08 junho 2009




não se pode pensar o corpo do homem sem ele ser desenvolvido na história, ou sem ter um sentido social; nem tampouco sua mente social, cultural e historicamente forjada, sem sua base biológica, pois esses dois aspectos se relacionam por um processo de mútua determinação;
(pulino, lúcia. a teoria sócio-histórica de vigotski, http://uab.unb.br/mod/resource/view.php?id=29069)

o ser humano criou e cria instrumentos materiais (ferramentas, máquinas) que fazem a mediação entre ele e o mundo e têm facilitado sua sobrevivência face aos perigos naturais primitivos e aos obstáculos de toda ordem que se lhe têm apresentado ao longo de sua existência;
além desses instrumentos materiais, o ser humano criou instrumentos psicológicos, os signos, que auxiliam no controle da atividade psicológica; (op. cit.)

em um momento posterior, o homem descobriu a forma de dominar e registrar as quantidades por meio do princípio de correspondência um a um; (op. cit.)



a ecosofia mental, por sua vez, será levada a reinventar a relação do sujeito com o corpo , com o fantasma, com o tempo que passa , com os “mistérios” da vida e da morte;
ela será levada a procurar antídotos para a uniformização midiática e telemática, o conformismo das modas, as manipulações da opinião pela publicidade, pelas sondagens etc;
sua maneira de operar aproximar-se-á mais daquela do artista do que a dos profissionais “psi”, sempre assombrados por ideal caduco de cientificidade;
guattari, as três ecologias, 1990: 16

embora foucault remonte aos gregos, o que lhe interessa em o uso dos prazeres, bem como em seus outros livros, é o que se passa, o que somos e fazemos hoje: próxima ou longínqua, uma formação histórica só é analisada pela sua diferença conosco, e para delimitar essa diferença; nós nos damos um corpo, mas qual é a diferença com o corpo grego, a carne cristã? a subjetivação é a produção dos modos de existência ou estilos de vida;
deleuze, conversações, 1992:142




penso que tanto instrumentos quanto signos podem ser vistos de uma perspectiva tanto técnica quanto lúdica ou estética;
é possível, via filosofia (e mesmo algumas correntes da psicologia), invocar uma imagem do humano marcada pela brincadeira e pela busca estética, deslocando a suposta necessidade que guia o funcionalismo positivista em suas necessidades obsessivas de a tudo explicar, de entender o pensamento em função da explicação e tomar isso como pressuposto e palavra de ordem;
a arte nos conduz por outros caminhos que não o da explicação e sim o da experimentação;
não necessitamos pressupor um ideal caduco de cientificidade herdado de outros tempos e outras realidades por um compromisso canônico ou dogmático com certa imagem da história e do conhecimento;
não há dúvida que o humano e seu 'corpo' com seus afectus e perceptus não se reduz a conceptus, ao cogito, e que esse 'corpo' se desdobra em suas dimensões sociais, políticas;
mas esse 'corpo' não quer ser 'explicado', menos ainda 'cientificamente', isto é, ser ordenado e organizado, mandado de volta ao conceptus;
se queremos tratar mesmo de um corpo liberto das amarras tradicionais do cogito, podemos considerar o corpo da linguagem que é o plano de imanência em que criamos e recriamos a experiência de 'corpo' nossa e dos estudantes com quem interagimos;

é com essa articulação de conceptus, afectus e perceptus que se propõe uma perspectiva estética da interação entre ontogênese/filogênese e subjetividade, isto é, dos processos de subjetivação;
portanto, não se inicia aqui com a distinção entre as instâncias maquínicas e sígnicas, e sim, o ponto de partida consiste justamente da indiscernibilidade dessas dimensões;
essa é, aliás, a própria possibilidade de algum construtivismo, ou seja, a desconstrução de uma pressuposta distinção representação/realidade que fundamentaria o humano e sua condição;

desfazendo a distinção signo/referente, representação/realidade, passamos a trabalhar com o plano de imanência (isto é, não 'referir' mas 'construir') que constitui o 'entre' esses extremos ideais, passamos a operar a produção de subjetividades;
esses processos de subjetivação não são qualquer novidade, menos ainda depois de um século de publicidade (ou do século da publicidade);
o problema é que enquanto os meios de comunicação de massa se dedicaram, com o nosso aval e reconhecimento e com as bençãos do mercado, a aperfeiçoar os processos de subjetivação, a ciência se ateve aos seus ideais caducos de cientificidade e a arte foi dominada pelo fetiche da mercadoria, se tornando design, um apêndice da publicidade;

potencializar o pensamento e a arte como processos de subjetivação, como práticas que visem como produto não apenas objetos comercializáveis, mas que vise também como produto os processos de subjetivação;
penso que o teatro será, entre as artes do pensamento, aquela que tem grandes chances de proporcionar experiências de subjetivação envolvendo conceptus, afectus e perceptus em suas dimensões políticas, culturais e sociais;


