10 abril 2008



é interessante que rafael venha retomar [nominalmente] um elemento que atravessa praticamente todo meu esforço de fazer antropologia, antes e agora, neste juruá amazônico;
quando esboço princípios de uma antropologia ashaninka, não como mera brincadeira teórica, e sim com base em minha experiência junto ao projeto yorenka ãtame, trato de [uma fórmula] um dispositivo que tenho buscado manejar desde quando comecei a lidar com uma antropologia contra-estado, ou seja, pensada mais como máquina de guerra, que como colonial aparelho de amansamento da resistência indígena [por meio da pseudo-autonomia que não passa de burocratização integracionista];

tal [fórmula] dispositivo conjuga nos regimes de enunciação [algo tantas vezes desprezado como puro preciosismo teórico] uma política de conhecimento que forneça subsídios para destrinchar uma gama de instrumentos constituídos pelo estado e a sociedade ocidental para definir as condições de vida dos indígenas [sempre segundo seus pressupostos e quase sempre visando eufemizar sua diferença/resistência como uma suposta incapacidade de ser ocidental];

devido ao fato do pensamento ocidental [além de jogar em casa] definir as regras do jogo e impõ-las como possibilidade única [força] de se pensar a realidade do mundo, fazem-se necessários instrumentos que permitam desmontar esse campo minado;

o que quero, no entanto, destacar desse dispositivo agora é que se ele encontra ressonâncias nas práticas de política de conhecimentos e gestão de recursos planejadas ou em curso [projeto yorenka ãtame] na região do alto juruá, entre povos indígenas e demais moradores da região, é porque há muito procuro destacar, no contato dos grupos com quem convivi, seu olhar diferenciante sobre o mundo do homem branco;
esse olhar diferenciante é uma abordagem do mundo branco [com sua política de conhecimento arraigada em sua concepção mítica ou metafísica] em sua dinâmica etnocêntrica;
essa diferenciação, de características genealógicas, permite circunscrever, então, a história e escapar do cerco absolutizante do pensamento ocidental;
a partir daí, o que interessa é que essa linha de fuga para além [ou aquém, com o mito] da história, libera possibilidades subjetivas que seriam inviáveis [como são] no âmbito das emancipadas subjetividades configuradas pelo estado para os indígenas;
com essa abordagem, escapa-se ao projeto de emancipação da diversidade traçado pelo governo popular da redemocratização, que propõe uma política da diversidade distinta da integração [ou etnocídio] que configurou desde a colonização a política de subjetividades do estado;
isso porque os presupostos etnocêntricos que fundamentam essa política vêm à tona e a política indígena [contra-estado] se diferencia de uma política indígena de estado;

minha atenção esteve voltada para essa antropologia indígena não só porque esses interlocutores são [tenta-me dizer, naturalmente ou historicamente, tanto faz] exímios observadores diferenciantes [ou diferenciadores] da sociedade ocidental;
esse afã, de fato, facilita perceber a tendência de seu conhecimento para um combate a ser travado nas margens na região de contato [não se trata de contato sociológico como na fricção étnica, mas nas regiões ideais do conhecimento e da construção de si] com o universo branco;
acredito que, desde que essa prolixa antropologia encontre vazão, o espaço da escola pode deixar de ser espaço de amansamento e território branco e passe a se constituir como campo para processos indígenas de subjetivação;

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