14 maio 2008



chamamos palavra de ordem não uma categoria particular de enunciados explícitos (por exemplo, no imperativo), mas a relação de qualquer palavra ou de qualquer enunciado com pressupostos implícitos, ou seja, com atos de fala que se realizam no enunciado, e que podem se realizar apenas nele;
a palavras de ordem não remetem, então, somente aos comandos, mas a todos os atos que estão ligados aos enunciados por uma 'obrigação social';

mil platôs

a proposta de nietzsche em genealogia da moral é clara;
trata-se de propor uma relação de linguagem, uma criação discursiva que desobedeça às palavras de ordem da positividade, da relação de objetividade positiva;
trata-se de trazer à tona, em suma, as palavras de ordem, trata-se de uma questão de linguagem, de relação com ou de concepção da linguagem;
trata-se da primeira abordagem antropológica de um material, dado que a antropologia não se reduz a uma positivada sociologia indígena, ou seja, não se deixa definir [como se evidencia a partir de uma definição positiva] por seus temas tais como os selvagens e sua cultura, tal como sempre imaginaram então os ingleses;
não se trata tanto do material utilizado na genealogia como da abordagem original, da originalidade da concepção de linguagem de que dispõe;
pois a concepção de linguagem [o positivismo] se desdobra numa forma de imaginar o mundo e serve de pressuposto à concepção de uma matriz e à produção de conhecimento;

transvalorar terá a ver com problematizar essa relação com os valores e com os valores tornado pressupostos do conhecimento, e trata-se especialmente de voltar-se à maneira como estão arraigados na linguagem, em seu uso e na concepção que dela se faz;
é por isso que alguns pouco princípios de lingüística [em fins do dezenove] serviram para uma revolução epistemológica que encaminhou ou pôs à prova muitos dos preceitos da transvaloração;
num mundo modelado por um ciência régia positivista essa aboradgem propõe uma relação diferenciada com o conhecimento;
a subjetividade não define mais o processos estéticos ou semióticos, mas vice-versa, os processos semióticos ou agenciamentos de enunciação constituem subjetividades, ou seja, desloca-se do indivíduo positivado da psicologia de controle social de estado para uma concepção da subjetividade contra-estado, pois pautada pela diferencialidade;

os temas abordados para a genealogia são a constituição da subjetividade, num corte epistemológico, demarcando a 'origem' mística do pensamento científico positivista;
a abordagem histórica, matriz humanista do positivismo, laico, racionalista e evolucionista, é analisada e tem sua concepção de linguagem desmontada e evidenciada;
utiliza-se para a sutura entre a mística judaico-cristã e o laico racionalismo iluminista o pensamento jurídico e as práticas penais;
a dinâmica de operação dos valores se mostra contínua, para além das cisões superficiais dos enunciados;
isso se mostra na concepção e na utilização da linguagem ou das 'palavras de ordem';

daí a abordagem antropológica: produzir um discurso capaz de circunscrever os valores apropriados e postos em ação pelo positivismo da ciência régia na reprodução de 'palavras de ordem' arraigadas na matriz mística do pensamento ocidental;
só assim para exorcizar o etnocentrismo arraigado na antropologia como disciplina colonalista por excelência;
fazer o bem, fortalecer a cultura, preservar a língua etc;
é esse discurso que a genealogia começa por desconstruir, demonstrando como operam as palavras de ordem que dizem uma coisa e fazem outra;
por isso bem e mal como duas expressões auto-referentes [baluartes do pensamento histórico-transcendental do dezenove], pois marcadores de uma universalidade evidenciada [cultuada] nos próprios valores;
a mesma universalidade que sustenta/sustentada nesses fundamentos da metafísica [bem, belo, justo] é a universalidade que será o princípio da universalização do estado, da ciência e do mercado;

pois a única psicologia é a psicologia do padre, no dizer de nietzsche;
a constituição da subjetividade está arraigada na metafísica auto-referente do discurso místico;
do judaísmo, é isso que será perpetuado pelo estado e pela ciência régia: uma forma que se reafirma, uma lógica da auto-conservação que se contrapõe ao espírito de sacrifício que pode ser reconhecido nas práticas de subjetivação [ainda que ou pois que místicas] de outros povos;

morte, desrazão/irracional, toda a parte maldita é desterrada da lógica que guia a consciência;
o sacrifício, no entanto, consiste na chave do trágico como pensamento que se constitui como prática de subjetivação, como agenciamento de enunciação que não se produz simplesmente como mercadoria pelo vínculo com a vida, ou seja, o processo de subjetivação;
pensar aqui não é falar, ou seja, reproduzir[-se em] 'palavras de ordem', é fazer no sentido de acionar enunciados que circunscrevam, que evidenciem, desconstruam, problematizem tais 'palavras de ordem' que povoam nosso cotidiano, nossas ações;

