16 abril 2008



subjetividades indígenas: o fetiche da mercadoria

há muito me pergunto o porquê de trabalhar com povos indígenas, quando tenho que lidar tanto com problemas dos quais eu queria tanto me afastar;
burocracia, capitalismo, projetos de integração assinados pelos próprios indígenas, enfim, de todos lados as máquinas de captura emergem e atacam;
a subjetividade tomada como mercadoria, aquilo que os antropólogos metidos a espertos [eles pensavam que no enganavam mas pegamos eles] consideram como apropriação indígena dos nossos recursos [escola, história, política, dinheiro etc], em lugar do arcaico pessimismo civilizatório [pobres aculturados] parece muitas vezes o próprio objeto para muitos antropólogos [esses ligados no mercado de trabalho e no seu regime de valores];
o relativismo me parece muito afim com essa abordagem da cultura indígena a partir dos nossos próprios valores, o que faz dela um mercadoria entre outras, ainda que valorizada;
no entanto, não comungo dessa visão estreita {que muitos têm inclusive da antropologia brasileira contemporânea] de que o trabalho da antropologia ou do antropólogo consiste em valorizar essa mercadoria, visando tanto empreendimentos indígenas como antropológicos;

essa apropriação mesquinha se dissemina por todos os lugares, instituições e aldeias;

o que será que caracteriza uma coisa e outra, qual a diferença entre investir na subjetividade indígena como mercadoria e investir na subjetividade como resistência político cultural...

pois o que as instituições parecem fazer, seja devido ao limitado horizonte político [que perdeu toda e qualquer referência de resistência, tendo se voltado ao assistencialismo e ao individualismo consumista generalizado, isto é, formador de valores] das próprias pessoas envolvidas [e que fazem o estado], seja pelo horizonte do estado centrado [ao menos aqui na amzônia] na velha publicidade sobre o assistencialismo, é circuncrever-se no regime de valores determinado pelo mercado, tomando-o como parãmetro definitivo de suas ações;

é trabalhar fundamentalmente com essa subjetividade como mercadoria disputando lugar no mercado, buscando ser valorizada numa identidade nacional caduca que é tomada como parâmetro de valores, ainda que esses valores não sejam sustentados por nós mesmos, afinal não temos mais tanta fé no projeto capitalista do progresso evolutivo indefinido;
o mundo diminuiu muito com o mapeamento da comunicação onipresente, sua fragilidade no salta aos olhos hoje, que o consumismo nos ameaça mais que uma guerra atômica;

é nesse contexto que os projetos que projetamos para os indígenas, incluindo sua subjetividade, desdobrando-se em auto-subjetivações assumidas pelos próprios indígenas, no modo dos indígenas se imaginarem em seus projetos políticos, reduzem-se ao projeto do mercado, de valorização do produto, de práticas de empreendedorismo social;

quando não se tem um projeto de resistência política e subjetiva [quando se vive no horizonte homogêneo, preparado a base de ditaduras pelo capitalismo] corre-se o risco de se impor com maior convicção um projeto de estado a esses povos, de reproduzir nosso modelo opressivo de subjetividade e de política subjetiva e impô-los, sob a figura ambígua do amigo/colonizador, a esses povos;

identificando como nós próprios fazemos, ou seja, diluindo-se em nosso campo de valores os próprios indígenas passam a assimilar a política ao consumo e fazer dele o horizonte último de seus projetos de futuro;
a influência da escola é muito mais a de assimilar tais valores que qualquer suposto conhecimento humanista;
desde o professor como funcionário e diplomata da sociedades indígenas, ponto de contato com o estado, universidades e ongs consiste na figura probemátic a assimilar esse universo do consumo, da mercadoria, do circuito da capitalismo integrado e seus valores imanentes;

um projeto de resistência [mesmo de ecologia] subjetiva pode ter esse ponto como chave para sua abordagem por conta de ser o espaço da produção de subjetividades, campo que equivale no universo indígenas ao tempo dos ritos de iniciação;
o rito iniciático pontual, restrito a datas comemorativas ou mesmo ciclos, não pode disputar com o cotidiano escolar;
a força do cotidiano não deixa espaço para essa memória, esses valores que deixam de ter sentido;


isso não é feito de maneira inconsciente;
quando trabalhei com jairo, certa vez ele nos disse explicitamente que nossa tarefa seria de azer como a cppi tinha feito, mostrar como é "cool, legal, in etc..." ser índio;
a subjetividade é tomada aqui como produto a ser valorizado no mercado;
essa valorização está radicada num discurso que parte da imaginação assistencialista;

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