12 agosto 2008



estranha dis-posição
por um lado quero me aproximar, estabelecer uma relação de proximidade, para que de alguma forma disponibilizemos a nossa intimidade e empreguemos nossa criatividade nesse processo de pratica coletiva de conhecimento;
por outro lado, um tanto contraditório, quero trabalhar um método e uma concepção de conhecimento centrados na desconfiança;
é estranho: por um lado devo conquistar a confiança de vocês, por outro, despertar a desconfiança em relação ao conhecimento e à universidade enquanto espaço-corpo desse conhecimento, ambos representados por mim;

esse dilema consiste numa contradição que pode esclarecer a posição dos discursos, a forma de concebe-los, de distribui-los, em suma, alguns problemas de política do conhecimento que podem esclarecer pressupostos que definem a relação dos agentes em jogo;
a instituição universitária e a tradição conservadora do conhecimento, as relações entre universidade e mercado no século vinte e um, as metamorfoses da política na contemporaneidade entre outros problemas serão a arena em que no disporemos para praticar o conhecimento;
não vamos ao encontro de um conhecimento já conhecido, não vou formata-los a partir do que aprendi na universidade ou nos livros, nem vou falar de mundo comum a todos [o melhor ou pior dos mundos] etc;
vamos construir conhecimento vivo a partir de nossas experiências e intuições;
teremos alguns problemas como ponto de partida e alguns meios para experimentarmos com linguagens diversas;
o que vamos buscar definir para nos afinarmos em uma abordagem será o plano em que estamos como um plano ocupado e definido por um conjunto determinado de atores, o que diferirá drasticamente do ponto de partida [e chegada de uma neutralidade axiológica];

perceberemos assim que a prática construtivista se dá na medida que desconstruímos princípios ocultos ou pressupostos que assombram nosso conhecimento;
trabalhar assim com as dimensões objetivas de um conhecimento muitas vezes restringido aos seus desdobramentos simbólicos ou representacionais;
perceber também o teor político ou artificial de discursos que se confundem com a natureza ou os fatos ao explica-los;
de um lado vamos perceber nossa liberdade para a construção de conhecimento e de realidades de conhecimento;
de outro, vamos desconstruir os discursos opressivos que se projetam como verdades absolutas, utilizando uma ciência conservadora para tantas políticas opressoras;

ambigüidades
a estranheza em relação a essa minha aparente contradição está na constatação de que o estado e seu discurso convergem para um universo monológico, em que os territórios e as funções estão bem demarcados;
o estado pode promover a diversidade, mas a multiplicidade é seu limite, é o limite que se precisa chegar para circunscrever as franjas do estado;


a sociedade ocidental constituiu formas de socialidade associadas com formas de conhecimento que não possibilita olhares que lhe sejam externos;
pelo contrário, as instituições que a caracterizam mais e melhor são justamente aquelas que procedem assentadas no absoluto como a religião, o estado, o judiciário e mesmo a ciência unificam um universo homogêneo a partir de um olhar e de valores que têm por referência o absoluto;
não só o relativo e a relação como a multiplicidade são estranhos a esse mundo da convergência, universo em que todas as perspectivas buscam um ponto comum e absoluto para ser canonizado;
a relação vai em outra direção, na direção de contrapor, de chocar, de dipor perspectivas e não e fazer convergir;

a relação entre índio e branco, entre conhecimentos diversos, entre diferentes saberes, consiste sobretudo numa relação;
ainda que seja uma tendência de toda relação em nosso ocidentalismo se unificar numa homogeneidade, esse confronto de conhecimentos projeta um jogo de olhares, de perspectivas, em que a ciência identificou[-se] tão somente com sua perspectiva absoluta, tendo deixado de fora outras possibilidades de se ver inclusive [e principalmente] a si;

onde a cobra morde [e a porca torce] o rabo é no ponto em que há uma fusão, em que o pensar ocidental não encontra expressão social a não ser nas sociedades indígenas, sociedades de contra-estado, quando os nativos americanos passam a servir para nos esquizoanalisarmos, nos fornecem ainda um conhecimento como sistema de multiplicidades;
o ponto antropológico de inflexão consiste na socialidade de resistência praticada partir desse conhecimento da multiplicidade ou multiplicizante, quando o pensar precisa se articular num viver;
o suporte vivencial desse saber, essa arte da resistência ao mesmo do universal, consiste em algo ;
a capacidade dessas linhas de fuga de reconfigurar o campo de forças é imprevisível;
essas linhas se lançam, escapam ao controle;
será a solução controla-las;

nesse ponto em que se encontram o construcionismo como procedimento libertário de pensamento e o xamanismo indígena como sistema epistêmico-político, ambos em busca de práticas multiplicizantes de saber-poder ou anti-saber-contra-poder;
ponto em que nosso construcionismo encontra expressão em outros pensamentos-vivências que não [relativamente, até certo ponto] a o pensador, distância que se buscará transpor ainda quando aparentemente intransponível;
em que esse contra-positivismo é acionado nos devires dos povos indígenas, com seus vastos sistemas de saber-viver, marcados pela divergência própria do efêmero, pela multiplicidade típica do provisório;
esses devires dos povos indígenas da amazônia com seus recursos xamânicos, sua socialidade da instabilidade, sua política do dissenso;

os índios proporcionaram e proporcionam ainda [e mais ainda] hoje, um problema para o pensamento e a política ocidental;
um problema central do saber ocidental [problema mais da prática do conhecimento que problema teórico, ainda que essas instâncias só se distingam na ordem do pensamento] sempre consistiu em reduzir os outros povos, em [dando continuidade à sua tradição metafísica] fazer convergir os demais povos a um mesmo universo, a uma mesma configuração perceptual, sensível, cognitiva;

um índio na academia consiste num fenômeno menos incomum que um coletivo indígena na academia;
um coletivo indígena consiste em um corpo estranho à academia, à idéia de academia e aos pressupostos dessa idéia de academia;
consiste num olhar, numa perspectiva que não poderá ser absorvida e moldada pela perspectiva acadêmica, pois que tende a afronta-la sempre e escapar-lhe voltando seu olhar sobre ela, não permitindo que ela se funda ao mundo que está explicando e reproduzindo ao explicar;
os mais importantes e representativos aparelhos de captura do estado consistem em perspectivas que desaparecem ou se fundem no absoluto: teologia, história, direito, todo um regime de verdade científico;
o índio como coletivo, como relação, não pode ser absorvido por essa máquina, o que pode ocorrer com um indivíduo, pois por mais discriminado que seja ele entra nos processos subjetivantes de individuação;

Visitor Map
Create your own visitor map!