o medo [como paixão triste], o temor servirá como motor dessa máquina de reproduzir 'palavras de ordem';
o círculo de pensamento que nos retém, a facilidade da evidência que o positivo possibilita, a satisfação de ser compreendido, reconhecido;
tudo isso consiste no processo de reprodução das 'palavras de ordem' e num processo de subjetivação em que se reitera o compromisso com uma imagem de sociedade;

palavras de ordem consiste numa forma de utilização dos enunciados evidenciada por foucault em sua teoria do enunciado de arqueologia do saber;
ele elabora então a noção de discurso como enunciado tomado e sua dinâmica prática, pragmática ou político;
desmontando ou genealogizando a noção de ideologia e a concepção de verdade pressuposta nela, o autor elabora a noção de discursividade, inerente a qualquer enunciado;
a noção de discurso elaborada por foucault desdobra-se ou deriva da concepção de linguagem inerente à genealogia de nietzsche;
o discurso não possui valor auto-referente, só se deduz seu sentido de sua prática;
essa abordagem terá projeção evidente e crucial na[/da] antropologia;
consiste na abordagem da antropologia como disciplina da ciência régia, a antropologia agora como refinado aparelho de estado distinto dos matadores de índio dos antigos serviços de proteção ao índio, ainda que herdeiro de suas funções;
daí a possibilidade de uma antropologia das sociedades contra o estado, das sociedades contra-estado, uma antropologia contra-estado;
daí a possibilidade de se circunscrever as máquinas de guerra, de se inscrever máquinas de guerra;
só uma imaginação livre da vontade de viver, do instinto de preservação da sociedade, um pensamento livre do aparelhamento pelo estado estará liberado para integrar a parte maldita, constituir-se como parte maldita;

muitas podem ser as antropologias inscritas em máquinas de guerra;
essa multiplicidade contrasta com o programa unificante de uma antropologia científica;
entre elas: desde assumir uma abordagem mais conservadora, que se caracteriza pela prática de continuar adotando a seu favor os valores convencionais, até uma concepção mais radical de ruptura e ataque ao estado liberal;
entre as carcaterísticas que se evidenciam estão as seguintes;
primeira: uma dobra sobre as práticas subjetivas do próprio ocidente;
também: uma abordagem marcada pela interface epistêmica, caracterizando um discurso de alto teor metatéorico;
e: um discurso que evidencia seu estilo e sua filiação epistêmica, longe de perder-se ou esconder-se numa objetividade estéril e anônima;
ainda: evidenciando seu estilo evidencia sua natureza estética, seu caráter de agenciamento de enunciação;
e: uma problematização da etnografia, centrando fogo em seu aspecto estilístico e, com isso, tomando distância da vontade de verdade da tendência descritivista associada a essa prática;
não se trata, é óbvio e evidente, de renunciar à etnografia, mas de renunciar a uma etnografia óbvia e por demais evidente;
ou seja, trata-se de tratar da linguagem que descreve enquanto descreve, evidenciando o que persiste de 'palavra de ordem' na positividade típica da etnografia;

abri mão da etnografia para estudar esse processo;
percebi que fazer etnografia cru seria reproduzir 'palavras de ordem', entrar na ordem do discurso e assumir o discurso competente do antropólogo profissional, investido de poder pelo estado e o mercado;
queria extrair poder de outras fontes, por isso voltar-se contra a reprodução de 'palavras de ordem' do discurso acadêmico;
caindo no circuito das 'palavras de ordem', parece que me voltei para uma abordagem teoricista e me desvinculei do comprometimento com a causa;
não fosse a evidente usura discursiva e a afetação histriônica dos que estavam à minha volta na academia, a qual tanto contrasta com a simplicidade e economia dos gestos rituais que vislumbrei na opy...

desde o início problematizei a função da etnografia: por que e para quem fazer uma etnografia: eis a dúvida;
ainda mais no campo que buscava, o dos fundamento do conhecimento, que é 'como o outro aprende', processo que tanto encafifa os colonizadores há séculos e que se encontra em alta com as descobertas recentes da educação intercultural-bilíngüe, em que os índios pedem para ter suas mentes colonizadas em troca de alguns empregos e verbas públicas;

certo que já se tratava de outra coisa, pois os desdobramentos da cultura indígena em nossos processos diferenciais de produção de conhecimento, tais como as escolas ayahuascakeiras, que muito inspiraram esse trabalho, visava trabalhar com a aprendizagem indígena como precursora de formas que se desdobraram e invadiram os processos ocidentais de percepção;
mas como lidar com a mercantilização do conhecimento [redefinição do processo que caracterizou as disciplinas como aparelhos de estado] da qual a minha geração acadêmica faz parte, enfrentando os lobbys das fundações que estabelecem critério definidos para a produção de conhecimento, cortando pela raiz o que não for comercializável;

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