educador, e sim do burocrata, quem busca um modelo para generalizar práticas e concepções num discurso homogêneo;
os dois primeiros problemas casam com essa perspectiva de discurso de estado que está sendo utilizada pela autora, pois o plano de transcendência, que escamoteia valores em vez de externá-los, é típico desse tipo de enunciado;
construção de narrativas: esse é um dos problemas instigantes colocados pelas ciências humanas;
trata-se de escapar da ditadura do conteúdo para se apropriar da expressão como dimensão constitutiva do conhecimento;
esse é um problema central da antropologia: como perspectivar perspectivas?

mesmo sendo o objeto do próximo tópico, é necessário introduzir como ponto problemático a relação entre forma e conteúdo; a maneira superficial, de um generalismo jornalístico, com que o tema do paradigma epistêmico é tratado prejudica o seu objetivo;
de uma apresentação do suposto paradigma emergente, passa-se a um manifesto de como e pensar e agir na nova era do regime quântico;
é aí que volta à tona, na forma de sintoma, o descompromisso do texto com uma abordagem antropológica das implicações políticas de um paradigma, seja ele emergente ou não;

ciências duras e humanidades
a escolha do modelo científico para determinar as características do paradigma educacional deve-se a essa opção pela generalização;
segundo a autora, o modelo de ciência influencia o pensamento, a vida, a socialidade, o sistema de valores, mas como se dá essa interação e de que forma o sistema de valores, a economia, a política de certa época influencia e até determina o pensamento científico;
uma das grandes conquistas da epistemologia moderna foi a noção de discurso, conforme elaborada por foucault em as palavras e as coisas e arqueologia do saber, que visa dar conta da produção de ciência, da ciência como produto social, como prática que envolve outras práticas, outros discursos, outros regimes de valor;
seguindo a orientação foucautiana que traz à tona os processos de produção discursiva e sua política social em relação ao estado e suas instituições, remetemos a nietzsche, o filósofo que se lançou pioneiro nesse processo de desconstrução dos valores que sustentam a ciência autoritária do homem ocidental, proprietário da concessão da verdade;
a proposta de desconstrução do paradigma oficial converge para o problema da relação entre pensamento e política, ou, nas palavras de deleuze-guattari, entre ciência régia e pensamento nômade;
a ciência régia, isto é, o pensamento instituído e hegemônico do centro, por definição, refere-se a si e tudo o mais desde o seu conjunto de valores devidamente ordenados para a manutenção de sua hegemonia;
assim que ocorre a manutenção e o controle dos centros emissores de verdade; nesse contexto, pressupor a educação de estado e seu discurso como libertários, será justamente amansar o discurso libertário que deveria justamente exercitar-se na desconstrução desses valores hegemônicos tornados discurso;
por isso, não se trata de trocar um modelo por outro, um rei por outro; não se trata da sucessão de paradigmas como de uma atualização no discurso da gestão educacional;
isso se o objetivo for realmente a autonomia dos tais sujeitos sobre si e seus processos subjetivos, incluindo o universo do conhecimento detido pelo discurso educacional;
erigir paradigmas: eis o que qualifica especificamente o paradigma contra o qual nos voltamos;
por isso, em nossa prática discursiva, não podemos incorrer nesse erro; há uma diferença fundamental aqui entre teoria e prática, ou melhor, entre aquilo que deleuze-guattari chamaram plano de transcendência e plano de imanência;
não se trata de falar de ou em nome de um paradigma emergente, não se trata de teorizá-lo antes de realiza-lo/construí-lo;
falar em nome de um paradigma emergente é buscar a sua instituição; há quem diga que isso seja inevitável;
no entanto, imaginamos um minoritário como puro movimento, anônimo, nômade, que se dá pelas franjas, antes ruindo com o hegemônico por sua própria natureza revolucionária;
dada a sofisticação do aparelho de captura, esse devir-revolucionário, que persiste em atravessar nossa experiência cotidiana, já foi muitas vezes dado como extinto;
uma certa arte (o artístico) tem restado como um (não único) espaço privilegiado na concepção de subjetividade, talvez pelo espaço que deixa aberto a expressões que não se deixam definir pelo consenso, suas linhas de fuga;
o projeto de aproximar arte e pensamento, de revelar a dimensão estética do pensamento, está em abrir mão da imagem da ciência definida pela verdade, da função institucional do discurso científico, para que se possa retomar o pensamento científico no que ele tem de revolucionário;
trata-se de acreditar que a ciência, o pensamento científico não se reduz ao consenso exigido pela noção verdade que não serve senão para ocultar um regime de valores e um conjunto de práticas de controle e ordenamento social; mas resta a dúvida: pode a arte resgatar alguma dimensão da ciência que não sido capturada pelo consenso da verdade ou deve a ciência definitivamente deixar de se chamar ciência assumindo todo e qualquer pensamento como arte;
para se tratar dos discursos como dispositivos que orientam e são orientados por práticas, como o fez michel foucault, há que se propor uma genealogia das instituições e suas práticas sociais no contexto das funções do estado, isso tudo feito a partir de uma relativização crítica do discurso da modernidade, herdeiro do iluminismo, que desempenha a função de instituir uma ordem pública;
como a perspectiva que nos conduziu a essa análise cuidadosa dos discursos (jurídico, sanitário, médico, pedagógico etc) das instituições públicas foi uma perspectiva crítica e não uma abordagem positivista, certo é que mantenhamos essa mesma perspectiva;
tomar o estado, suas instituições e sua relação com os sujeitos como dado consiste justamente na abordagem contra a qual investimos;
é justamente aí que se encontra o ponto problemático, o nosso ponto de partida;
o discurso das instituições na modernidade, em função do estado, possui a função de normalização e marcação da diferença;
nisso, tal como organização jurídica, o estado é herdeiro da velha estrutura burocrática da igreja católica;
não se deve tomar o estado ou qualquer de suas instituições como estimuladores da diferença, da autonomia ou do espírito libertário, sem munir-se minimamente de justificativas;
tomar as ciências duras de forma isolada, sem relacioná-la com as revoluções nas ciências humanas;
isso resulta em manter muitos conceitos e concepções que criam uma dificuldade de diálogo entre essas diversas abordagens do conhecimento;
deixar de mediar o diálogo entre ciências duras e educação com a tradição do pensamento humanista me parece um erro crucial da autora;
se a ciência revolucionou a imagem moderna do mundo, as ciências humanas revolucionaram tanto quanto as imagens do sujeito, da subjetividade, da socialidade, de si próprias etc;
com isso a autora se alheia da própria matéria de seu discurso, pecado capital das ciências humanas que é, afinal de contas, onde a autora situa sua perspectiva epistemológica;
essa ênfase nas ciências duras acaba levando a autora a afirmar sintomaticamente que capra nos teria ensinado que não há ciência ou disciplina mais importante que a outra;
ao optar por uma passagem direta, sem intermediários, da física para um paradigma educacional emergente, a autora se arrisca em outra pedra de toque de um humanismo ‘escaldado’ desde sua relação com as ciências duras que culmina com o positivismo;
estou falando aqui do objetivismo, pois é nele que a autora incorre ao reduzir os fenômenos sociais às supostas leis universais da física quântica;
por fim, tratando-se de um paradigma educacional sentimos falta da perspectiva educacional inserida em seu contexto humanista;

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