ao suprimir a distinção representação/real, signo/referente, como pressuposto do pensamento, problematizamos a distinção pressuposta entre ciência e arte;
problematizada por epistemólogos do calibre de bachelard, foucault, deleuze/guattari entre outros, essa consiste numa questão fundamental para a prática da arte e sua aprendizagem, bem como para os enunciados produzidos a partir de tais práticas;
para não nos determos nos interessantes desdobramentos da questão da distinção ciência/arte, pressuposta em nossa tradicional imagem do pensamento, propomos seguir com a expressão artes do pensamento minoritário para se referir às práticas de arte e seus processos de aprendizagem;


as artes do pensamento minoritário, proporcionam pensar com o corpo, em lugar de atar-se aos ideais caducos de cientificidade que ainda nos iludem a abandonar a singularidade e a multiplicidade inerentes à criação, para nos evadirmos em busca dos padrões homogêneos que nos permitam comprovar, com fim em si mesma, a verdade dos universais;
em vez de buscar entender as artes e seus processos de subjetivação com os ideais caducos de uma ciência que, em sua matriz epistêmica, já se pressupõe distinta dos processos dessa mesma arte, ou então visa determina-los a partir de sua imagem da verdade, faremos desconstruir tal imagem, convergindo automaticamente numa subjetivação por conceptus, afectus e perceptus que denominamos artes do pensamento minoritário;

as pressuposições e evidências com que se assumem certas concepções podem nos servir como matéria para a desconstrução dessas verdades;
a funcionalização da linguagem em relação ao tempo e seu descolamento é problemática na medida que remete imediatamente a linguagem à representação, suprimindo toda a dimensão imanente da pragmática;

“A linguagem descola o ser humano do aqui-e-agora e permite que ele lide com elementos não presentes no momento da ação.” (op. cit.)

considerar a linguagem a partir dos elementos que estão ausentes, o referente, é alienar-se imediatamente do que lhe é imanente e cada vez mais fundamental, de acordo com os enunciados da pragmática, em seu entendimento;
isso porque a pragmática consiste na abordagem da linguagem que proporcionará uma problematização de sua dimensão imanente em detrimento da dimensão transcendental que fundamenta a concepção representativista da linguagem, privilegiada na imagem do pensamento positivista;
portanto, será essa abordagem proposta pela pragmática, privilegiando a imanência, que fornecerá melhores imagens da linguagem para se operar com os enunciados, as artes do pensamento minoritário;
apreender como funciona a linguagem, como operam os enunciados, já consiste em praticar as artes do pensamento minoritário, em proporcionar agenciamentos que se desdobrem imediatamente em processos de subjetivação;


privilegia-se assim as continuidades práticas de signos e máquinas, mais que a sua distinção objetivante e explicativa;
ao elaborarmos um filme como o que será de nós..., estamos criando subjetivação numa interação de máquinas e signos em que gostaremos de ver mais continuidades entre corpos e máquinas que as distinções que determinam onde começam uns e terminam outros;
o maquínico, tomado como condição dos processos de subjetivação, já não pode mais ser distinto com tanta simplicidade de um suposto sujeito, até porque, ao se operar com processos de subjetivação, desfaz-se a clássica imagem do sujeito transcendental, razão de ser de tantas páginas da psicologia;
daí o maquínico se constituir como possibilidade para a produção de enunciados maquínicos em lugar de enunciados que 'expliquem de fora' o maquínico (e sua apropriação em processos de subjetivação);


insiste-se, no entanto, em determinar a linguagem como instrumento de representação, abortando seu potencial criativo, de intervenção e recriação da imagem que faz do mundo;
nessa apreensão representativista da linguagem vigora sua concepção conceitual, sua dimensão de conceptus, própria da concepção do sujeito segundo a tradição racionalista;

nessa concepção, o 'desenvolvimento', seja ele real ou potencial, se dá como reprodução de um mundo já significado, desconsiderando o 'desenvolvimento potencial' como campo propício da prática construtivista;
mais que o acerto e o interesse criados nos estudantes e atribuíveis à zona de desenvolvimento proximal, em nossas práticas de sala de aula nos é mais importante lidar e entender como se constrói coletivamente, pela campo social construído pelos alunos, o desinteresse, a rejeição por uma linguagem científica que está em desacordo gritante com sua realidade discursiva cotidiana;
o conflito de valores entre educador e estudante reflete muitas vezes os conflitos de nossa sociedade desigual e violenta, na qual queremos impor o discurso de uma classe dominante sobre os demais;
é assim que tentamos vender o nosso peixe, a educação do estado, apelando para a ambição e o futuro individual de cada estudante, a responsabilidade com a família, a culpa e outros derivados de nosso discurso moralista;
tentamos domá-los, assim, pois o descompasso entre as promessas da educação, do estado e do mercado, entram em choque com o colapso social vivenciado no cotidiano desses jovens;

para finalizar, penso que as artes do pensamento minoritário, isto é, as artes enquanto processo de subjetivação, podem fornecer, a alguns desses estudantes, instrumentos práticos de intervenção no seu cotidiano e na sua sociedade;

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