10 abril 2008


ordem e desordem


a metafísica clássica alojava-se precisamente nessa distância da ordem à ordem, das classificações à identidade, dos seres naturais à natureza: em suma, da percepção (ou da imaginação) dos homens para com o entendimento e a vontade de deus;

(foucault, as palavras e as coisas: 233)


conhecer como dádiva ou graça a ordem do universo ou violentar a natureza e violar a lei;

conhecer o mundo já pré-definido pela criação ou criar um universo na luta/disputa entre mundos de conhecimento diversos;

com essa distinção de imagens do conhecimento que foucault começa um de seus cursos no collège de france, quando em 1970 [poucos anos depois de publicar o trecho supracitado, em 1966] aborda a vontade de saber;

segundo ele, de um lado temos [didaticamente] um modelo teórico de vontade de verdade estabelecido a partir dos [ou que estabelece os] postulados da metafísica clássica [aristóteles], e de outro, o modelo de um conhecimento menos natural e mais humano [demasiado humano], pautado no interesse, produzido como acntecimento do querer e determinando, por meio de falsificação, o efeito de verdade [nietzsche];


o que se têm é o modelo da racionalidade que pautou a tradição da produção de discursos do pensamento ocidental, que resulta da harmonia entre pensamento e realidade, segundo o imaginário da ordem versus uma concepção do conhecimento como produção humana, não só histórica e socialmente determinada, mas questionando a própria pré-noção de verdade como resultado dessa harmonia, fazendo repercutir os valores que implicam assumir tal concepção;

aqui retomamos a interação entre ordem e desordem que se projeta do cerne de grande sertão;

foucault associa à deus, conforme o trecho citado, a ordem, a identidade e a natureza, em suma os fundamentos [ou a dinâmica própria] da metafísica clássica, que, como ele procura evidenciar, configuram uma idade clássica da representação;


dos três modos de conhecer que definem a idade clássica da representação, um deles é a gramática [sendo os demais a história natural e a análise das riquezas];

portanto, a ordem gramaticalizada da língua é na tradição da metafísica clássica, matriz do saber científico ocidental, índice da presença divina;


a gramática [pensada como ordenamento do mundo que justificaria inclusive a alma dos selvagens, sua filiação a deus] foi tomada no primeiro período da colonização [e ainda o é] como um dos principais instrumentos de amansamento e catequese;

a gramática permitia aos jesuítas do período penetrarem na ordem do mundo selvagem/bárbaro e pagão;

dessa forma, ao relacionar a desgramatização do idioma acionada/disposta no grande sertão à presença do diabo não se faz proposta descabida;


no entanto, ao conduzir o diabólico à linguagem, não se quer reduzir os processos de subjetivação acionados pela linguagem via riobaldo;

mais uma vez: o homem-linguagem riobaldo é a diferença da parole e não a identidade da langue;

portanto, as hecceidades que configuram esse sertão não podem ser ofuscadas por esse processo de desmontagem da norma padrão do idioma;


hecceidades que configuram pela boca de riobaldo a infinidade de subjetividades/subjetivações-linguagem típicos desse sertão-mundo;

a multiplicidade sintetiza essa hecceidade própria da parole, desprezada pela ciência da langue, despreparada para lidar com essa dimensão social da linguagem por ela não se conformar às exigências da identidade típicas da ciência régia;

a diferença encontra nesse material [indomável pela ciência da langue] a possibilidade de se constituir não como ciência régia, pelas regras da identidade, e sim segundo uma outra imagem do conhecimento e da verdade;

esse conhecimento e essa verdade não exaltam o definitivo, mas o provisório, não se fundam na harmonia linguagem/mundo, mas na violência da produção de verdades;




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