03 setembro 2008



há muito nossa tarefa enquanto homens de conhecimento deixou de se definir por uma busca explicativa de uma verdade pré-estabelecida no mundo;
aliás, depois de se apreender a apropriação política dessa imagem do conhecimento para conformá-lo ao arsenal de aparelhos de captura, de dispositivos de controle social, nossa tarefa se define ou se caracterizaria melhor pela prática contra-explicativa, por buscar definir métodos que demonstrem o que não é, métodos de produção de conhecimento anti-positivistas, que permitam lidar com tais procedimentos de configuração de realidades;
daí, como ponto de partida, uma redefinição, a partir dessas bases, das maneiras de conceber e fazer uso da linguagem;
isso porque a verdade se desloca quando se passa de uma imagem do conhecimento voltada à positividade do mundo, à objetividade absoluta, para uma imagem do conhecimento que se desdobra em plano de imanência e não se distingue como produtora de signos do mundo a conhecer;
aqui o discurso se posiciona na berlinda, em meio ao combate das coisas por se fazerem perceber;
não está mais alheio ao campo das intervenções [políticas, sociais etc], pois assume-se e meio a elas;





mas como fazer se aprendemos a pensar assim, se essa é a imagem do conhecimento que possibilita o funcionamento de nossa racionalidade, como entender essas exigências estéticas quando o que se exigia antes era a objetividade;
como lidar com jogo de espelho dos virtuais quando nosso pensamento esteve voltado até então para a individuação de atualidades, ainda que atualidades sempre defasadas por que suprimidas de seus devires;
renunciando à imagem objetivadora o pensamento o que nos resta, que orientações seguir, se estamos ainda habituados a nos dizerem o que fazer, como podemos criar outros procedimentos que não aqueles já estabelecidos sobre nossos valores;




é quando deixamos de trabalhar com o mundo, de explicar as coisas e passamos a nos concentrar sobre as palavras, os discursos que explicam as coisas, que configuram as percepções, quando percebemos que uma explicação não tem valor em função da coisa explicada, mas enquanto processo de produção de sentido, de controle perceptivo e social, controle de sentidos, convergências valorativas que se dão na forma de palavras de ordem que nos explicam como deve ser a realidade para o nosso bem;
vale aqui arrolar uma série de expressões comuns, ditos que se tornaram populares durante o período da ditadura, quando uma realidade política autoritária se fazia valer à força e com o cinismo daqueles que se sabem interventores autoritários;
o interesse sobre tais expressões e sobre esse momento histórico decisivo consiste na sua presença em nosso caráter passivo e conformista, que se revestiu de certo cinismo a partir da convivência com o espírito autoritário do militarismo nas condições de exclusiva força de estado (ai-5);
penso que aqui está uma chave interessante para a compreensão e utilização do positivismo como contraponto do perspectivismo que estamos a experimentar, pois assim podemos lidar com o caráter autoritário com que se fez passar de aspirações democráticas para uma ordem neoliberal tomada como condição inqüestionável;
isso nos possibilitará lidar com traumas utilizados pelas mídias de massa para dar curso ao projeto 'dos militares' de implementação de um submisso liberalismo nortista, inicialmente percebendo a continuidade entre esses regimes, que não se restringe às suas políticas econômicas;
o que se nota, tanto no campo semântico, como nas expressões cristalizadas, é o caráter conservador, a assegurar a ordem e a manutenção da hierarquia social, tomando, conforme a tradição colonial, o direito como privilégio que diferencia e não como princípio de igualdade;
nessa economia, a distribuição da cidadania terá na classe jurídica, com sua relação promíscua com o estado autoritário, um lugar fundamental;
inclusive a concepção que elaboramos de direito, ordem, força, justiça etc antes de se definirem [e longe de sê-lo] como universais, se constituem e caracterizam a partir de suas apropriações e usos brasileiros, demasiado brasileiros;




