11 fevereiro 2008

comer

o caráter substantivista da ciência régia, de nossa tradição de pensamento que se constitui a partir da identidade e em detrimento da diferença, dificulta o pensamento por processos, por transformações, por devires;

as identidades identificam substâncias, relações de causalidade, determinações;

a diferença pensa processos, devires e possibilidades que não conduzem necessariamente para a identidade da substância;

parte-se aqui de uma tradição antropológica que gira(va) na órbita dos pólos, melhor será dizer da polarização, índios versus brancos, cultura versus aculturação, brabos versus amansados, categorias essas com uma evidente funcionalidade de estado visando a identidade como critério último;

daí, passa-se a pensar a diferencialidade de cada processo cultural de contato, suprimindo a importância de um processo geral (transfiguração étnica) que ateste qualquer inflexibilidade histórica;

o índio ou o selvagem vai dando lugar a diferencialidade de cada etnia, de cada processo histórico, de cada forma de relação com a sociedade local, de cada forma de gestão política interna, de gestão de recursos e território, de cada forma de inserção econômica no circuito capitalista, de contato com a religião cristã etc;

passa-se das categorias polares de identificação para os processos imanentes de subjetivação que garantem diferencialidade sobre os processos em curso;

essa diferencialidade possibilita reconhecer os processos de subjetivação em ação, as formas de produção de diferença processando-se;

visto que aquela polarização mantinha como pólo majoritário a cultura ocidental, visto que a polarização servia a um movimento fatídico de progressão no sentido da ocidentalização, restava sustentar essa polarização unicamente para inverter sua função, fazendo com que ela assim sirva à diferenciação;

é assim que um recurso, um conceito, um aparelho de estado pode ser transformado em máquina de guerra;

a polarização não mais conduzirá inerentemente (obecendo uma progressão histórica) à absorção do índio ao amplo espectro étnico alinhado em torno do estado denominado brancos (ou não-índios);

e o recurso de distinção conhecido como 'índio', essa categoria genérica (criada então pelo estado colonial para integração desse contingente étnico) poderá servir agora também para o estabelecimento da diferença;

o indígenas podem se utilizar dela como diferenciação contra o processo de integração do estado;

no entanto, essa diferença será imediatamente incorporada (amaciando seu caráter conflituoso) como política pública;

pode-se pensar inclusive: mas não resultará essa inversão do dispositivo 'índio' (de integração em diferença) justamente em produto das políticas públicas...?

acredito que não, que as políticas públicas, tal como a constituição de 88, consistam em reação à subjetivação acionada pela apropriação desse dispositivo;

a partir de quando essa diferença passa a marcar a diferença, a instrumentalizar um pensamento da diferença ela conduz a uma afirmação da diferença, em que esta não é mais tomada como negativa a partir de um horizonte da identidade, que pressupõe a identidade;

daí, abre-se a possibilidade de se pensar os processos de subjetivação e não mais a generalizante e substancializada identidade;

os processos de subjetivação estão pulverizados na imanência das práticas cotidianas, da micropolítica;

procuraremos destacar sua função na prática de um grupo específico como os kuntanáwa em seu processo de etnicização;

inicialmente, marcando o caráter metodológico (política do conhecimento) da subjetivação, contrapondo identificação de estado à processos de subjetivação, a forma como aquela propõe reduzir estes à identidade para que o grupo esteja adequado às políticas públicas 'diferenciadas';

outro processo que fornecerá subsídios para a apropriação dos processo de subjetivação será a experiência do projeto yorenka ãtame, concebido pelos ashaninka do rio amônia;


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