12 agosto 2008



praticar a gestão como exercício de liberdade consiste inicialmente em identificar os modelos de gestão que disputam a realidade, que controlam nossos fluxos;
praticar a gestão como liberdade, portanto, consiste em identificar como o modelos de ordenamento social que se ocultam em práticas naturalizadas, não-problematizadas;
consiste assim inicialmente em um exercício político de resistência ao modelo de gestão ou desenvolvimento vigente;

praticar gestão se refere a identificar modelos de organização;
não se entende gestão aqui como um enquadramento alienado e inconseqüente a valores indiscutíveis de um modelo tomado como absoluto;
consiste na prática política de resistência através da busca de alternativas ao mercado e não na submissão surda ou auto-censurada das alternativas de mercado;
dessa forma a importância do estudo e da formação em gestão não se resume a aprender as leis, a redação de documentos, ao conhecimento do mercado ou mesmo ao discurso competente da área;
a gestão não consiste num mercado de trabalho, não deve servir para alimentar o círculo vicioso do capital e da mais valia;
a gestão é pensada aqui como prática política de resistência ao processo de submissão que o capitalismo impõe aos coletivos de cultura irredutivelmente não ocidentalizável;

essa prática de gestão se articula aos direitos conquistados por esses povos ao longo dos últimos séculos;
sabemos que esse direito não pode garantir para esses povos mais que um lugar no mercado, mas simbolizam o reconhecimento ocidental da existência desses coletivos e a concessão de um valor para esses povos no mundo que vivemos, ainda que seja um valor pautado em critérios liberais e numa retórica assistencialista;
dessa forma, não nos apoiamos no direito nem o entendemos como finalidade, e sim vemos no direito um instrumento entre outros a serem manejados nessa prática de gestão;

o direito dos povos indígenas não consiste apenas num direito de acesso ao mercado de trabalho, à sociedade de consumo etc;
seu direito é mais amplo e se relaciona com a possibilidade de construir alternativas ao capitalismo e às formas de relação mediadas pelo capital;
é certo que a condição que se cria hoje para isso relaciona-se menos com um quadro de conquistas políticas e sociais e mais com o domínio imperial do capitalismo em escala global;
nossa história contemporânea ainda está mais marcada pela tradição ditatorial que pelas conquistas e práticas democráticas;
a noção que se tem hoje de progresso, crescimento ou modernização e nossa posição diante da economia e da política globais não diferem substantivamente daquelas o regime militar de há trinta anos;
por isso é necessário entender numa postura critica o quadro político em que se insere a popularização do discurso competente da administração ou gestão que tem sido estimulada pelo estado neoliberal e pelos mercados de formação profissional;
estimula-se com isso a reprodução de valores, de maneiras de ver, de pensar, de sentir e de processar o mundo;
valoriza-se com isso padrões de sensibilidade e consumo, projeta-se uma imagem de presente e de futuro que se configura como realidade vivida, como subjetivação;
as relações mediadas pelo capital me reduzem ao conjunto de subjetividades forjado nesse quadro;

não há dúvida de que o investimento da sociedade capitalista em sua auto-imagem visa à manutenção dos seus valores, da configuração de mundo de que é herdeira e que atualiza;
o que chama a atenção é o seu poder de ameaçar e colocar medo naqueles que destoam dessa concepção ao mesmo tempo que propagandeia a liberdade irrestrita;

será importante imaginar o trabalho do gestor como o de um articulador de perspectivas e soluções dos diversos agentes da coletividade;
elaborar um modelo de gestão tem menos a ver com a coalizão de interesses associada a trabalho do representante democrático, os político profissionais;
articular sobretudo os saberes das diversas áreas;
no caso dos conhecimentos que estabelecem interface com os saberes técnicos da tradição ocidental, articular o que há de conhecimento indígena no trabalho do professor, o que há de conhecimento indígena no trabalho do agente de saúde, no do agente agroflorestal e assim por diante;
colaborar sobretudo para que esses agentes construam a imagem indígena de seus trabalhos para além de suas obrigações técnicas e burocráticas;
elaborar com cada um deles e com todos juntos o modo como esses conhecimentos estão sendo utilizados para os objetivos de um coletivo indígena e para a constituição de processos indígenas de subjetivação, evitando assim se deixarem subjetivar pelo conhecimento técnico ocidental e o capitalismo;

a dimensão técnica não deverá servir para determinar um modelo e justifica-lo para o coletivo;
as técnicas de administração e cooperativismo devem ser colocadas a serviço do projeto político da comunidade, não para fazer o coletivo se submeter a um projeto externo e alheios aos seus interesses;
essas técnicas não podem servir apenas para propagandear o capitalismo e a onipresença das soluções mediadas pelo capital;
o projeto político de gestão do coletivo tem no gestor alguém para oferecer alternativas ás violências do poder capitalista e não alguém para propagandear soluções do credo liberalista;

é característica dos povos indígenas uma condução política diferenciada daquela das sociedades ocidentalizadas, determinadas pela coalizão dos interesses de estado e mercado;
essas características econômicas, culturais, sociais etc não devem ser ofuscadas pelas políticas de estado ou o terceiro setor que visam resolver supostos problemas da coletividade;
esse procedimento de assistência é característico dos missionários que costumam chegar nessas comunidades com os problemas pré-definidos segundo seus valores humanitários e cristãos e ocidentais;
pelo contrário, o gestor indígena deverá fazer as vezes de pesquisador das características que convirjam numa gestão não apenas com características indígenas, mas que proponham práticas de resistência ao assédio do modelo de desenvolvimento ocidental e seus valores;

os indígenas se caracterizam por uma outra postura em relação ao estado;
mesmo quando se submetem ao assistencialismo, se distanciam por uma postura de estranhamento ao mundo de origem do estado, mundo que é imposto e generalizado poe esse mesmo estado;
os indígenas se caracterizam por um distanciamento em relação ao poder do estado, da unidade de sentido universal imposta e veiculada pelo estado;
suas lideranças, seus fluxos de poder, seus fluxos econômicos, sua subjetividade heterogeneizante, todo seu regime cultural marcado pela sustentabilidade;
em tempos de questionamento crescente dos velhos dogmas da modernidade tais como o progresso e o crescimento econômico sem limites e objetivo, os coletivos passam a constituir contraponto de referência em diversas direções;
e apesar da aparente fragilidade [que está mais em nosso olhar padronizador] desses coletivos aos assédios da civilização de mercado, os indígenas persistem com seus consistentes regimes de socialidade, ainda que aparentemente soterrados pela avalanche consumista;
essa socialidade persiste, inclusive, tirando vantagem do controle ocidental, treinado na identificação de padrões e restrito à detecção de homogeneidades, não percebendo por vezes a característica homogeneidade desse processo de resistência cultural;

tarefa do trabalho do gestor está em identificar o que há de indígena nas soluções encontradas e nas proposições de utilização indígena dos recursos ocidentais oferecidos pela gestão cooperativista;
essa abordagem se contrapõe àquela que vê e busca alternativas de mercado para os indígenas, que trabalha a partir do dogma das relações de mercado;

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