o tão fora de moda [falamos de 1968: num mundo já globalizado ao menos pelas ditaduras ditadas pelo globalismo das corporações centralizadas na norte-américa] positivismo nacionalista da mentalidade ainda provinciana e colonialista [mas que cumpria as fórmulas liberais de mercado], aferrou-nos à identidade brasileira das aulas de educação moral e cívica, cujo nacionalismo de restrições de uso ganhou forma nas economias que louva[va]m a dependência do norte neocolonizador;
nacionalismo de fachada enquanto entregavam-se nossas riquezas minerais, mão-de-obra e mercados consumidores estratégicos, tudo orquestrado com a velha imagem democrática dos políticos corruptos, autoridades representativas de seus próprios interesses e dos interesses de seus aliados na pilhagem dos recursos públicos;
uma velha ordem social que visa se perpetuar e perpetuar os aliados que a legitimam;
assim, enquanto engolíamos o autoritário discurso patriótico e puritano [dos mais retrógrados e violentos entre as diversas forma de controle social] nas aulas de educação moral e cívica, nosso futuro era negociado nas rodadas de negociações por representantes democráticos dos interesses das corporações globalistas;
esse é o passado imediato que nos ressoa e que as mídias de massa [sempre voltadas para sua imagem de futuro] ocultam, enquanto nos ocupam com um lixo consumista altamente tóxico, pois se impregna mais e mais em nossas subjetividades, tornando-nos cada vez mais apáticos e semelhantes aos nossos irmãos consumistas do norte;o lugar efêmero e singular desses discursos, dessa expressões que resultam de um exercício de poder determinado servem bem à abordagem, aos procedimentos de trato da imagem de verdade que pretendemos desdobrar;
tomamos o caráter quase literário desses ditos, visto que o que nos interessa é menos as intencionalidades dos personagens e mais as virtualidades, a nuvem de virtuais indiscerníveis daquilo que está atualizado;
de que forma esse imaginário conservador [que rebate sobre uma concepção positivista do real] nos influencia hoje, que práticas de socialidade respondem imediatamente a seu apelo, em que medida, ou melhor, por que condutos ele configura nossas práticas de ensino-aprendizagem e a imagem do pensamento que elas atualizam;
em que pressupostos, em que não-ditos, em que medos ressoam essas práticas de violência associadas ao conservadorismo, à conservação de nossa condição social definida como ordem;
que outras formas de violência, que outras formas de censura sucedem e dão novos sentidos à maneira com que fomos imaginados pela ditadura militar;
ponto: porque o tema ganha área especializada e, portanto, estanque, em lugar de se dissolver no complexo da problemática social contemporânea, de ocupar seu lugar central nessa problemática;
o silêncio sobre alemanha nazista, uma sua esquizoanálise, pode ser pensado, com as proporções devidas, em relação aos nossos devires: devir-torturador, devir-assassino, devir-espião, devir-fascista;
tais devires não desapareceram, como querem cinicamente as pseudo-democráticas mídias de massa impor, eles nos povoam em nossa socialidade;
o que não podemos é nos forjar à figura, desejada nas mídias de massa, de democratas de fachada, [revestidos de uma fina camada de tolerância: nós, os neonortistas vencedores do liberalismo] enquanto em solo fértil as sementes do fascismo só esperam a primeira chuva para brotarem e engalharem viçosas;





o exacerbamento das palavras de ordem nos discursos autoritários de violência ontológica podem no fornecer um campo interessante para fundarmos nossas práticas de conhecimento, nossa imagem da verdade articulada a instituições como o estado e seu complexo jurídico;
acredito que haja uma conexão direta entre o autoritarismo violento que se cristaliza nessas expressões e as formas da verdade que se definem pelas instituições sociais competentes: escola, pesquisa, ciência, direito, legislativo, igreja etc;
assim, poder-se-á articular o interesse e os projetos da política de estado militar em relação à educação;
a imagem do ensino, da verdade, do saber, da prática, enfim desse campo semântico que se conecta em torno das práticas de ensino-aprendizagem, desde os mais próximos e oficiais até aqueles marginais;
o período militar, não por acaso, coincide com o início da efetiva democratização do ensino escolar gratuito e obrigatório, tendo marcado sobretudo o ensino fundamental;

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