17 setembro 2008



deleuze: entrevista 80
qual seria a unidade de mil platôs, uma vez que não há mais referência a um domínio de base?

seria talvez a noção de agenciamento (que substitui a de máquinas desejantes); há toda espécie de agenciamentos, e composições de agenciamentos; de um lado, nós tentamos substituir a noção de comportamento por essa: daí a importância da etologia em mil platôs, e a análise dos agenciamentos animais, especificamente, por exemplo, dos agenciamentos territoriais;
um capítulo como o do ritornelo considera ao mesmo tempo agenciamentos animais e agenciamentos propriamente musicais: é o que nós chamamos um 'platô', que coloca em continuidade ritornelos de pássaros e ritornelos como os de schumann;
de outro lado, a análise dos agenciamentos,vtomados em seus diversos componentes, nos abre para uma lógica geral: não fizemos mais do que esboçá-la, e essa será, sem dúvida, a seqüência de nosso trabalho, fazer essa lógica, aquilo que guattari chama de ‘diagramatismo';
nos agenciamentos, há estados de coisas, de corpos, misturas de corpos, ligas, há também enunciados, modos de enunciação, regimes de signos; as relações entre os dois são muito complexas; por exemplo, uma sociedade não se define por suas forças produtivas e por sua ideologia, mas, antes, por suas “ligas” e seus 'vereditos';
as ligas são misturas de corpos praticados, conhecidos, permitidos (há misturas de corpos interditadas, tal como o incesto); os vereditos são os enunciados coletivos, isto é, as transformações incorporais, instantâneas, que têm curso numa sociedade (por exemplo, 'a partir de tal momento tu não és mais uma criança...');

você descreve esses agenciamentos, mas eles não estão, me parece, isentos de julgamento de valor; mil platôs não é também um livro de moral?

os agenciamentos existem, mas eles têm, com efeito, componentes que lhes servem de critério e permitem qualificá-los; os agenciamentos são conjuntos de linhas, um pouco como em uma pintura; ora, há toda espécie de linhas; há linhas segmentares, segmentarizadas;
há linhas que se afundam ou caem em 'buracos negros'; há linhas que são destrutivas, que desenham a morte; há, enfim, linhas que são vitais e criadoras; essas últimas abrem um agenciamento, em vez de o fechar;
a noção de linha abstrata é uma noção muito complicada: uma linha não pode representar nada, ser puramente geométrica, ela não é ainda verdadeiramente abstrata, na medida em que ela tem um contorno; a linha abstrata é a linha que não tem contorno, que passa entre as coisas, uma linha mutante; afirmou-se isso a propósito de pollock;
nesse sentido, a linha abstrata não é, absolutamente, a linha geométrica, é a linha mais viva, a mais criadora; a abstração real é uma vida não-orgânica; a idéia de uma vida não-orgânica é constante em mil platôs e justamente é a vida do conceito; um agenciamento é arrastado por suas linhas abstratas, quando ele é capaz de tê-las ou de traçá-las;
hoje, assistimos a algo de muito curioso: a vingança do silício; os biólogos freqüentemente se perguntaram por que a vida 'passou' pelo carbono e não pelo silício; mas a vida das máquinas modernas passa pelo silício: é toda uma vida não-orgânica, distinta da vida orgânica do carbono; falar-se-á, nesse sentido, de um agenciamento-silício; nos domínios os mais diversos, deve-se considerar os componentes de agenciamento, a natureza das linhas, os modos de vida e de enunciado;

entre coisas muito diferentes, pode haver uma continuidade intensiva; quando nós tomamos de empréstimo a bateson a palavra 'platô' foi justamente para designar essas zonas de continuidade intensiva; (...) as intensidades são questões de modo de vida e de prudência experimental; são elas que constituem a vida não-orgânica;

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