23 fevereiro 2008

subjetivação pelo trabalho 1
o devir trabalhador e suas (in-)potências

por muito tempo servi-me fartamente dos saborosos pratos da história, até um dia seus temperos e depois tudo o resto passar a cheirar mal;
hoje sou econômico e reservado no que diz respeito à história;
ainda lembro o gosto que tinha, ou que eu dava, para os direitos do trabalhador como uma conquista inconteste;
percebi como essa forma de servidão voluntária funcionava quando passei a desconfiar dos, até então, também incontestes, sindicatos;
sua aura foi perdendo o brilho e comecei a entende-los como parte da máquina de exploração, natureza que foi se estendendo para todo o direito, que passou a ter para mim menos aquele absoluto valor em si do que um restrito valor estratégico;
foi desconfiando do paternalismo do ditador vargas e não nos livros de história ou nos manifestos anarquistas ou punks, que as gloriosas conquistas dos trabalhadores perderam os clarins que as embelezavam e passaram a constituir parte da máquina opressora que hoje se evidencia na forma de subjetivação conservadora da velha política de resistência dos sindicatos;
os sindicatos, ao lado da velha figura do trabalhador, sua identidade, envelheceram e já não tem mais lugar num mundo de virtualidades, de serviços e de marketing;
como por mágica, o velho mundo das fábricas desapareeu de nosso campo de visão para dar lugar a tantas outras formas/imagens da opressão;
a forma da resistência entrincheirada nos sindicatos mostrou então sua fragilidade e, pior (diria, melhor), seu pressupostos opressores com sua concentração no estado, nos direitos, na identidade, todo um imaginário opressor e nada libertário;

isto se tornou claro no processo de politização e democratização dos trabalhadores do acre, onde a escravidão não foi abolida na data oficial de há cem anos, mas restou até pouco mais ou menos de vinte anos;
chamou-me a atenção a forma com que a história (em um momento de plena exaustão e superação desse discurso legalista de direitos dos trabalhadores) trata unanimemente (por um compromisso auto-denominado histórico (talvez com os mortos ou com o passado)) o valor imaculável dos direitos do trabalhador na épica construção de um fracasso: o ecologismo extrativista efetivado e tornado lei com as reservas extrativistas;

o projeto pode ser resumido como uma forma de comercialização da floresta amazônica legitimada pelos explorados do seringalismo liderados pelo líder sindical, tornado ídolo pop, chico mendes;
nesse projeto, os mercadores subutilizam todos os tipos de produto recriados pelo globalismo ou capitalismo mundializado: identidades que vão desde povos tradicionais até o indígenas, discursos que vão desde o socialismo de estado até o liberalismo das ongs, legislação, entre outros;

pois no acre, esse épico episódio possibilitou a reformulação de uma instituição decadente, um intensificador de poder que ainda se rebate em seu túmulo, o qual polissemicamente chamamos de história, instituição da qual muito temos falado e, para os que não mais dela se lembram, tratava-se de uma antiga espécie de arte jornalística;
pois foi essa velha conhecida, que em seu tom e referências tão antiquadas, deixou-me entrever o histrionismo que marcava essas épicas conquistas legais dos trabalhadores no sentido de sua servidão voluntária;
talvez eu nunca tivesse percebido isso, não tivesse sido o fato, diria fator econômico, desses trabalhadores terem forjado um mundo que ruiu sob seu olhos e seus pés pois da noite para o dia, de maneira similar à meteórica queda ou quebra do vlor da borracha, o valor do trabalhador (mesmo com, ou melhor, devido a toda a sua identidade arraigada na subjetividade do patrão) conheceu uma decadência tão avassaladora quanto a decadência do discurso que encontrou para se justificar, discurso do desemprego e da dependência da velha servidão à qual estava e está identificado;

a constituição da imagem do seringueiro estava associada e continua ao mercado industrial;
essa sua forja, somada à eficiente política de assistência do estado, centrada na produção da dependência e na supressão da autonomia, tem tornado sua condição cada vez mais difícil, na qual não compreende como seu sonho se tornou pesadelo com tanta facilidade e como a liberdade anunciada o conduziu para um mesmo e pior, por descentralizado e desesperançoso, ciclo de servidão;

desse novo ciclo de servidão demorará um pouco mais para se libertar pois, para ele, as velhas cartilhas do marxismo não bastam;
a vacina da conscientização das massas serviu para a política de saúde do próprio capitalismo;

nesse processo, a escola tem exercido seu papel;
imediatamente ela obedece um imaginário que comunga a velha imagem da instrução com a das novas tecnologias, comprometidas com o, também renovado (também em suas formas de exploração), mercado;
é assim que o veho escravo manda o filho para a escola, para se constituir à imagem do mercado de trabalho e reproduzir sua velha função agora com mais 'competência técnica';

a escola como forma da subjetivação, como saída para a suposta decadência, forjada há muito pelos próprios revolucionários da floresta que agora batem em retirada, deixando ao estado sua propriedade depois de terem alimentado e nutrido o dragão do mercado da natureza;

a escola e o mercado de trabalho constituem a nova realidade daqueles que não fizeram frente ao projeto, ou melhor, ao discurso modernizador;

aqueles que fizeram frente à 'modernidade', mantendo seu compromisso inicial de uma aliança como povos da floresta, estão virando índio pois o que se percebeu foi que se acirrou (em lugar de se sutilizar) com a tal política sociombientalista a divisão entre índios e brancos, ou entre o que é ser índio e o que é ser branco;
de fato, mais uma vez a lei não mudou as pessoas, em lugar disso foi novamente apropriada em favor daqueles que a manipulam para tirar proveito e conservar o poder concentrado nas mãos dos mesmos;
o messianismo educacional do iluminismo ou 'furor pedagogicus' segue doutrinando, constituindo velhas identidades em seus processos de subjetivação;

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