15 novembro 2009

caosmose
pelo menos três tipos de problemas nos incitam a ampliar a definição da subjetividade, de modo a ultrapassar a oposição clássica entre sujeito individual e sociedade e, através disso, a rever os modelos de Inconsciente que existem atualmente: 1) a irrupção de fatores subjetivos no primeiro plano da atualidade histórica, 2) o desenvolvimento maciço de produções maquínicas de subjetividade e, em último lugar, 3) o recente destaque de aspectos etológicos e ecológicos relativos à subjetividade humana;

[...]
a consideração dessas dimensões maquínicas de subjetivação nos leva a insistir, em nossa tentativa de redefinição, na heterogeneidade dos componentes que concorrem para a produção de subjetividade, já que encontramos aí: 1. componentes semiológicos significantes que se manifestam através da família, da educação, do meio ambiente, da religião, da arte, do esporte; 2. elementos fabricados pela indústria dos mídia, do cinema, etc; 3. dimensões semiológicas a-significantes colocando em jogo máquinas informacionais de signos, funcionando paralelamente ou independentemente, pelo fato de produzirem e veicularem significações e denotações que escapam então às axiomáticas propriamente lingüísticas;

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a subjetividade não é fabricada apenas através das fases psicogenéticas da psicanálise ou dos "matemas do inconsciente", mas também nas grandes máquinas sociais, mass-mediáticas, lingüísticas, que não podem ser qualificadas de humanas;

[...]
atualmente não se podem dissociar as teorias do inconsciente das práticas psicanalíticas, psicoterapêuticas, institucionais, literárias etc, que a elas se referem;
o inconsciente se tornou uma instituição, um "equipamento coletivo" compreendido em um sentido mais amplo;
encontramo-nos trajados de um inconsciente quando sonhamos, quando deliramos, quando fazemos um ato falho, um lapso...
incontestavelmente as descobertas freudianas - que prefiro qualificar de invenções - enriqueceram os ângulos sob os quais se pode atualmente abordar a psique;
portanto, não é absolutamente em um sentido pejorativo que falo aqui de invenção!
assim como os cristãos inventaram uma nova fórmula de subjetivação, a cavalaria cortês, e o romantismo, um novo amor, uma nova natureza, o bolchevismo, um novo sentimento de classe, as diversas seitas freudianas secretaram uma nova maneira de ressentir e mesmo de produzir a histeria, a neurose infantil, a psicose, a conflitualidade familiar, a leitura dos mitos, etc...
o próprio inconsciente freudiano evoluiu ao longo de sua história, perdeu a riqueza efervescente e o inquietante ateísmo de suas origens e se recentrou na análise do eu, na adaptação à sociedade ou na conformidade a uma ordem significante, em sua versão estruturalista;

na perspectiva que é a minha e que consiste em fazer transitar as ciências humanas e as ciências sociais de paradigmas cientificistas para paradigmas ético-estéticos, a questão não é mais a de saber se o inconsciente freudiano ou o inconsciente lacaniano fornecem uma resposta científica aos problemas da psique;
esses modelos só serão considerados a título de produção de subjetividade entre outros, inseparáveis dos dispositivos técnicos e institucionais que os promovem e de seu impacto sobre a psiquiatria, o ensino universitário, os mass mídia...
de uma maneira mais geral, dever-se-á admitir que cada indivíduo, cada grupo social veicula seu próprio sistema de modelização da subjetividade, quer dizer, uma certa cartografia feita de demarcações cognitivas, mas também míticas, rituais, sintomatológicas, a partir da qual ele se posiciona em relação aos seus afetos, suas angústias e tenta gerir suas inibições e suas pulsões;

[...]

que processos se desenrolam em uma consciência com o choque do inusitado?
como se operam as modificações de um modo de pensamento, de uma aptidão para apreender o mundo circundante em plena mutação?
como mudar as representações desse mundo exterior, ele mesmo em processo de mudança?
o inconsciente freudiano é inseparável de uma sociedade presa ao seu passado, às suas tradições falocráticas, às suas invariantes subjetivas;
as convulsões contemporâneas exigem, sem dúvida, uma modelização mais voltada para o futuro e a emergência de novas práticas sociais e estéticas em todos os domínios;
a desvalorização do sentido da vida provoca o esfacelamento da imagem do eu: suas representações tornam-se confusas, contraditórias;
face a essas convulsões, a melhor atitude consiste em visar ao trabalho de cartografia e de modelização psicológica em uma relação dialética com os interessados, os indivíduos e os grupos concernidos, quer dizer, indo no sentido de uma co-gestão da produção de subjetividade, renunciando às atitudes de autoridade, de sugestão, que ocupam um lugar tão destacado na psicanálise, a despeito de ela pretender ter escapado disto;

guattari
caosmose

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