17 março 2008

parentes

não é tanto quem é um consangüíneo ou um afim que difere de um mundo relacional para outro, mas, antes de mais nada e sobretudo, o quê é um consangüíneo ou um afim;

os conceitos amazônicos de afinidade e consangüinidade não só determinam outros referentes que os nossos, como envolvem outros componentes;

mas e é assim, dir-se-á, então para que aplicar os termos 'consangüinidade' e 'afinidade', e mesmo o de 'parentesco', ao mundo amazônico?

precisamente, penso, para poder enxergar a diferença que liga esse mundo ao nosso;

suponho que há uma relação entre, digamos, nosso conceito de parentesco e o que vou chamar de parentesco no contexto amazônico;

mas tal relação não é de identidade, nem de equivalência, nem exprime um fundo comum - e menos ainda um 'ar de família', noção wittgensteiniana cuja aplicação aqui seria uma petição de princípio, pois ela já traz implicada toda a nossa concepção de parentesco;

seguindo nisso, como se verá, a lição indígena, deve-se imaginar um conceito de relação que não tenha a identidade como protótipo;

em outras palavras, é desnecessário apelar para algum tipo de coisa-em-si, uma essência que esteja lá como referente último da relação entre os conceitos amazônico e ocidental;

a entre-expressão analógica destes conceitos não exprime outra coisa que suas relações diferenciais aos outros conceitos de seus respectivos planos de imanência (deleuze e guattari 1991);

suas dissonâncias são tão ou mais significativas que suas ressonâncias;

a decisão de dar o mesmo nome a dois conceitos ou multiplicidades diferentes não se justifica, então, por causa de suas semelhanças, e apesar de suas diferenças, mas o contrário: a homonímia visa ressaltar as diferenças, a despeito das semelhanças;

a intenção, justamente, é fazer parentesco querer dizer outra coisa;

eduardo viveiros de castro, atualização e contra-efetuação do virtual


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