23 outubro 2008



a disputa por perspectivas se contrapõem à idéia de uma interlocução ou parceria;
contrapõe-se à concepção totalitária o regime histórico [legitimidade da ciência régia: verdades de estado, segurança dos regimes de verdade afirmativos no lugar do questionamento dos pressupostos e da desconstrução das verdades estabelecidas] uma tensão que considera os usos que os interlocutores fazem um do outro, mas, mais importante, a interpenetração dessas perspectivas;
isso se combina à noção de perspectiva conforme proposta acima;

isso se constata mais evidentemente na forma como os kuntanáwa se apropriam do discurso antropológico em função de seus direitos e como se adiantam à antropologia e ao seu reconhecimento organizando-se 'como povo' a partir e em função de suas demandas e mesmo criando outras demandas próprias, que convergem para seu processo próprio de diferenciação em relação aos 'brancos' da reserva e sua política ambiental interna;
pode aqui ser desenvolvido uma problematização da disputa por perspectivas a partir da combinação que fazem os kuntanáwa de conhecimentos tradicionais e conhecimento ocidentais (especialmente a antropologia, mas articulada com política de estado, políticas públicas, legislação, legislação ambiental, movimento sociais etc) na formulação de seus processos subjetivos;

atente-se para que o vínculo com o regime de conhecimentos e políticas ocidentais faz com que se evidencie uma identidade kuntanáwa, mais que esse processo dinâmico que aqui se busca captar;
isso se deve aos efeitos visados pelos indígenas com seus processos de subjetivação;

em relação aos ashaninka, as pontes entre mundo indígena e mundo ocidental são uma constante nas práticas subjetivas de seus projetos comunitários das últimas décadas ou fase pós-demarcação territorial;
[são evidenciados nos diversos recursos de subjetivação elaborados por ele nas regiões de fronteira étnica;]
seus diálogos e sua ressignificação dos conhecimentos ocidentais vão ganhando complexidade com suas experiência de pesquisa até a concretização do projeto yorenka ãtame;

em termos de perspectiva, o projeto yorenka ãtame consiste na construção de uma plataforma, de um agenciamento coletivo de enunciação próprio ao conhecimento nativo, à apropriação nativa de conhecimentos;
tal agenciamento processual afronta, no sentido de uma antropologia simétrica, especificamente a antropologia;
o que os índios estão fazendo aqui é produzir conhecimento como forma de alternativa ao sistema de conhecimentos ocidental, representado pela escola e pela universidade;
esse agenciamento escapa aos nossos regimes enunciativos antropológicos e coloca problemas interessantes diante do projeto frustrado de uma universidade da floresta que se define efetivamente como uma graduação para os professores de escolas indígenas do estado;

antes de qualquer coisa, o que fazem os ashaninka ao propor processos de subjetivação com indígenas e não-indígenas, é operar num campo que definimos como antropologia;
em lugar de assessoria antropológica para o desenvolvimento de seus projetos, os indígenas ocupam um campo aberto e inexplorado pelos próprios antropólogos;
concebem uma forma de praticar antropologia e criam, a partir daí, um campo de atuação e, porque não, um mercado [mercado do empreendedorismo social];

nesse campo de produção de conhecimento e proliferação de processos de subjetivação, a antropologia já não pode entrar desprevenida, de posse de suas velhas categorias, simples, unilaterais, monistas etc;

ainda que continuemos a pensar na chave da interlocução pacífica entre sistemas de conhecimento, entre processos de pesquisa, é inevitável considerar que se tratam de práticas subjetivas e projetos de coletividade/socialidades que se relacionam pela diferença, pelo contraponto dos regimes sociais que pressupõem esses sistemas de conhecimento;

atente-se para o fato de que o conflito próprio a essa relação de perspectivas e seus respectivos sistemas de conhecimento, não se dá na forma simples de uma disputa ou concorrência por resultados ou mercados;
o conflito todo, assim como se constituiu de uma problemática relação entre povos e sistemas de conhecimento colonizadores e colonizados [pra começar], deve se desdobrar na forma de relações, de composições, de parcerias etc sempre variando entre conjunções e disjunções conforme os interesses e os momentos/contextos;

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